domingo, 28 de dezembro de 2014

Sagrada Família, nossa fé e raiz


Irmãos e irmãs,
Este Santo Domingo, propõe-nos a família de Jesus como exemplo e modelo das nossas comunidades familiares… Como a família de Jesus, as nossas famílias devem viver numa atenção constante aos desafios de Deus e às necessidades dos irmãos e irmãs.

A primeira leitura apresenta, de forma muito prática, algumas atitudes que os filhos devem ter para com os pais… A palavra que preside a este conjunto de conselhos do “sábio” Ben Sira é a palavra “honrar”. Assim, “honrar os pais” é dar-lhes o devido valor e reconhecer a sua importância; é que eles são os instrumentos de Deus, fonte de vida.
Ora, reconhecer que os pais são os instrumentos através dos quais Deus concede a vida deve conduzir os filhos à gratidão; e a gratidão não é apenas uma declaração de intenções, mas um sentimento que implica certas atitudes práticas. Portanto, “honrar os pais” significa ampará-los na velhice e não os desprezar nem abandonar; significa assisti-los materialmente – sem inventar qualquer desculpa – quando já não podem trabalhar; significa não fazer nada que os desgoste; significa escutá-los, ter em conta as suas orientações e conselhos; significa ser indulgente para com as limitações que a idade trazem…Como recompensa desta atitude de “honrar os pais”, há a promessa do perdão dos pecados, a alegria, a vida longa e a atenção de Deus.

A segunda leitura sublinha a dimensão do amor que deve brotar dos gestos dos que vivem “em Cristo” e aceitaram ser “Homem Novo” e “Nova Mulher”. Este amor deve atingir, de forma muito especial, todos os que conosco partilham o espaço familiar e deve traduzir-se em determinadas atitudes de compreensão, de bondade, de respeito, de partilha, de serviço.
Para o autor da carta, viver como “Novo (a)” é cultivar um conjunto de virtudes que resultam da união do cristão com Cristo: misericórdia, bondade, humildade, mansidão, paciência. Lugar especial ocupa o perdão das ofensas, a exemplo de Cristo que sempre manifestou uma grande capacidade de perdão. Estas virtudes, que devem ornar a vida do cristão, são exigências e manifestações da caridade, que é a fonte de onde brotam todas as virtudes do cristão. Para uns e para outros, é esta “caridade” (“agapê”) – entendida como amor de doação, de entrega, a exemplo de Jesus que amou até ao dom da vida – que deve presidir às relações entre os membros de uma família. É desta forma que, no espaço familiar, se manifesta o Homem Novo e a Nova Mulher, transformado por Cristo e que vive segundo Cristo. E viver “em Cristo” implica fazer do amor a nossa referência fundamental e deixar que ele se manifeste em gestos concretos de bondade, de perdão, de doação, de compreensão, de respeito pelo outro, de partilha, de serviço…

O Evangelho põe-nos diante da Sagrada Família de Nazaré apresentando Jesus no Templo de Jerusalém. A cena mostra uma família que escuta a Palavra de Deus, que procura concretizá-la na vida e que consagra a Deus a vida dos seus membros. Nas figuras de Ana e Simeão, Lucas propõe-nos também o exemplo de dois anciãos de olhos postos no futuro, capazes de perceber os sinais de Deus e de testemunhar a presença libertadora de Deus em nosso meio. A cena da apresentação de Jesus no Templo de Jerusalém apresenta uma catequese bem amadurecida e bem refletida, que procura dizer quem é Jesus e qual a sua missão no mundo. Antes de mais, o autor sublinha repetidamente a fidelidade da família de Jesus à Lei do Senhor, como se quisesse deixar claro que Jesus, desde o início da sua caminhada, viveu na escrupulosa fidelidade aos mandamentos e aos projetos do Pai. A missão de Jesus no mundo passa pelo cumprimento rigoroso da vontade e do projeto do Pai.
No Templo, duas personagens acolhem Jesus: Simeão e Ana. Eles representam esse Israel fiel que espera ansiosamente a sua libertação e a restauração do reinado de Deus sobre o seu Povo. De Simeão diz-se que era um homem “justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel”. As palavras e os gestos de Simeão são particularmente sugestivos… Simeão toma Jesus nos braços e apresenta-O ao mundo, definindo-O como “a salvação” que Deus que oferecer “a todos os povos”, “luz para se revelar às nações e glória de Israel”. Jesus é, assim, reconhecido pelo Israel fiel como esse Messias libertador e salvador, a quem Deus enviou, não só ao seu povo, mas a todos os povos da terra. Aqui desponta um tema muito querido a Lucas: o da universalidade da salvação de Deus… Deus não tem já um Povo eleito, mas a sua salvação é para todos os povos, independentemente da sua raça, da sua cultura, das suas fronteiras, dos seus esquemas religiosos. As palavras que Simeão dirige a Maria: “este menino foi estabelecido para que muitos caiam ou se levantem em Israel e para ser sinal de contradição; e uma espada trespassará a tua alma” aludem, provavelmente, à divisão que a proposta de Jesus provocará em Israel e ao resultado desta divisão, drama da cruz.
Ana é também uma figura do Israel pobre e sofredor: “viúva”, que se manteve fiel a Javé, que espera a salvação de Deus. Depois de reconhecer em Jesus a salvação anunciada por Deus, ela “falava do menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém”. Jesus é, assim, apresentado por Lucas como o Messias libertador, que vai conduzir o seu Povo do domínio da escravidão para o domínio da liberdade. A apresentação no Templo de um primogênito celebrava precisamente a libertação do Egito e a passagem da escravidão para a liberdade. O texto termina com uma referência ao resto da infância de Jesus e ao crescimento do menino em “sabedoria” e “graça”. Trata-se de atributos que lhe vêm do Pai e que atestam, portanto, a sua divindade.
Assim, afirma-se que Jesus é o Deus que vem ao encontro de homens e mulheres com uma missão que lhe foi confiada pelo Pai. O objetivo de Jesus é cumprir integralmente o projeto do Pai… E este projeto passa por levar-nos da escravidão para a liberdade e em apresentar a proposta de salvação de Deus a todos os povos da terra, mesmo àqueles que não pertencem tradicionalmente à comunidade do Povo de Deus.
O Evangelho de hoje revela-nos a Sagrada Família, que vive atenta aos apelos de Deus e que se empenha em cumprir cuidadosamente os preceitos do Senhor. Por quatro vezes, Lucas refere, a propósito da família de Jesus, o cumprimento da Lei de Moisés, da Lei do Senhor ou da Palavra do Senhor – o que sugere a importância que a Palavra de Deus assume na vida da família de Nazaré. Trata-se, na perspectiva de Lucas, de uma família que escuta a Palavra de Deus e que constrói a sua existência ao ritmo da Palavra de Deus e dos desafios de Deus. Maria e José perceberam que uma família que escuta a Palavra de Deus e que procura responder aos desafios postos por essa Palavra é uma família feliz, que encontra na Palavra indicações seguras acerca do caminho que deve percorrer e que se constrói sobre a rocha firme dos valores eternos. Rosto de Deus, de Cristo e da Igreja… Filhos da Aliança, do Deus da promessa e da fidelidade, José e Maria acreditam, apresentam o seu Filho ao Senhor: mistério de glória e de dor, na profecia do velho Simeão; acreditam que só na fé total e forte podem reconhecer a luz do mundo. Com Simeão, a Igreja anuncia Cristo àqueles que lhe são próximos. Com Ana, a profetisa, a Igreja anuncia a libertação aos que esperam, àqueles que estão longe; ela desperta neles o desejo de conhecer Cristo. É neste desejo que a nossa fé ganha raiz. Assim seja! Amém.


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