Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo diz-nos, de forma clara e inquestionável, que o amor está no
centro da experiência cristã. O que Deus pede, ou antes, o que Deus exige, a
cada um que crê é que deixe o seu coração ser submergido pelo amor.
A
primeira leitura garante-nos que Deus não aceita a perpetuação de situações
intoleráveis de injustiça, arbitrariedade, opressão, desrespeito pelos direitos
e pela dignidade dos mais pobres e dos mais débeis. A título de exemplo, a
leitura fala da situação dos estrangeiros, dos órfãos, das viúvas e dos pobres
vítimas da especulação dos usurários: qualquer injustiça ou arbitrariedade
praticada contra um irmão mais pobre ou mais débil é um crime grave contra
Deus, que nos afasta da comunhão com Deus e nos coloca fora da órbita da
Aliança. Assim, se Israel pretende viver em comunhão com Deus e aproximar-se do
Deus santo, tem de banir do meio da comunidade as injustiças e as
arbitrariedades cometidas sobre os mais débeis; esta é uma das condições para a
manutenção da Aliança.
Por
isso, o apelo a não explorar os pobres convida-nos a considerar a situação
daqueles que estão condenados a uma vida de trabalho
escravo, ou que têm de viver com salários de miséria, ou que são vítimas da
especulação com bens essenciais, ou que são enganados… O nosso texto diz
claramente que Deus não aceita um mundo construído deste jeito e sugere que
nós, não podemos tolerar as situações que roubam a vida e a dignidade dos
pobres.
A
segunda leitura apresenta-nos o exemplo de uma comunidade cristã, da cidade
grega de Tessalônica, que, apesar da hostilidade e da perseguição, aprendeu a
percorrer, com Cristo e com Paulo, o caminho do amor e do dom da vida; e este
percurso, cumprido na alegria e na dor, tornou-se semente de fé e de amor, que
deu frutos em outras comunidades cristãs do mundo grego. Desta experiência
comum, nasceu uma imensa família de irmãos, unida à volta do Evangelho e
espalhada por todo o mundo grego.
Muitas
vezes entendemos a fé como um acontecimento pessoal, que diz respeito apenas a
nós próprios e a Deus e que não nos compromete com os outros. Na realidade, a
fé liga-nos a uma longa cadeia que vem de Jesus até nós e que inclui uma imensa
família de irmãos espalhados pelo mundo inteiro. Nenhuma comunidade cristã é
uma ilha. É preciso que as comunidades cristãs partilhem, estabeleçam laços, se
interpelem umas às outras, se ajudem, animem-se mutuamente… É neste diálogo e partilha
que o projeto de Deus se vai tornando mais claro para todos e que podemos
discernir, com mais nitidez, os caminhos de Deus.
Assim,
Paulo considera que o dinamismo do Evangelho se cumpre na experiência da
alegria … Receber o Evangelho com alegria significa abrir-lhe o coração,
acolhê-lo, deixar que ele encontre uma terra boa onde possa frutificar e dar
fruto… a amadurecermos o nosso empenho e o nosso compromisso, a percebermos o
sentido dos valores evangélicos do dom e da entrega da vida.
O
Evangelho diz-nos, de forma clara e inquestionável, que toda a revelação de
Deus se resume no amor – amor a Deus e amor aos irmãos e irmãs. Os dois
mandamentos não podem separar-se: “amar a Deus” é cumprir a sua vontade e
estabelecer com os irmãos (as) relações de amor, solidariedade, partilha, serviço,
até ao dom total da vida. Tudo o resto é explicação, desenvolvimento, aplicação
à vida prática dessas duas coordenadas fundamentais da vida cristã.
No
Evangelho Ao perguntar a Jesus qual é o maior mandamento da Lei, os fariseus
procuram demonstrar que Jesus não sabe interpretar a Lei e que, portanto, não é
digno de crédito. É esta a questão que é posta a Jesus.
A
resposta de Jesus, no entanto, supera o horizonte estreito da pergunta e vai
muito mais além, situando-se ao nível das opções profundas que devemos fazer… O
importante, na perspectiva de Jesus, não é definir qual o mandamento mais
importante, mas encontrar a raiz de todos os mandamentos. E, na perspectiva de
Jesus, essa raiz gira à volta de duas coordenadas: o amor a Deus e o amor ao
próximo. A Lei e os Profetas são apenas comentários a estes dois mandamentos. Dizer,
portanto, que “nestes dois mandamentos se resumem a Lei e os Profetas”,
significa que eles encerram toda a revelação de Deus, que eles contêm a
totalidade da proposta de Deus para homens e mulheres.
A
originalidade deste sumário evangélico da Lei não está nas ideias de amor a
Deus e ao próximo, que são bem conhecidas do Antigo Testamento. A originalidade
deste ensinamento está, por um lado, no fato de Jesus os aproximar um do outro,
pondo-os em perfeito paralelo e, por outro, no fato de Jesus simplificar e
concentrar toda a revelação de Deus nestes dois mandamentos.
Portanto,
o compromisso religioso, que é proposto aos que creem, quer do Antigo, quer do
Novo Testamento, resume-se no amor a Deus e no amor ao próximo. Na perspectiva
de Jesus, que é que isto quer dizer?
De
acordo com os relatos evangélicos, Jesus nunca se preocupou excessivamente com
o cumprimento dos rituais litúrgicos que a religião judaica propunha, nem viveu
obcecado com o oferecimento de dons materiais a Deus. A grande preocupação de
Jesus foi, em contrapartida, discernir a vontade do Pai e a cumpri-la com
fidelidade e amor. “Amar a Deus” é pois, na perspectiva de Jesus, estar atento
aos projetos do Pai e procurar concretizar, na vida do dia a dia, os seus
planos. Ora, na vida de Jesus, o cumprimento da vontade do Pai passa por fazer
da vida uma entrega de amor aos irmãos (as), se necessário até ao dom total de
si mesmo.
Assim,
na perspectiva de Jesus, “amor a Deus” e “amor aos irmãos” estão intimamente
associados. Não são dois mandamentos diversos, mas duas faces da mesma moeda.
“Amar a Deus” é cumprir o seu projeto de amor, que se concretiza na
solidariedade, na partilha, no serviço, no dom da vida aos irmãos (as).
Como
é que deve ser esse “amor aos irmãos”? Este texto só explica que é preciso
“amar o próximo como a si mesmo”. As palavras “como a si mesmo” não significam
qualquer espécie de condicionalismo, mas que é preciso amar totalmente, de todo
o coração. Trata-se, portanto, de um amor sem limites, sem medida e que não
distingue entre bons e maus, amigos e inimigos.
Desta
forma, o Evangelho deste domingo põe as coisas de forma totalmente clara: o
essencial é o amor a Deus e o amor aos irmãos. Nisto se resume toda a revelação
de Deus e a sua proposta de vida plena e definitiva para os homens. Precisamos
de rever tudo, de forma a que o lixo acumulado não nos impeça de compreender,
de viver, de anunciar e de testemunhar o cerne da proposta de Jesus.
De
acordo com o exemplo e o testemunho de Jesus, o amor a Deus passa, antes de
mais, pela escuta da sua Palavra, pelo acolhimento das suas propostas e pela obediência
total aos seus projetos – para mim, a Igreja, a comunidade e o mundo.
E
de acordo com o exemplo e o testemunho de Jesus, o amor aos irmãos passa por
prestar atenção a cada homem ou mulher com quem me cruzo pelos caminhos da
vida, por sentir-me solidário com as alegrias e sofrimentos de cada pessoa, por
partilhar as desilusões e esperanças do meu próximo, por fazer da minha vida um
dom total a todos (as). O mundo em que vivemos precisa de redescobrir o amor, a
solidariedade, o serviço, a partilha, o dom da vida… O amor ao qual Cristo nos
convida é, efetivamente, um amor para viver! Assim seja! Amém.
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