Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo tem como tema fundamental a revelação de Deus. Fala-nos de um
Deus que percorre, de braço dado com homens e mulheres, os caminhos da
história.
A
primeira leitura convida os que creem a regressarem às origens da sua fé e do
seu compromisso, a fazerem uma peregrinação ao encontro do Deus da comunhão e
da Aliança; e garante que aquele que crê não encontra esse Deus nas
manifestações espetaculares, mas na humildade, na simplicidade, na
interioridade.
Deus
revelou-Se a Elias na “brisa ligeira”. Diante da manifestação de Deus, Elias
cumpriu o ritual adequado: “cobriu o rosto com o manto”, já que o homem não
pode contemplar face a face o mistério de Deus. Assim, o encontro com este Deus
que Se manifesta no silêncio, na intimidade, simplicidade, humildade, interioridade
do coração, que leva à ação. Portanto, o encontro com Deus conduz-nos sempre a
um empenho concreto e compromisso com o mundo.
Com
Elias, Israel é convidado a voltar aos inícios, a redescobrir as suas raízes de
Povo de Deus, a reencontrar o rosto de Javé, renovar a sua Aliança com Ele, escutar
a voz de Deus que ecoa no coração de cada membro da comunidade, a aceitar dar
testemunho de Deus e dos seus projetos no meio do mundo.
A
segunda leitura sugere que este Deus, apostado em vir ao encontro de homens e
mulheres, em revelar-lhes o seu rosto de amor e de bondade, tem uma proposta de
salvação que oferece a todos. Convida-nos a estarmos atentos às manifestações
desse Deus e a não perdermos as oportunidades de salvação que Ele nos oferece.
Israel,
apesar de todas as manifestações da bondade e do amor de Deus que conheceu ao
longo da sua caminhada pela história, acabou por se instalar numa autossuficiência
que não lhe permitiu acompanhar o ritmo de Deus, nem descobrir os novos desafios
que o projeto da salvação de Deus faz, em cada fase, aos homens. O exemplo de
Israel faz-nos pensar no nosso compromisso com Deus… Em primeiro lugar,
mostra-nos a importância de não nos instalarmos num esquema de vivência
medíocre da fé e sugere que o “sim” a Deus do dia do nosso batismo precisa de
ser renovado em cada dia da nossa vida… Em segundo lugar, sugere que o cristão
não pode instalar-se nas suas certezas e autossuficiências, mas tem de estar
atento aos desafios, sempre renovados, de Deus… Em terceiro lugar, sugere que o
ter o nome inscrito no livro de registos da nossa paróquia não é um certificado
de garantia de salvação, a salvação passa sempre pela adesão sempre renovada
aos dons de Deus.
O
Evangelho apresenta-nos uma reflexão sobre a caminhada histórica dos
discípulos, enviados à “outra margem” a propor a homens e mulheres o banquete
do Reino. Nesta “viagem”, a comunidade do Reino não está sozinha, à mercê das
forças da morte: em Jesus, o Deus do amor e da comunhão vem ao encontro dos
discípulos, estende-lhes a mão, dá-lhes a força para vencer a adversidade, a
desilusão, a hostilidade do mundo. Os discípulos são convidados a
reconhecê-l’O, a acolhê-l’O e a aceitá-l’O como “o Senhor”.
Depois
de despedir a multidão e de pedir aos discípulos a embarcar para a outra
margem, Jesus “subiu a um monte para orar, a sós”. Mateus só se refere à oração
de Jesus por duas vezes: aqui e no episódio do Getsemani: em ambos os casos, a
oração precede um momento de prova para os discípulos.
Enquanto
Jesus está em diálogo com o Pai, os discípulos estão sozinhos, em viagem pelo
lago. Essa viagem, no entanto, não é fácil nem serena… É de noite; o barco é
açoitado pelas ondas e navega dificilmente, com vento contrário. Os discípulos
estão inquietos e preocupados, pois, Jesus não está com eles…
O
quadro refere-se, certamente, à situação da comunidade a que Mateus destina o
seu Evangelho, e que não será muito diferente da situação de qualquer
comunidade cristã, em qualquer tempo e lugar. A “noite” representa as trevas, a
escuridão, a confusão, a insegurança em que tantas vezes “navegam” através da
história os discípulos de Jesus, sem saberem exatamente que caminhos percorrer
nem para onde ir… As “ondas” que açoitam o barco representam a hostilidade do
mundo, que bate continuamente contra o barco em que viajam os discípulos… Os
“ventos contrários” representam a oposição, a resistência do mundo ao projeto
de Jesus – esse projeto que os discípulos testemunham… Quantas vezes, na sua
viagem pela história, os discípulos de Jesus se sentem perdidos, sozinhos,
abandonados, desanimados, desiludidos, incapazes de enfrentar as tempestades
que as forças da morte e da opressão - o “mar” - lançam contra eles…
É
precisamente neste instante, que Jesus manifesta a sua presença. Ele vai ao
encontro dos discípulos “caminhando sobre o mar”. No contexto da catequese
judaica, só Deus “caminha sobre o mar”; só Ele faz “tremer as águas e agitarem-se
os abismos”; só Ele acalma as ondas e as tempestades. Jesus é, portanto, o Deus
que vela pelo seu Povo e que não deixa que as forças da morte - o “mar” - o destruam. A expressão “sou Eu” reproduz a
fórmula de identificação com que Deus se apresenta no Antigo Testamento; e a
exortação “tende confiança, não temais” transmite aos discípulos a certeza de
que nada têm a temer porque Jesus, o Deus que vence as forças da morte e da
opressão acompanha a par e passo a sua caminhada histórica e dá-lhes a força
para vencer a adversidade, a solidão e a hostilidade do mundo.
Depois,
Mateus narra uma cena exclusiva, que não é apresentada por nenhum outro
evangelista: a do diálogo entre Pedro e Jesus. Tudo começa com o pedido de
Pedro: “se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas”. Pedro sai do
barco e vai, de fato, ao encontro de Jesus; mas, assustando-se com a violência
do vento, começa a afundar-se e pede a Jesus que o salve. Assim acontece,
embora Jesus censure a sua pouca fé e as suas dúvidas.
Pedro
é, aqui, o porta-voz e o representante dessa comunidade dos discípulos que vai
no barco - a Igreja. O episódio reflete a fragilidade da fé dos discípulos,
sempre que têm de enfrentar as forças da opressão, do egoísmo, da injustiça.
Jesus comunicou aos seus o poder de vencerem todos os poderes deste mundo que
se opõem à vida, à libertação, à realização, à felicidade de homens e mulheres.
No entanto, enquanto enfrentam as ondas do mundo hostil e os ventos soprados
pelas forças da morte, os discípulos debatem-se entre a confiança em Jesus e o
medo. Mateus refere-se, desta forma, à experiência de muitos discípulos - da
sua comunidade e das comunidades cristãs de todos os tempos e lugares - que
seguem a Jesus de forma decidida, mas que se deixam abalar quando chegam as
perseguições, os sofrimentos, as dificuldades… Então, começam a afundar-se e a
ser submergidos pelo “mar” da morte, da frustração, do desânimo, da desilusão…
No entanto, Jesus lá está para lhes estender a mão e para os sustentar.
Finalmente,
a desconfiança dos discípulos transforma-se em fé firme: “Tu és verdadeiramente
o Filho de Deus”. É para aqui que converge todo o relato. Esta confissão reflete
a fé dos verdadeiros discípulos, que veem em Jesus o Deus que vence o “mar”, o
Senhor da vida e da história que acompanha a caminhada dos seus, que lhes dá a
força para vencer as forças da opressão e da morte, que lhes estende a mão
quando eles estão desanimados e com medo e que não os deixa afundar. Desta
forma, A oração de Jesus - que em Mateus antecede os momentos de prova - convida-nos a manter um diálogo íntimo com o
Pai. É nesse diálogo que os discípulos colherão o discernimento para perceberem
os caminhos de Deus, a força para seguir Jesus, a coragem para enfrentar a
hostilidade do mundo, sentir a sua presença no meio da comunidade reunida,
experimentar a sua ajuda nos momentos difíceis da caminhada. É esta mesma
experiência que Mateus nos convida também a fazer. Assim, para que seja
possível viver de forma coerente e corajosa na dinâmica do Reino, os discípulos
têm de estar conscientes da presença de Jesus, o Senhor da vida e da história.
Assim seja! Amém.
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