domingo, 8 de junho de 2014

O Pentecostes continua


Irmãos e irmãs,
Este Santo Domingo, está repleto do Espírito Santo. Dom de Deus a todos os crentes, o Espírito dá vida, renova, transforma, constrói comunidade e faz nascer o Novo Homem e a Nova Mulher.

Na primeira leitura, Lucas sugere que o Espírito é a lei nova que orienta a caminhada dos que creem. É Ele que cria a nova comunidade do Povo de Deus, que faz com que sejamos capazes de ultrapassar as suas diferenças e comunicar, que une numa mesma comunidade de amor, povos de todas as raças e culturas.
Lucas coloca a experiência do Espírito no dia de Pentecostes. O Pentecostes era uma festa judaica, celebrada cinquenta dias após a Páscoa. Originariamente, era uma festa agrícola, na qual se agradecia a Deus a colheita da cevada e do trigo; mas, tornou-se a festa histórica que celebrava a aliança, o dom da Lei no Sinai e a constituição do Povo de Deus. Ao situar neste dia o dom do Espírito, Lucas sugere que o Espírito é a lei da nova aliança, pois, é Ele que, no tempo da Igreja, dinamiza a vida dos que creem e que, por Ele, se constitui a nova comunidade do Povo de Deus, a comunidade messiânica, que viverá da lei inscrita, pelo Espírito, no coração de cada discípulo.
O Espírito é apresentado como “a força de Deus”, através de dois símbolos: o vento de tempestade e o fogo. São os símbolos da revelação de Deus no Sinai, quando Deus deu ao Povo a Lei e constituiu Israel como Povo de Deus. Estes símbolos evocam a força irresistível de Deus, que vem ao nosso encontro, comunica-nos e nos dá o teu Espírito, constitui a comunidade de Deus.
O Pentecostes dos “Atos” é, podemos dizê-lo, a página programática da Igreja e anuncia aquilo que será o resultado da ação das “testemunhas” de Jesus: a humanidade nova, a anti-Babel, nascida da ação do Espírito, onde todos serão capazes de comunicar e de se relacionar como irmãos, porque o Espírito reside no coração de todos como lei suprema, como fonte de amor e de liberdade.

Na segunda leitura, Paulo avisa que o Espírito é a fonte de onde brota a vida da comunidade cristã. É Ele que concede os dons que enriquecem a comunidade e que fomenta a unidade de todos os membros; por isso, esses dons não podem ser usados para benefício pessoal, mas devem ser postos ao serviço de todos.
Segundo Paulo, o verdadeiro “carisma” é o que leva a confessar que “Jesus é o Senhor”, pois, não pode haver oposição entre Cristo e o Espírito e que é útil para o bem da comunidade. Assim, é preciso que os membros da comunidade tenham consciência de que, apesar da diversidade de dons espirituais, é o mesmo Espírito que atua em todos; que apesar da diversidade de funções, é o mesmo Senhor Jesus que está presente em todos; que apesar da diversidade de ações, é o mesmo Deus que age em todos. Não há, portanto, “cristãos de primeira” e “cristãos de segunda”. O que é importante é que os dons do Espírito resultem no bem de todos e sejam usados, não para melhorar a própria posição ou o próprio “ego”, mas para o bem de toda a comunidade.
Paulo conclui o seu raciocínio comparando a comunidade cristã a um “corpo” com muitos membros. Apesar da diversidade de membros e de funções, o “corpo” é um só. Em todos os membros circula a mesma vida, pois todos foram batizados num só Espírito e “beberam” um único Espírito. O Espírito é, pois, apresentado como Aquele que alimenta e que dá vida ao “corpo de Cristo”; dessa forma, Ele fomenta a coesão, dinamiza a fraternidade e é o responsável pela unidade desses diversos membros que formam a comunidade. É preciso ter consciência da presença do Espírito: é Ele que alimenta, que dá vida, que anima, que distribui os dons conforme as necessidades; é Ele que conduz as comunidades na sua marcha pela história.

O Evangelho apresenta-nos a comunidade cristã, reunida à volta de Jesus ressuscitado. Para João, esta comunidade passa a ser uma comunidade viva, recriada, nova, a partir do dom do Espírito. É o Espírito que permite aos crentes superar o medo e as limitações e dar testemunho no mundo desse amor que Jesus viveu até às últimas consequências.
Nos “Atos”, Lucas narra a descida do Espírito sobre os discípulos no dia do Pentecostes, cinquenta dias após a Páscoa, sem dúvida por razões teológicas e para fazer coincidir a descida do Espírito com a festa judaica do Pentecostes, a festa do dom da Lei e da constituição do Povo de Deus; mas João situa no anoitecer do dia de Páscoa a recepção do Espírito pelos discípulos.
João começa por pôr em relevo a situação da comunidade. O “anoitecer”, as “portas fechadas”, o “medo”, são o quadro que reproduz a situação de uma comunidade desamparada no meio de um ambiente hostil e, portanto, desorientada e insegura. É uma comunidade que perdeu as suas referências e a sua identidade e que não sabe, agora, a que se agarrar.
Entretanto, Jesus aparece “no meio deles”. João indica desta forma que os discípulos, fazendo a experiência do encontro com Jesus ressuscitado, redescobriram o seu centro, o seu ponto de referência, a coordenada fundamental à volta do qual a comunidade se constrói e toma consciência da sua identidade. A comunidade cristã só existe de forma consistente se está centrada em Jesus ressuscitado.
Jesus começa por saudá-los, desejando-lhes “a paz”. A “paz” é um dom messiânico; mas, neste contexto, significa, sobretudo, a transmissão da serenidade, da tranquilidade, da confiança que permitirão aos discípulos superar o medo e a insegurança: a partir de agora, nem o sofrimento, nem a morte, nem a hostilidade do mundo poderão derrotar os discípulos, porque Jesus ressuscitado está “no meio deles”.
Em seguida, Jesus “mostrou-lhes as mãos e o lado”. São os “sinais” que evocam a entrega de Jesus, o amor total expresso na cruz. É nesses “sinais”, na entrega da vida, no amor oferecido até à última gota de sangue, que os discípulos reconhecem Jesus. O fato desses “sinais” permanecerem no ressuscitado, indica que Jesus será, de forma permanente, o Messias cujo amor se derramará sobre os discípulos e cuja entrega alimentará a comunidade.
Vem, depois, a comunicação do Espírito. O gesto de Jesus de soprar sobre os discípulos reproduz o gesto de Deus ao comunicar a vida ao homem. Com o “sopro” de Deus, o homem tornou-se um “ser vivente”; com este “sopro”, Jesus transmite aos discípulos a vida nova e faz nascer o “Homem Novo”, a Nova Mulher. Agora, os discípulos possuem a vida em plenitude e estão capacitados, como Jesus, para fazerem da sua vida um dom de amor. Animados pelo Espírito, eles formam a comunidade da nova aliança e são chamados a testemunhar, com gestos e com palavras, o amor de Jesus.
Finalmente, Jesus explicita qual a missão dos discípulos: a eliminação do pecado. As palavras de Jesus não significam que os discípulos possam ou não, conforme os seus interesses ou a sua disposição, perdoar os pecados. Significam, apenas, que os discípulos são chamados a testemunhar no mundo essa vida que o Pai quer oferecer a todos. Quem aceitar essa proposta será integrado na comunidade de Jesus; quem não a aceitar, continuará a percorrer caminhos de egoísmo e de morte, isto é, de pecado. A comunidade, animada pelo Espírito, será a mediadora desta oferta de salvação.
A comunidade cristã só existe de forma consistente, se está centrada em Jesus. Jesus é a sua identidade e a sua razão de ser. É n’Ele que superamos os nossos medos, as nossas incertezas, as nossas limitações, para partirmos à aventura de testemunhar a vida nova do “Homem Novo”. Portanto, identificar-se como cristão significa dar testemunho diante do mundo dos “sinais” que definem Jesus: a vida dada, o amor partilhado.
As comunidades construídas à volta de Jesus são animadas pelo Espírito. O Espírito é esse sopro de vida que transforma o barro inerte numa imagem de Deus, que transforma o egoísmo em amor partilhado, que transforma o orgulho em serviço simples e humilde… É Ele que nos faz vencer os medos, superar as cobardias e fracassos, derrotar o ceticismo e a desilusão, reencontrar a orientação, readquirir a audácia profética, testemunhar o amor, sonhar com um mundo novo. É preciso ter consciência da presença contínua do Espírito em nós e nas nossas comunidades e estar atentos aos seus apelos, às suas indicações, aos seus questionamentos.
A Igreja é uma comunidade de irmãos reunidos por causa de Jesus, animada pelo Espírito do Senhor ressuscitado e que testemunha na história o projeto libertador de Jesus. Desse testemunho resulta a comunidade universal da salvação, que vive no amor e na partilha, apesar das diferenças culturais e étnicas. Nunca será demais realçar o papel do Espírito na tomada de consciência da identidade e da missão da Igreja… Antes do Pentecostes, tínhamos apenas um grupo fechado dentro de quatro paredes, incapaz de superar o medo e de arriscar, sem a iniciativa nem a coragem do testemunho; depois do Pentecostes, temos uma comunidade unida, que ultrapassa as suas limitações humanas e se assume como comunidade de amor e de liberdade; regressa-se à unidade, à relação, à construção de uma comunidade capaz do diálogo, do entendimento, da comunicação. É o surgimento de uma humanidade unida, não pela força, mas pela partilha da mesma experiência interior, fonte de liberdade, de comunhão, de amor. A comunidade messiânica é a comunidade onde a ação de Deus, pelo Espírito, modifica profundamente as relações humanas, levando à partilha, à relação, ao amor.
O Pentecostes é a irrupção do Espírito Santo na vida dos discípulos que vão deixar-se transformar em todas as dimensões do seu ser, é o sopro da ressurreição. Assim, o Pentecostes continua! Assim seja! Amém.


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