Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo apresenta-nos o convite que Deus nos faz para nos sentarmos à
mesa que Ele próprio preparou, e onde nos oferece gratuitamente o alimento que
sacia a nossa fome de vida, de felicidade, de eternidade.
Na
primeira leitura, Deus convida o seu Povo a deixar a terra da escravidão e a
dirigir-se ao encontro da terra da liberdade, a Jerusalém nova da justiça, do
amor e da paz. Aí, Deus Libertador, saciará definitivamente a fome do seu Povo
e oferecer-lhe-á gratuitamente, derramando sobre o seu Povo, a vida em
abundância, a felicidade sem fim.
O
profeta representa esse quadro de salvação através da imagem de um “banquete”:
em Jerusalém, à volta da mesa de Deus, esse Povo sofredor, desolado, carente,
faminto, encontrará trigo, “vinho”, “leite” e “manjares suculentos”. Contudo, o
profeta adverte, é preciso ter a coragem de arriscar, de se desinstalar, de
partir ao encontro do sonho. A esses que estão dispostos a deixar as suas
certezas e seguranças para partir ao encontro do seu chamamento, abrindo o
coração ao seu dom, Deus oferecerá uma aliança eterna, que nada nem ninguém
poderão romper. Quem aceitar esse dom que Deus oferece encontrará a água que
mata a sua sede de vida e o alimento que sacia a sua fome de felicidade. Viverá
uma relação nova com Deus e integrará, em definitivo, a comunidade do Povo de
Deus, sendo testemunha deste Deus no meio dos nossos irmãos
A
segunda leitura é um hino ao amor de Deus pelos homens. É esse amor, do qual
nenhum poder hostil nos pode afastar, que explica porque é que Deus enviou ao
mundo o seu próprio Filho, a fim de nos convidar para o banquete da vida
eterna. “Quem nos separará do amor de
Deus” – pergunta Paulo. A verdade é que nada pode derrotar aquele que é objeto
do amor imenso e imortal de Deus, amor manifestado nesse movimento que levou
Cristo até à entrega total da vida para nos colocar na rota da salvação e da
vida plena.
Aquele
que crê tem de estar certo de que Deus o ama e que lhe reserva a vida em
plenitude, a felicidade total, a comunhão plena com Ele. Dessa forma, pode
escolher, com tranquilidade e serenidade o caminho de Jesus, caminho de dom, de
entrega da vida, de amor até às últimas consequências… E, no final do caminho,
espera-o essa vida plena de felicidade sem fim, que Deus oferece àqueles que
aceitam a sua proposta de amor e caminham nela. A Palavra de Deus grita: “não
tenhais medo; Deus ama-vos”.
O
Evangelho apresenta-nos Jesus, o novo Moisés, cuja missão é realizar a
libertação do seu Povo. No contexto de uma refeição, Jesus mostra aos seus
discípulos que é preciso acolher o pão que Deus oferece e reparti-lo com todos
os homens. É dessa forma que os membros da comunidade do Reino fugirão da
escravidão do egoísmo e alcançarão a liberdade do amor.
O
texto que nos é proposto neste domingo situa-nos no âmbito de uma refeição. O
“banquete” é o momento do encontro, da fraternidade, em que os convivas
estabelecem entre si laços de familiaridade e de comunhão. É, portanto, símbolo
desse mundo novo que há de vir e no qual todos se sentarão à mesa de Deus para
celebrar a fraternidade, a igualdade e a felicidade sem fim. Torna-se, pois, um
símbolo privilegiado deste Reino para o qual Jesus veio convidar homens e
mulheres.
Na
introdução ao episódio de hoje, Mateus anota que Jesus se retirou para o
deserto, seguido por uma “grande multidão”; e que, impressionado pela fome de
vida de toda essa gente, Se encheu “de compaixão e curou os seus doentes”.
Provavelmente,
Mateus quer sugerir, com esta referência, que Jesus é um novo Moisés, cuja
missão é libertar o seu Povo da escravidão, a fim de conduzi-lo à terra da
liberdade e da vida plena. Como é que vai fazê-lo? Conduzindo-o ao deserto…
O
deserto é, para Israel, o tempo e o espaço do encontro com Deus; Israel
aprendeu a despir-se das suas seguranças humanas, para descobrir que cada passo
em direção à liberdade, cada pedaço de pão caído do céu, cada gota de água que
brota de um rochedo, é um “milagre” que é preciso agradecer ao amor de Deus.
Tudo é um dom de Deus, que o Povo deve acolher com o coração agradecido. O
deserto é ainda o lugar e o tempo da partilha, da igualdade, em que cada membro
do Povo conta com a solidariedade do resto da comunidade, onde não há egoísmo,
injustiça, os bens pertencem a todos, e em que todos dão as mãos para superar
as dificuldades da caminhada.
É
esta experiência que Jesus vai convidar os discípulos a fazer. Vai
ensinar-lhes, com uma lição concreta, que tudo é um dom que deve ser agradecido
ao amor de Deus; e vai ensinar-lhes também que os dons de Deus são para ser partilhados,
colocados ao serviço dos irmãos. É deste processo libertador, que conduz do
egoísmo ao amor, que vai nascer a comunidade do Reino.
A
história da multiplicação dos pães apresenta todas as características de uma
lição, destinada a demonstrar como é que deve viver quem quer aderir ao Reino.
O
primeiro momento desse processo pedagógico destinado a formar os membros do
Reino tem a ver com a constatação da fome do mundo e com a responsabilização da
comunidade do Reino nesse problema… Quando os discípulos Lhe pedem que mande a
multidão embora, para que ela encontre comida, lavando as mãos face à situação
de necessidade em que a multidão está, Jesus pede-lhes: “dai-lhes vós de comer”.
Ensina-lhes, dessa forma, que têm uma responsabilidade inalienável face a esse
desafio que o mundo dos pobres todos os dias grita… Depois disto, nunca um
discípulo de Jesus poderá dizer que não tem nada a ver com a fome, com a
miséria, com as necessidades dos mais desfavorecidos. Qualquer irmão necessitado,
de pão, de alegria, de apoio, de esperança, é da responsabilidade dos
discípulos de Jesus. A dinâmica do Reino passa pela solidariedade que torna
todos os cristãos responsáveis pelas necessidades dos pobres.
No
segundo momento deste processo pedagógico, Jesus ensina como dar resposta a
este desafio. Começa por pedir aos discípulos que façam a listagem dos bens
disponíveis; depois, toma os “cinco pães e dois peixes”, recita a bênção e
manda repartir por todos os presentes… E todos comeram até ficarem saciados.
A
lição é clara: diante do apelo dos pobres, a comunidade do Reino tem de
aprender a partilhar. “Cinco pães e dois peixes” significam totalidade - “sete”
- é na partilha da totalidade do que se tem que se responde à carência dos
irmãos. É uma totalidade fracionada e diversificada mas que, posta ao serviço
dos irmãos, sacia a fome do mundo. A comunidade do Reino é, portanto, não só
uma comunidade que se sente responsável pela fome dos irmãos, mas também uma
comunidade de coração aberto, disposta a repartir tudo o que tem… É uma
comunidade que venceu a escravidão do egoísmo, para fazer a experiência da
partilha que sacia e que torna todos irmãos.
No
terceiro momento deste processo pedagógico, Jesus dá a razão para a partilha.
“Tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao céu e recitou a
bênção”. A “bênção” é uma fórmula de ação de graças, na qual se agradece a Deus
pelos seus dons. Isso significa, em concreto, reconhecer que algo que se possui
é um dom recebido de Deus… Portanto, “pronunciar a bênção” é reconhecer que
determinado dom veio de Deus e que pertence a todos os filhos de Deus. Aquele
que recebeu esse dom não é o seu dono; mas é apenas um administrador a quem
Deus confiou determinado dom, para que o pusesse ao serviço dos irmãos com a
mesma gratuidade com que o recebeu. À comunidade do Reino é proposto que
aprenda a considerar os bens postos à sua disposição como dons de Deus Pai,
colocando-os livremente ao serviço de todos. Criando a comunidade do Reino, isto
é, uma comunidade de pessoas novas, que reconhecem que tudo o que têm é um dom
de Deus, destinado a ser partilhado com os outros irmãos.
Há
um convite a refletirmos sobre a preocupação de Deus em oferecer a todos, a
vida em abundância. Ele convida todos para o “banquete” do Reino… Aos que vivem
à margem da vida e da história, aos que têm fome de amor e de justiça ... aos
que não têm pão na mesa nem paz no coração, Deus diz: “quero oferecer-te essa
plenitude de vida que os homens teus irmãos te negam. Tu também estás convidado
para a mesa do Reino”.
Ao
mesmo tempo, é preciso criarmos a consciência de que os bens criados por Deus
pertencem a todos e não a um grupo restrito de privilegiados. Sejam quais forem
as formas de propriedade, conforme as legítimas instituições dos povos e
segundo as diferentes e mutáveis circunstâncias, deve-se sempre atender a este
destino universal dos bens. Por esta razão, quem usa desses bens temporais, não
deve considerar as coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias,
mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si, mas
também os outros. Os bens que Deus
colocou à disposição dos seus não podem ser tomados por alguns; pertencem a
todos e devem ser postos a serviço de todos, está é a lógica da partilha.
Portanto, é preciso quebrar a lógica do capitalismo, a lógica egoísta do lucro,
mesmo quando ela reparte alguns trocos pelos miseráveis para aliviar a
consciência dos exploradores, e substitui-la pela lógica do dom, da partilha,
do amor. Sem isto, nenhuma mudança social criará, de verdade, um mundo mais
justo e mais fraterno.
A
narração que hoje nos é proposta tem um inegável contexto eucarístico, as
palavras “ergueu os olhos ao céu e recitou a bênção, partiu os pães e deu-os
aos discípulos” levam-nos à fórmula que usamos sempre que celebramos a
Eucaristia. Na verdade, sentar-se à mesa com Jesus e receber o pão que Ele
oferece; Eucaristia é comprometer-se com a dinâmica do Reino e é assumir a
lógica da partilha, do amor, do serviço. Celebrar a Eucaristia obriga-nos a
lutar contra as desigualdades, os sistemas de exploração, os esquemas de
açambarcamento dos bens, os esbanjamentos, a procura de bens supérfluos… Quando
celebramos a Eucaristia e nos comprometemos com uma lógica de partilha e de
dom, estamos a tornar Jesus presente no mundo e a fazer com que o Reino seja
uma realidade viva na história de homens e mulheres do nosso tempo. Assim seja!
Amém.
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