domingo, 26 de outubro de 2014

Amor para viver: a Deus e ao próximo


Irmãos e irmãs,
Este Santo Domingo diz-nos, de forma clara e inquestionável, que o amor está no centro da experiência cristã. O que Deus pede, ou antes, o que Deus exige, a cada um que crê é que deixe o seu coração ser submergido pelo amor.

A primeira leitura garante-nos que Deus não aceita a perpetuação de situações intoleráveis de injustiça, arbitrariedade, opressão, desrespeito pelos direitos e pela dignidade dos mais pobres e dos mais débeis. A título de exemplo, a leitura fala da situação dos estrangeiros, dos órfãos, das viúvas e dos pobres vítimas da especulação dos usurários: qualquer injustiça ou arbitrariedade praticada contra um irmão mais pobre ou mais débil é um crime grave contra Deus, que nos afasta da comunhão com Deus e nos coloca fora da órbita da Aliança. Assim, se Israel pretende viver em comunhão com Deus e aproximar-se do Deus santo, tem de banir do meio da comunidade as injustiças e as arbitrariedades cometidas sobre os mais débeis; esta é uma das condições para a manutenção da Aliança.
Por isso, o apelo a não explorar os pobres convida-nos a considerar a situação daqueles que estão condenados a uma vida de trabalho escravo, ou que têm de viver com salários de miséria, ou que são vítimas da especulação com bens essenciais, ou que são enganados… O nosso texto diz claramente que Deus não aceita um mundo construído deste jeito e sugere que nós, não podemos tolerar as situações que roubam a vida e a dignidade dos pobres.

A segunda leitura apresenta-nos o exemplo de uma comunidade cristã, da cidade grega de Tessalônica, que, apesar da hostilidade e da perseguição, aprendeu a percorrer, com Cristo e com Paulo, o caminho do amor e do dom da vida; e este percurso, cumprido na alegria e na dor, tornou-se semente de fé e de amor, que deu frutos em outras comunidades cristãs do mundo grego. Desta experiência comum, nasceu uma imensa família de irmãos, unida à volta do Evangelho e espalhada por todo o mundo grego.
Muitas vezes entendemos a fé como um acontecimento pessoal, que diz respeito apenas a nós próprios e a Deus e que não nos compromete com os outros. Na realidade, a fé liga-nos a uma longa cadeia que vem de Jesus até nós e que inclui uma imensa família de irmãos espalhados pelo mundo inteiro. Nenhuma comunidade cristã é uma ilha. É preciso que as comunidades cristãs partilhem, estabeleçam laços, se interpelem umas às outras, se ajudem, animem-se mutuamente… É neste diálogo e partilha que o projeto de Deus se vai tornando mais claro para todos e que podemos discernir, com mais nitidez, os caminhos de Deus.
Assim, Paulo considera que o dinamismo do Evangelho se cumpre na experiência da alegria … Receber o Evangelho com alegria significa abrir-lhe o coração, acolhê-lo, deixar que ele encontre uma terra boa onde possa frutificar e dar fruto… a amadurecermos o nosso empenho e o nosso compromisso, a percebermos o sentido dos valores evangélicos do dom e da entrega da vida.

O Evangelho diz-nos, de forma clara e inquestionável, que toda a revelação de Deus se resume no amor – amor a Deus e amor aos irmãos e irmãs. Os dois mandamentos não podem separar-se: “amar a Deus” é cumprir a sua vontade e estabelecer com os irmãos (as) relações de amor, solidariedade, partilha, serviço, até ao dom total da vida. Tudo o resto é explicação, desenvolvimento, aplicação à vida prática dessas duas coordenadas fundamentais da vida cristã.
No Evangelho Ao perguntar a Jesus qual é o maior mandamento da Lei, os fariseus procuram demonstrar que Jesus não sabe interpretar a Lei e que, portanto, não é digno de crédito. É esta a questão que é posta a Jesus.
A resposta de Jesus, no entanto, supera o horizonte estreito da pergunta e vai muito mais além, situando-se ao nível das opções profundas que devemos fazer… O importante, na perspectiva de Jesus, não é definir qual o mandamento mais importante, mas encontrar a raiz de todos os mandamentos. E, na perspectiva de Jesus, essa raiz gira à volta de duas coordenadas: o amor a Deus e o amor ao próximo. A Lei e os Profetas são apenas comentários a estes dois mandamentos. Dizer, portanto, que “nestes dois mandamentos se resumem a Lei e os Profetas”, significa que eles encerram toda a revelação de Deus, que eles contêm a totalidade da proposta de Deus para homens e mulheres.
A originalidade deste sumário evangélico da Lei não está nas ideias de amor a Deus e ao próximo, que são bem conhecidas do Antigo Testamento. A originalidade deste ensinamento está, por um lado, no fato de Jesus os aproximar um do outro, pondo-os em perfeito paralelo e, por outro, no fato de Jesus simplificar e concentrar toda a revelação de Deus nestes dois mandamentos.
Portanto, o compromisso religioso, que é proposto aos que creem, quer do Antigo, quer do Novo Testamento, resume-se no amor a Deus e no amor ao próximo. Na perspectiva de Jesus, que é que isto quer dizer?
De acordo com os relatos evangélicos, Jesus nunca se preocupou excessivamente com o cumprimento dos rituais litúrgicos que a religião judaica propunha, nem viveu obcecado com o oferecimento de dons materiais a Deus. A grande preocupação de Jesus foi, em contrapartida, discernir a vontade do Pai e a cumpri-la com fidelidade e amor. “Amar a Deus” é pois, na perspectiva de Jesus, estar atento aos projetos do Pai e procurar concretizar, na vida do dia a dia, os seus planos. Ora, na vida de Jesus, o cumprimento da vontade do Pai passa por fazer da vida uma entrega de amor aos irmãos (as), se necessário até ao dom total de si mesmo.
Assim, na perspectiva de Jesus, “amor a Deus” e “amor aos irmãos” estão intimamente associados. Não são dois mandamentos diversos, mas duas faces da mesma moeda. “Amar a Deus” é cumprir o seu projeto de amor, que se concretiza na solidariedade, na partilha, no serviço, no dom da vida aos irmãos (as).
Como é que deve ser esse “amor aos irmãos”? Este texto só explica que é preciso “amar o próximo como a si mesmo”. As palavras “como a si mesmo” não significam qualquer espécie de condicionalismo, mas que é preciso amar totalmente, de todo o coração. Trata-se, portanto, de um amor sem limites, sem medida e que não distingue entre bons e maus, amigos e inimigos.
Desta forma, o Evangelho deste domingo põe as coisas de forma totalmente clara: o essencial é o amor a Deus e o amor aos irmãos. Nisto se resume toda a revelação de Deus e a sua proposta de vida plena e definitiva para os homens. Precisamos de rever tudo, de forma a que o lixo acumulado não nos impeça de compreender, de viver, de anunciar e de testemunhar o cerne da proposta de Jesus.
De acordo com o exemplo e o testemunho de Jesus, o amor a Deus passa, antes de mais, pela escuta da sua Palavra, pelo acolhimento das suas propostas e pela obediência total aos seus projetos – para mim, a Igreja,  a  comunidade e  o mundo.
E de acordo com o exemplo e o testemunho de Jesus, o amor aos irmãos passa por prestar atenção a cada homem ou mulher com quem me cruzo pelos caminhos da vida, por sentir-me solidário com as alegrias e sofrimentos de cada pessoa, por partilhar as desilusões e esperanças do meu próximo, por fazer da minha vida um dom total a todos (as). O mundo em que vivemos precisa de redescobrir o amor, a solidariedade, o serviço, a partilha, o dom da vida… O amor ao qual Cristo nos convida é, efetivamente, um amor para viver! Assim seja! Amém.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Palavra em mim agradece, pois seu comentário é muito importante para a nossa caminhada dialógica.
Obrigado!