Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo, está repleto do Espírito Santo. Dom de Deus a todos os crentes,
o Espírito dá vida, renova, transforma, constrói comunidade e faz nascer o Novo
Homem e a Nova Mulher.
Na
primeira leitura, Lucas sugere que o Espírito é a lei nova que orienta a
caminhada dos que creem. É Ele que cria a nova comunidade do Povo de Deus, que
faz com que sejamos capazes de ultrapassar as suas diferenças e comunicar, que
une numa mesma comunidade de amor, povos de todas as raças e culturas.
Lucas
coloca a experiência do Espírito no dia de Pentecostes. O Pentecostes era uma
festa judaica, celebrada cinquenta dias após a Páscoa. Originariamente, era uma
festa agrícola, na qual se agradecia a Deus a colheita da cevada e do trigo;
mas, tornou-se a festa histórica que celebrava a aliança, o dom da Lei no Sinai
e a constituição do Povo de Deus. Ao situar neste dia o dom do Espírito, Lucas
sugere que o Espírito é a lei da nova aliança, pois, é Ele que, no tempo da
Igreja, dinamiza a vida dos que creem e que, por Ele, se constitui a nova
comunidade do Povo de Deus, a comunidade messiânica, que viverá da lei
inscrita, pelo Espírito, no coração de cada discípulo.
O
Espírito é apresentado como “a força de Deus”, através de dois símbolos: o
vento de tempestade e o fogo. São os símbolos da revelação de Deus no Sinai,
quando Deus deu ao Povo a Lei e constituiu Israel como Povo de Deus. Estes
símbolos evocam a força irresistível de Deus, que vem ao nosso encontro,
comunica-nos e nos dá o teu Espírito, constitui a comunidade de Deus.
O
Pentecostes dos “Atos” é, podemos dizê-lo, a página programática da Igreja e
anuncia aquilo que será o resultado da ação das “testemunhas” de Jesus: a
humanidade nova, a anti-Babel, nascida da ação do Espírito, onde todos serão
capazes de comunicar e de se relacionar como irmãos, porque o Espírito reside
no coração de todos como lei suprema, como fonte de amor e de liberdade.
Na
segunda leitura, Paulo avisa que o Espírito é a fonte de onde brota a vida da
comunidade cristã. É Ele que concede os dons que enriquecem a comunidade e que
fomenta a unidade de todos os membros; por isso, esses dons não podem ser
usados para benefício pessoal, mas devem ser postos ao serviço de todos.
Segundo
Paulo, o verdadeiro “carisma” é o que leva a confessar que “Jesus é o Senhor”, pois,
não pode haver oposição entre Cristo e o Espírito e que é útil para o bem da
comunidade. Assim, é preciso que os membros da comunidade tenham consciência de
que, apesar da diversidade de dons espirituais, é o mesmo Espírito que atua em
todos; que apesar da diversidade de funções, é o mesmo Senhor Jesus que está
presente em todos; que apesar da diversidade de ações, é o mesmo Deus que age
em todos. Não há, portanto, “cristãos de primeira” e “cristãos de segunda”. O
que é importante é que os dons do Espírito resultem no bem de todos e sejam
usados, não para melhorar a própria posição ou o próprio “ego”, mas para o bem
de toda a comunidade.
Paulo
conclui o seu raciocínio comparando a comunidade cristã a um “corpo” com muitos
membros. Apesar da diversidade de membros e de funções, o “corpo” é um só. Em
todos os membros circula a mesma vida, pois todos foram batizados num só
Espírito e “beberam” um único Espírito. O Espírito é, pois, apresentado como
Aquele que alimenta e que dá vida ao “corpo de Cristo”; dessa forma, Ele
fomenta a coesão, dinamiza a fraternidade e é o responsável pela unidade desses
diversos membros que formam a comunidade. É
preciso ter consciência da presença do Espírito: é Ele que alimenta, que dá
vida, que anima, que distribui os dons conforme as necessidades; é Ele que
conduz as comunidades na sua marcha pela história.
O
Evangelho apresenta-nos a comunidade cristã, reunida à volta de Jesus ressuscitado.
Para João, esta comunidade passa a ser uma comunidade viva, recriada, nova, a
partir do dom do Espírito. É o Espírito que permite aos crentes superar o medo
e as limitações e dar testemunho no mundo desse amor que Jesus viveu até às
últimas consequências.
Nos
“Atos”, Lucas narra a descida do Espírito sobre os discípulos no dia do
Pentecostes, cinquenta dias após a Páscoa, sem dúvida por razões teológicas e
para fazer coincidir a descida do Espírito com a festa judaica do Pentecostes,
a festa do dom da Lei e da constituição do Povo de Deus; mas João situa no
anoitecer do dia de Páscoa a recepção do Espírito pelos discípulos.
João
começa por pôr em relevo a situação da comunidade. O “anoitecer”, as “portas fechadas”,
o “medo”, são o quadro que reproduz a situação de uma comunidade desamparada no
meio de um ambiente hostil e, portanto, desorientada e insegura. É uma
comunidade que perdeu as suas referências e a sua identidade e que não sabe,
agora, a que se agarrar.
Entretanto,
Jesus aparece “no meio deles”. João indica desta forma que os discípulos,
fazendo a experiência do encontro com Jesus ressuscitado, redescobriram o seu
centro, o seu ponto de referência, a coordenada fundamental à volta do qual a
comunidade se constrói e toma consciência da sua identidade. A comunidade
cristã só existe de forma consistente se está centrada em Jesus ressuscitado.
Jesus
começa por saudá-los, desejando-lhes “a paz”. A “paz” é um dom messiânico; mas,
neste contexto, significa, sobretudo, a transmissão da serenidade, da
tranquilidade, da confiança que permitirão aos discípulos superar o medo e a
insegurança: a partir de agora, nem o sofrimento, nem a morte, nem a
hostilidade do mundo poderão derrotar os discípulos, porque Jesus ressuscitado
está “no meio deles”.
Em
seguida, Jesus “mostrou-lhes as mãos e o lado”. São os “sinais” que evocam a
entrega de Jesus, o amor total expresso na cruz. É nesses “sinais”, na entrega
da vida, no amor oferecido até à última gota de sangue, que os discípulos
reconhecem Jesus. O fato desses “sinais” permanecerem no ressuscitado, indica
que Jesus será, de forma permanente, o Messias cujo amor se derramará sobre os
discípulos e cuja entrega alimentará a comunidade.
Vem,
depois, a comunicação do Espírito. O gesto de Jesus de soprar sobre os
discípulos reproduz o gesto de Deus ao comunicar a vida ao homem. Com o “sopro”
de Deus, o homem tornou-se um “ser vivente”; com este “sopro”, Jesus transmite
aos discípulos a vida nova e faz nascer o “Homem Novo”, a Nova Mulher. Agora,
os discípulos possuem a vida em plenitude e estão capacitados, como Jesus, para
fazerem da sua vida um dom de amor. Animados pelo Espírito, eles formam a
comunidade da nova aliança e são chamados a testemunhar, com gestos e com
palavras, o amor de Jesus.
Finalmente,
Jesus explicita qual a missão dos discípulos: a eliminação do pecado. As
palavras de Jesus não significam que os discípulos possam ou não, conforme os
seus interesses ou a sua disposição, perdoar os pecados. Significam, apenas,
que os discípulos são chamados a testemunhar no mundo essa vida que o Pai quer
oferecer a todos. Quem aceitar essa proposta será integrado na comunidade de
Jesus; quem não a aceitar, continuará a percorrer caminhos de egoísmo e de
morte, isto é, de pecado. A comunidade, animada pelo Espírito, será a mediadora
desta oferta de salvação.
A
comunidade cristã só existe de forma consistente, se está centrada em Jesus.
Jesus é a sua identidade e a sua razão de ser. É n’Ele que superamos os nossos
medos, as nossas incertezas, as nossas limitações, para partirmos à aventura de
testemunhar a vida nova do “Homem Novo”. Portanto, identificar-se como cristão
significa dar testemunho diante do mundo dos “sinais” que definem Jesus: a vida
dada, o amor partilhado.
As
comunidades construídas à volta de Jesus são animadas pelo Espírito. O Espírito
é esse sopro de vida que transforma o barro inerte numa imagem de Deus, que
transforma o egoísmo em amor partilhado, que transforma o orgulho em serviço
simples e humilde… É Ele que nos faz vencer os medos, superar as cobardias e
fracassos, derrotar o ceticismo e a desilusão, reencontrar a orientação,
readquirir a audácia profética, testemunhar o amor, sonhar com um mundo novo. É
preciso ter consciência da presença contínua do Espírito em nós e nas nossas
comunidades e estar atentos aos seus apelos, às suas indicações, aos seus
questionamentos.
A
Igreja é uma comunidade de irmãos reunidos por causa de Jesus, animada pelo
Espírito do Senhor ressuscitado e que testemunha na história o projeto libertador
de Jesus. Desse testemunho resulta a comunidade universal da salvação, que vive
no amor e na partilha, apesar das diferenças culturais e étnicas. Nunca será
demais realçar o papel do Espírito na tomada de consciência da identidade e da
missão da Igreja… Antes do Pentecostes, tínhamos apenas um grupo fechado dentro
de quatro paredes, incapaz de superar o medo e de arriscar, sem a iniciativa
nem a coragem do testemunho; depois do Pentecostes, temos uma comunidade unida,
que ultrapassa as suas limitações humanas e se assume como comunidade de amor e
de liberdade; regressa-se à unidade, à relação, à construção de uma comunidade
capaz do diálogo, do entendimento, da comunicação. É o surgimento de uma
humanidade unida, não pela força, mas pela partilha da mesma experiência
interior, fonte de liberdade, de comunhão, de amor. A comunidade messiânica é a
comunidade onde a ação de Deus, pelo Espírito, modifica profundamente as
relações humanas, levando à partilha, à relação, ao amor.
O
Pentecostes é a irrupção do Espírito Santo na vida dos discípulos que vão
deixar-se transformar em todas as dimensões do seu ser, é o sopro da
ressurreição. Assim, o Pentecostes continua! Assim seja! Amém.
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