Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo garante-nos que Deus não se conforma com os projetos de egoísmo e
de morte que desfeiam o mundo e que escravizam homens e mulheres e afirma que
Ele encontra formas de vir ao encontro dos seus filhos para lhes propor um
projeto de liberdade e de vida plena.
A
primeira leitura propõe-nos, a partir da figura de Moisés, uma reflexão sobre a
experiência profética. O profeta é alguém que Deus escolhe, que Deus chama e
que Deus envia para ser a sua “palavra” viva no meio do povo. Através dos
profetas, Deus vem ao nosso encontro e apresenta-lhes, de forma bem
perceptível, as suas propostas.
Assim,
a vocação profética é uma vocação que surge por iniciativa de Deus. Ninguém é
profeta por escolha própria, mas porque Deus o chama. O profeta tem de ter
consciência, antes de mais, que é Deus quem está por detrás da sua escolha e do
seu envio. O profeta não pode assumir uma atitude de arrogância e de autossuficiência,
mas tem de se sentir um instrumento humilde através do qual Deus age no mundo.
A
segunda leitura convida os crentes a repensarem as suas prioridades e a não
deixarem que as realidades transitórias sejam impeditivas de um verdadeiro
compromisso com o serviço de Deus e dos irmãos.
Por
detrás das afirmações que Paulo faz no texto que nos é proposto como segunda
leitura, está a convicção de que as realidades terrenas são passageiras e efêmeras
e não devem, em nenhum caso, ser absolutizadas. Não se trata de propor uma
evasão do mundo e uma espiritualidade descarnada, insensível, alheia ao amor, à
partilha, à ternura; mas trata-se de avisar que as realidades desta terra não
podem ser o objetivo final e único de nossa vida. Esta reflexão convida-nos a
repensarmos as nossas prioridades, e a não ancorarmos a nossa vida em
realidades transitórias.
O
Evangelho mostra como Jesus, o Filho de Deus, cumprindo o projeto libertador do
Pai, pela sua Palavra e pela sua ação, renova e transforma em homens livres
todos aqueles que vivem prisioneiros do egoísmo, do pecado e da morte.
É
um sábado. A comunidade está reunida na sinagoga de Cafarnaum para a liturgia.
Jesus, recém-chegado à cidade, entra na sinagoga, como qualquer bom judeu, para
participar na liturgia sabática. É provável que Jesus tivesse sido convidado,
nesse dia, para comentar as leituras feitas. Fê-lo de uma forma original,
diferente dos comentários que as pessoas estavam habituadas a ouvir aos
“escribas” (os estudiosos das Escrituras). As pessoas ficaram maravilhadas com
as palavras de Jesus, “porque ensinava com autoridade e não como os escribas”.
A referência à autoridade das palavras de Jesus pretende sugerir que Ele vem de
Deus e traz uma proposta que tem a marca de Deus.
A
“autoridade” que se revela nas palavras de Jesus manifesta-se, também, em ações
concretas. Na sequência das palavras ditas por Jesus e que transmitem aos
ouvintes um sinal inegável da presença de Deus, aparece em cena “um homem com
um espírito impuro”. Os judeus estavam convencidos que todas as doenças eram
provocadas por “espíritos maus” que se apropriavam dos homens e os tornavam
prisioneiros. As pessoas afetadas por esses males deixavam de cumprir a Lei, as
normas corretas de convivência social e religiosa e ficavam numa situação de
“impureza” – isto é, afastadas de Deus e da comunidade. Na perspectiva dos
contemporâneos de Jesus, esses “espíritos maus” que afastavam os homens da
órbita de Deus tinham um poder absoluto, que os homens não podiam, com as suas
frágeis forças, ultrapassar. Acreditava-se que só Deus, com o seu poder e
autoridade absolutos, era capaz de vencer os “espíritos maus” e devolver aos
homens a vida e a liberdade perdidas.
Num
singular poder evocador, Marcos põe o “espírito mau” que domina “um homem”
presente na sinagoga, a interpelar violentamente Jesus. Sugere-se, dessa forma,
que diante da proposta libertadora que Jesus veio apresentar, em nome de Deus,
os “espíritos maus” responsáveis pelas cadeias que oprimem os homens ficam
inquietos, pois, sentem que o seu poder sobre a humanidade chegou ao fim. A ação
da cura do homem “com um espírito impuro” constitui “a prova provada” de que
Jesus traz uma proposta de libertação que vem de Deus; pela ação de Jesus, Deus
vem ao nosso encontro, para salvar de tudo aquilo que o impede-nos de ter vida
em plenitude.
Para
Marcos, este primeiro episódio é uma espécie de apresentação de um programa de
ação: Jesus veio ao encontro de homens e mulheres para libertar-nos de tudo
aquilo que nos faz prisioneiros rouba-nos a vida. A libertação que Deus quer
oferecer à humanidade está a acontecer. O “Reino de Deus” instalou-se no mundo.
Jesus, cumprindo o projeto libertador de Deus, pela sua Palavra e pela sua ação,
renova e transforma em homens livres todos aqueles que vivem prisioneiros do
egoísmo, do pecado e da morte.
O
evangelho revela-nos que o “homem com um espírito impuro” representa todos os
homens e mulheres, de todas as épocas, cujas vidas são controladas por esquemas
de egoísmo, de orgulho, de autossuficiência, de medo, de exploração, de
exclusão, de injustiça, de ódio, de violência, de pecado. É esta humanidade
prisioneira de uma cultura de morte, que percorre um caminho à margem de Deus e
das suas propostas, que aposta em valores efêmeros e escravizantes ou que
procura a vida em propostas falíveis ou efémeras.
Para
Marcos, a proposta de Deus torna-se realidade viva e atuante em Jesus. Ele é o
Messias libertador que, com a sua vida, com a sua palavra, com os seus gestos,
com as suas ações, vem propor aos homens um projeto de liberdade e de vida. Ao
egoísmo, Ele contrapõe a doação e a partilha; ao orgulho e à autossuficiência,
Ele contrapõe o serviço simples e humilde a Deus e aos irmãos; à exclusão, Ele
propõe a tolerância e a misericórdia; à injustiça, ao ódio, à violência, Ele
contrapõe o amor sem limites; ao medo, Ele contrapõe a liberdade; à morte, Ele
contrapõe a vida.
Portanto,
os discípulos de Jesus são as testemunhas da sua proposta libertadora. Eles têm
de continuar a missão de Jesus e de assumir a mesma luta de Jesus contra os
“demônios” que roubam a vida e a liberdade, que introduzem no mundo dinâmicas
criadoras de sofrimento e de morte. Assim, ser discípulo de Jesus é percorrer o
mesmo caminho que Ele percorreu e lutar, se necessário até ao dom total da
vida, por um mundo mais humano, mais livre, mais solidário, mais justo, mais
fraterno. Os seguidores de Jesus não podem ficar de braços cruzados, a olhar
para o céu, enquanto o mundo é construído e dirigido por aqueles que propõem
uma lógica de egoísmo e de morte; mas têm a grave responsabilidade de lutar,
objetivamente, contra tudo aquilo que rouba a vida e a liberdade. Embarcar
nessa aventura é tornar-se cúmplice de Deus na construção de um mundo de homens
e mulheres livres, pois, o projeto de Deus, apresentado e oferecido a homens e
mulheres nas palavras e ações de Jesus, é verdadeiramente um projeto
transformador, capaz de renovar o mundo e de construir, desde já uma nova terra
de felicidade e de paz. É esta a Boa Nova que deve chegar a todos os homens e
mulheres da terra.
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