quarta-feira, 25 de julho de 2012

O impossível pacto entre o lobo e cordeiro


Post Festum, podemos dizer: o documento final da Rio+20 apresenta um cardápio generoso de sugestões e de propostas, sem nenhuma obrigatoriedade, com uma dose de boa vontade comovedora, mas com uma ingenuidade analítica espantosa, diria até, lastimável. Não é uma bússola que aponta para o “futuro que queremos”, mas aponta para a direção de um abismo. Tal resultado pífio se tributa à crença quase religiosa de que a solução da atual crise sistêmica se encontra no veneno que a produziu: na economia. Não se trata da economia num sentido transcendental, como aquela instância, pouco importam os modos, que garante as bases materiais da vida. Mas da economia categorial, aquela realmente existente que, já há muito tempo, deu um golpe a todas as demais instâncias (à política, à cultura e à ética) e se instalou, soberana, como o único motor que faz andar a sociedade. É a “Grande Transformação” denunciada ainda em 1944 pelo grande economista húngaro-norteamericano Karl Polanyi. Este tipo de economia cobre todos os espaços da vida, se propõe acumular riqueza a mais não poder, tirando de todos os ecossistemas, até à sua exaustão, tudo o que seja comercializável e consumível, se regendo pela mais feroz competição. Esta lógica desequilibrou todas as relações para com a Terra e entre os seres humanos.
               
Face a este caos Ban Ki Moon, Secretário Geral da ONU, não se cansa de repetir na abertura das Conferências: estamos diante das últimas chances que temos de nos salvar. Enfaticamente, em 2011, em Davos, diante dos “senhores do dinheiro e da guerra econômica” declarou: ”O atual modelo econômico mundial é um pacto de suicídio global”. Albert Jacquard, conhecido geneticista francês, intitulou assim um de seus últimos livros: ”A contagem regressiva já começou?” (2009). Os que decidem não dão a mínima atenção aos alertas da comunidade científica mundial. Nunca se viu tamanha descolagem entre ciência e política e também entre ética e economia como atualmente. Isso me reporta ao comentário cínico de Napoleão, depois da batalha de Eylau, ao ver milhares de soldados mortos sobre a neve: “Uma noite de Paris compensará tudo isso”. Eles continuam recitando o credo: um pouco mais do mesmo, de economia, e já sairemos da crise. É possível o pacto entre o cordeiro (ecologia) e o lobo (economia)? Tudo indica que é impossível.

Podem agregar quantos adjetivos quiserem a este tipo vigente de economia (sustentável, verde e outros), que não lhe mudarão a natureza. Imaginam que limar os dentes do lobo lhe tira a ferocidade, quando esta reside não nos dentes, mas em sua natureza. A natureza desta economia é querer crescer sempre, a despeito  da devastação da natureza e da vida. Para ela, não crescer é prescrever a própria morte. Ocorre que a Terra não aquenta mais esse assalto sistemático a seus bens e serviços. Acresce a isso a injustiça social, tão grave quanto a injustiça ecológica. Um rico consome em média 16 vezes mais que um pobre. Um africano tem trinta anos a menos de expectativa de vida que um europeu (Jaquard, 28).

Face a tais crimes como não se indignar e não exigir uma mudança de rumo?  A Carta da Terra nos oferece uma direção segura: “Como nunca antes na história, o destino comum nos conclama a buscar um novo começo. Isto requer uma mudança na mente e no coração; requer um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal... para alcançarmos um modo sustentável de vida nos níveis local, nacional, regional e global” (final). Mudar a mente implica um novo olhar sobre a Terra, não como o “mundo-máquina”, mas como um organismo vivo, a Terra-mãe a quem cabe respeito e cuidado. Mudar o coração significa superar a ditadura da razão técnico-científica e resgatar a razão sensível onde reside o sentimento profundo, a paixão pela mudança e o amor e o respeito a tudo o que existe e vive. No lugar da concorrência, viver a interdependência global, outro nome para a cooperação, e no lugar da indiferença, viver a responsabilidade universal, quer dizer, decidir enfrentar juntos o risco global.

Valem as palavras do Nazareno: “Se não vos converterdes, todos perecereis” (Lc 13,5).

Leonardo Boff é autor de “Proteger a Terra-Cuidar da vida. Como evitar o fim do mundo”, Record 2011.

Reiteramos a emergência de refazermos o pacto pela vida. 
Certamente as doutrinas econômicas - vestidas de lobo,
não representam o olhar de cuidado sobre a Terra. 
Confiemos na visão ecológica - cordeiro.
palavraemmim.blogspot.com


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