Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo utiliza a imagem da “vinha de Deus” para falar desse Povo que
aceita o desafio do amor de Deus e que se coloca ao serviço de Deus. Desse
Povo, Deus exige frutos de amor, de paz, de justiça, de bondade e de
misericórdia.
Na
primeira leitura, o profeta Isaías dá conta do amor e da solicitude de Deus
pela sua “vinha”. Este amor e essa solicitude não podem, no entanto, ter como
contrapartida frutos de egoísmo e de injustiça… O Povo de Javé tem de deixar-se
transformar pelo amor sempre fiel de Deus e produzir os frutos bons que Deus
aprecia, a justiça, o direito, o respeito pelos mandamentos, a fidelidade à
Aliança.
Na
segunda leitura, Paulo exorta os cristãos da cidade grega de Filipos e todos os
que fazem parte da “vinha de Deus”, a viverem na alegria e na serenidade,
respeitando o que é verdadeiro, nobre, justo e digno. São esses os frutos que
Deus espera da sua “vinha”.
As
palavras de Paulo aos filipenses definem alguns dos elementos concretos que
devem marcar a caminhada do Povo de Deus. Em primeiro lugar, Paulo convida os
que creem a não viverem inquietos e preocupados. Os cristãos estão “enxertados”
em Cristo e têm a garantia de com Ele ressuscitar para a vida definitiva. Eles
sabem que as dificuldades, os dramas, as perseguições, as incompreensões são
apenas acidentes de percurso, que não conseguirão arredá-los da vida
verdadeira.
Paulo
convida ainda o que creem a terem em conta, na sua vida, esses valores humanos
que todos (as) apreciam e amam: a verdade, a justiça, a honradez, a
amabilidade, a tolerância, a integridade… Um cristão tem de ser, antes de mais,
uma pessoa íntegra, verdadeira, leal, honesta, responsável, coerente.
No
Evangelho, Jesus retoma a imagem da “vinha”. Critica fortemente os líderes
judaicos que se apropriaram em benefício próprio da “vinha de Deus” e que se
recusaram sempre a oferecer a Deus os frutos que Lhe eram devidos. Jesus
anuncia que a “vinha” vai ser-lhes retirada e vai ser confiada a trabalhadores
que produzam e que entreguem a Deus os frutos que Ele espera.
A
parábola contada por Jesus coloca-nos no mesmo ponto de partida da parábola da
“vinha” de Isaías: um “senhor” plantou uma “vinha”, cercou-a com uma sebe,
cavou nela um lagar e levantou uma torre.
A
partir daqui, no entanto, a parábola de Jesus afasta-se um pouco da parábola de
Isaías… Na versão de Jesus, o proprietário não explorou diretamente a “vinha”,
mas confiou-a a uns “vinhateiros” que deviam dar-lhe, cada ano, uma determinada
percentagem dos frutos produzidos. No entanto, quando os “servos” do “senhor”
apareceram para recolher a parte que pertencia ao seu amo, foram maltratados e
assassinados pelos “vinhateiros”; e o próprio filho do dono da “vinha”, enviado
pelo pai para chamar os “vinhateiros” à responsabilidade e ao respeito pelos
compromissos, foi assassinado.
A
“vinha” de que Jesus aqui fala é Israel, o Povo de Deus. O dono da “vinha” é
Deus. Os “vinhateiros” são os líderes religiosos judaicos, os encarregados de
trabalhar a “vinha” e de fazer com que ela produzisse frutos. Os “servos”
enviados pelo “senhor” são, evidentemente, os profetas que os líderes da nação,
tantas vezes, perseguiram, apedrejaram e mataram. O “filho” morto “fora da
vinha” é Jesus, assassinado fora dos muros de Jerusalém.
É
um quadro de uma gravidade extrema. Os “vinhateiros” não só não entregaram ao
“senhor” os frutos que lhe deviam, mas fecharam todos os caminhos de diálogo e
recusaram todas as possibilidades de encontro e de entendimento com o “senhor”:
maltrataram e apedrejaram os servos enviados pelo “senhor” e assassinaram o
filho.
Diante
deste quadro, Jesus interpela diretamente os seus ouvintes: “quando vier o dono
da vinha, que fará àqueles vinhateiros? ”
A
comunidade cristã primitiva encontrou facilmente resposta para esta questão. Na
perspectiva dos primeiros catequistas cristãos, a resposta de Deus à recusa de
Israel foi dada em dois movimentos. Em primeiro lugar, Deus ressuscitou o
“filho” que os “vinhateiros” mataram, glorificou-o e constituiu-o “pedra angular”
de uma nova construção; em segundo lugar, Deus decidiu retirar a “vinha” das
mãos desses “vinhateiros” maus e ingratos e confiá-la a outros “vinhateiros”, a
um povo que fizesse a “vinha” produzir bons frutos e que entregasse ao “senhor”
os frutos a que ele tem direito.
Entretanto,
a Mateus não interessa tanto a questão do filho ressuscitado, exaltado e
colocado como pedra angular da nova construção, quanto a questão da entrega da
“vinha” a um outro povo. Ao sublinhar este aspecto, Mateus tem em vista uma
dupla finalidade…
Em
primeiro lugar, ele explica desta forma porque é que, na maioria das comunidades
cristãs, os judeus, os primeiros trabalhadores da “vinha” de Deus, eram uma
minoria: eles recusaram-se a oferecer frutos bons ao “senhor” da “vinha” e
recusaram sempre as tentativas do “senhor” no sentido de uma aproximação e de
um compromisso. Logicamente, o “senhor” escolheu outros “vinhateiros”. O que é
decisivo, para a escolha de Deus, não é que os novos trabalhadores da “vinha”
sejam judeus ou não judeus; o que é decisivo é que eles estejam dispostos a
oferecer ao “senhor” os frutos que lhe são devidos e a acolher o “filho” que o
“senhor” enviou ao seu encontro.
Em
segundo lugar, Mateus exorta a sua comunidade a produzir frutos verdadeiros que
agradem ao “senhor” da “vinha”. Havia passado o entusiasmo inicial e os crentes
da comunidade de Mateus instalaram-se num cristianismo fácil, sem exigência,
descomprometido, instalado. O catequista Mateus aproveita a oportunidade para
exortar os irmãos da comunidade a que despertem, a que saiam do comodismo, a
que se empenhem, a que deem frutos próprios do Reino, a que vivam com
radicalidade as propostas de Jesus.
A
parábola ainda enfatiza que trabalhadores da “vinha” de Deus que rejeitam o
“filho” de forma absoluta e radical. É provável que nenhum de nós, por um ato
de vontade consciente, se coloque numa atitude semelhante e rejeite Jesus. No
entanto, prescindir dos valores de Jesus e deixar que sejam o egoísmo, o
comodismo, o orgulho, a arrogância, o dinheiro, o poder, a fama, a condicionar
as nossas opções é, na mesma, rejeitar Jesus, colocá-l’O à margem da nossa
existência. As nossas comunidades cristãs e religiosas são constituídas por
homens e mulheres que se comprometeram com o Reino e que trabalham na “vinha”
do Senhor. Deviam, portanto, produzir frutos bons e testemunhar diante do
mundo, em gestos de amor, de acolhimento, de compreensão, de misericórdia, de
partilha, de serviço, a realidade do Reino que Jesus Cristo veio propor.
Desta
forma, o problema fundamental posto por este texto é o da coerência com que
vivemos o nosso compromisso com Deus e com o Reino. Deus não obriga ninguém a
aceitar a sua proposta de salvação e a envolver-se com o Reino; mas uma vez que
aceitamos trabalhar na sua “vinha”, temos de produzir frutos de amor, de
serviço, de doação, de justiça, de paz, de tolerância, de partilha… O nosso
Deus não está disposto a pactuar com situações dúbias, descaracterizadas, incoerentes, mentirosas; mas exige coerência, verdade e compromisso. A
parábola convida-nos, antes de mais, a não nos deixarmos cair em esquemas de
comodismo, de instalação, de facilidade, de “deixa andar”, mas a levarmos a
sério o nosso compromisso com Deus e com o Reino e a darmos frutos, de amor e
de justiça, que pomos ao serviço de Deus e dos nossos irmãos e irmãs.
A
“parábola da vinha” é uma história de amor. Fala-nos do amor de um Deus que
liberta o seu Povo da escravidão, que o conduz para a liberdade, que estabelece
com ele laços de família, que lhe oferece indicações seguras para caminhar em
direção à justiça, à harmonia, à felicidade, que o protege nos caminhos da
história… É preciso termos consciência de que esta história de amor não terminou
e que o mesmo Deus continua a derramar sobre nós, todos os dias, o seu amor, a
sua bondade e misericórdia. Quem
trata os irmãos com arrogância, quem assume atitudes duras, agressivas e
intolerantes, quem pratica a injustiça e espezinha os direitos dos mais débeis,
quem é insensível aos dramas dos irmãos, certamente ainda não fez a experiência
do amor de Deus. Assim, o encontro com o
amor de Deus tem de significar uma efetiva transformação do nosso coração e tem
de nos levar ao amor aos irmãos e irmãs, fazer parte da Vinha do Senhor. Assim seja!
Amém.
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