domingo, 10 de agosto de 2014

Jesus, Senhor da Vida e da História


Irmãos e irmãs,
Este Santo Domingo tem como tema fundamental a revelação de Deus. Fala-nos de um Deus que percorre, de braço dado com homens e mulheres, os caminhos da história.

A primeira leitura convida os que creem a regressarem às origens da sua fé e do seu compromisso, a fazerem uma peregrinação ao encontro do Deus da comunhão e da Aliança; e garante que aquele que crê não encontra esse Deus nas manifestações espetaculares, mas na humildade, na simplicidade, na interioridade.
Deus revelou-Se a Elias na “brisa ligeira”. Diante da manifestação de Deus, Elias cumpriu o ritual adequado: “cobriu o rosto com o manto”, já que o homem não pode contemplar face a face o mistério de Deus. Assim, o encontro com este Deus que Se manifesta no silêncio, na intimidade, simplicidade, humildade, interioridade do coração, que leva à ação. Portanto, o encontro com Deus conduz-nos sempre a um empenho concreto e compromisso com o mundo.
Com Elias, Israel é convidado a voltar aos inícios, a redescobrir as suas raízes de Povo de Deus, a reencontrar o rosto de Javé, renovar a sua Aliança com Ele, escutar a voz de Deus que ecoa no coração de cada membro da comunidade, a aceitar dar testemunho de Deus e dos seus projetos no meio do mundo.

A segunda leitura sugere que este Deus, apostado em vir ao encontro de homens e mulheres, em revelar-lhes o seu rosto de amor e de bondade, tem uma proposta de salvação que oferece a todos. Convida-nos a estarmos atentos às manifestações desse Deus e a não perdermos as oportunidades de salvação que Ele nos oferece.
Israel, apesar de todas as manifestações da bondade e do amor de Deus que conheceu ao longo da sua caminhada pela história, acabou por se instalar numa autossuficiência que não lhe permitiu acompanhar o ritmo de Deus, nem descobrir os novos desafios que o projeto da salvação de Deus faz, em cada fase, aos homens. O exemplo de Israel faz-nos pensar no nosso compromisso com Deus… Em primeiro lugar, mostra-nos a importância de não nos instalarmos num esquema de vivência medíocre da fé e sugere que o “sim” a Deus do dia do nosso batismo precisa de ser renovado em cada dia da nossa vida… Em segundo lugar, sugere que o cristão não pode instalar-se nas suas certezas e autossuficiências, mas tem de estar atento aos desafios, sempre renovados, de Deus… Em terceiro lugar, sugere que o ter o nome inscrito no livro de registos da nossa paróquia não é um certificado de garantia de salvação, a salvação passa sempre pela adesão sempre renovada aos dons de Deus.

O Evangelho apresenta-nos uma reflexão sobre a caminhada histórica dos discípulos, enviados à “outra margem” a propor a homens e mulheres o banquete do Reino. Nesta “viagem”, a comunidade do Reino não está sozinha, à mercê das forças da morte: em Jesus, o Deus do amor e da comunhão vem ao encontro dos discípulos, estende-lhes a mão, dá-lhes a força para vencer a adversidade, a desilusão, a hostilidade do mundo. Os discípulos são convidados a reconhecê-l’O, a acolhê-l’O e a aceitá-l’O como “o Senhor”.
Depois de despedir a multidão e de pedir aos discípulos a embarcar para a outra margem, Jesus “subiu a um monte para orar, a sós”. Mateus só se refere à oração de Jesus por duas vezes: aqui e no episódio do Getsemani: em ambos os casos, a oração precede um momento de prova para os discípulos.
Enquanto Jesus está em diálogo com o Pai, os discípulos estão sozinhos, em viagem pelo lago. Essa viagem, no entanto, não é fácil nem serena… É de noite; o barco é açoitado pelas ondas e navega dificilmente, com vento contrário. Os discípulos estão inquietos e preocupados, pois, Jesus não está com eles…
O quadro refere-se, certamente, à situação da comunidade a que Mateus destina o seu Evangelho, e que não será muito diferente da situação de qualquer comunidade cristã, em qualquer tempo e lugar. A “noite” representa as trevas, a escuridão, a confusão, a insegurança em que tantas vezes “navegam” através da história os discípulos de Jesus, sem saberem exatamente que caminhos percorrer nem para onde ir… As “ondas” que açoitam o barco representam a hostilidade do mundo, que bate continuamente contra o barco em que viajam os discípulos… Os “ventos contrários” representam a oposição, a resistência do mundo ao projeto de Jesus – esse projeto que os discípulos testemunham… Quantas vezes, na sua viagem pela história, os discípulos de Jesus se sentem perdidos, sozinhos, abandonados, desanimados, desiludidos, incapazes de enfrentar as tempestades que as forças da morte e da opressão - o “mar” -  lançam contra eles…
É precisamente neste instante, que Jesus manifesta a sua presença. Ele vai ao encontro dos discípulos “caminhando sobre o mar”. No contexto da catequese judaica, só Deus “caminha sobre o mar”; só Ele faz “tremer as águas e agitarem-se os abismos”; só Ele acalma as ondas e as tempestades. Jesus é, portanto, o Deus que vela pelo seu Povo e que não deixa que as forças da morte - o “mar” -  o destruam. A expressão “sou Eu” reproduz a fórmula de identificação com que Deus se apresenta no Antigo Testamento; e a exortação “tende confiança, não temais” transmite aos discípulos a certeza de que nada têm a temer porque Jesus, o Deus que vence as forças da morte e da opressão acompanha a par e passo a sua caminhada histórica e dá-lhes a força para vencer a adversidade, a solidão e a hostilidade do mundo.
Depois, Mateus narra uma cena exclusiva, que não é apresentada por nenhum outro evangelista: a do diálogo entre Pedro e Jesus. Tudo começa com o pedido de Pedro: “se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas”. Pedro sai do barco e vai, de fato, ao encontro de Jesus; mas, assustando-se com a violência do vento, começa a afundar-se e pede a Jesus que o salve. Assim acontece, embora Jesus censure a sua pouca fé e as suas dúvidas.
Pedro é, aqui, o porta-voz e o representante dessa comunidade dos discípulos que vai no barco - a Igreja. O episódio reflete a fragilidade da fé dos discípulos, sempre que têm de enfrentar as forças da opressão, do egoísmo, da injustiça. Jesus comunicou aos seus o poder de vencerem todos os poderes deste mundo que se opõem à vida, à libertação, à realização, à felicidade de homens e mulheres. No entanto, enquanto enfrentam as ondas do mundo hostil e os ventos soprados pelas forças da morte, os discípulos debatem-se entre a confiança em Jesus e o medo. Mateus refere-se, desta forma, à experiência de muitos discípulos - da sua comunidade e das comunidades cristãs de todos os tempos e lugares - que seguem a Jesus de forma decidida, mas que se deixam abalar quando chegam as perseguições, os sofrimentos, as dificuldades… Então, começam a afundar-se e a ser submergidos pelo “mar” da morte, da frustração, do desânimo, da desilusão… No entanto, Jesus lá está para lhes estender a mão e para os sustentar.
Finalmente, a desconfiança dos discípulos transforma-se em fé firme: “Tu és verdadeiramente o Filho de Deus”. É para aqui que converge todo o relato. Esta confissão reflete a fé dos verdadeiros discípulos, que veem em Jesus o Deus que vence o “mar”, o Senhor da vida e da história que acompanha a caminhada dos seus, que lhes dá a força para vencer as forças da opressão e da morte, que lhes estende a mão quando eles estão desanimados e com medo e que não os deixa afundar. Desta forma, A oração de Jesus - que em Mateus antecede os momentos de prova -  convida-nos a manter um diálogo íntimo com o Pai. É nesse diálogo que os discípulos colherão o discernimento para perceberem os caminhos de Deus, a força para seguir Jesus, a coragem para enfrentar a hostilidade do mundo, sentir a sua presença no meio da comunidade reunida, experimentar a sua ajuda nos momentos difíceis da caminhada. É esta mesma experiência que Mateus nos convida também a fazer. Assim, para que seja possível viver de forma coerente e corajosa na dinâmica do Reino, os discípulos têm de estar conscientes da presença de Jesus, o Senhor da vida e da história. Assim seja! Amém.


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