domingo, 29 de julho de 2012

Milagre da Partilha: "com cinco pães e dois peixes"...


Irmãos e irmãs,
Neste Santo Domingo, somos convidados a reconhecer a preocupação de Deus em saciar a “fome” de vida de homens e mulheres. Assim, Deus conta conosco para repartir o seu “pão” com todos aqueles que têm “fome” de amor, liberdade, justiça, paz e esperança. Senhor manifesta sua compaixão para conosco e não nos deixa ir embora sem comer.

Na primeira leitura, o profeta Eliseu, ao partilhar o pão que lhe foi oferecido com as pessoas que o rodeiam, testemunha a vontade de Deus em saciar a “fome” do mundo; e sugere que Deus vem ao encontro dos necessitados através dos gestos de partilha e de generosidade para com os irmãos que os “profetas” são convidados a realizar.
O pão das primícias devia ser apresentado e consagrado a Javé. Desta forma, o homem que leva os dons ao profeta e do profeta que não os guarda para si, mas os manda partilhar com as pessoas que o rodeiam. O “servo” do profeta não acreditava que os alimentos oferecidos chegassem para cem pessoas; no entanto, chegaram e ainda sobraram.
A “milagrosa multiplicação” de pães de cevada e de grãos de trigo mostra que quando somos capazes de sair do egoísmo e temos disponibilidade para partilhar os dons recebidos de Deus, esses dons chegam para todos e ainda sobram.  Revela-se assim a generosidade, solidariedade e vontade de partilha que não são geradoras de vida e abundância.

Na segunda leitura, Paulo lembra-nos algumas exigências da vida cristã. E recomenda especialmente, a humildade, a mansidão e a paciência. Atitudes que não combinam com egoísmo, orgulho, autossuficiência em relação aos irmãos, fazendo com que a caridade faça parte das relações que estabelecemos uns com os outros; o amor deve ser sempre o suporte das nossas relações humanas. A unidade é um dom de Deus; mas a sua efetivação depende do contributo e do esforço de cada irmão.
Assim, a nova vida do cristão exige que vivamos unidos a Cristo, pois,  “há um só Corpo e um só Espírito, como existe uma só esperança” na vida a que todos foram chamados; “há um só Senhor, uma só fé, um só Batismo; há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, atua em todos e em todos se encontra”. Portanto, a Trindade é a fonte última e o modelo da unidade que os cristãos devem viver, na sua experiência de caminhada comunitária.

No Evangelho, João revela-nos Jesus, o Deus que veio ao encontro dos homens, que dá conta da “fome” da multidão que O segue e propõe libertá-la da sua situação de miséria e necessidade. Aos discípulos, que vão continuar a mesma missão que o Pai lhe confiou, Jesus convida a abandonar a lógica do egoísmo e a assumirem uma lógica de partilha, concretizada no serviço simples e humilde em benefício dos irmãos. É esta lógica que permite passar da escravidão à liberdade; é esta lógica que fará nascer um mundo novo.
Neste contexto, João inicia o relato do milagre da partilha com uma referência à “passagem do mar”, que na verdade era um lago; lembrando-nos à passagem do Mar Vermelho por Moisés com o Povo libertado do Egito. Jesus quer fazer o Povo que o acompanha passar da terra da escravidão para a terra da liberdade. Como aconteceu com Moisés, com Jesus vai uma grande multidão. A multidão que acompanha Jesus pretende “ver os milagres que Ele realizava nos doentes”. É uma multidão marcada pela opressão, que quer experimentar a libertação. Já perceberam que só Jesus, o libertador, conseguirá ajudá-los a superar a sua condição de miséria e de escravidão.
A referência ao “monte” leva-nos a lembrar da Aliança do Sinai e ao monte onde Deus ofereceu ao Povo, através de Moisés, os mandamentos. Dizer que Jesus subiu ao “monte” significa dizer que é através de Jesus que se vai realizar a nova Aliança entre Deus e esse Povo de gente livre que, com Jesus, “atravessou o mar” em direção à terra da liberdade. Como a “Páscoa” estava próxima, anuncia um tempo futuro em que o Messias irá libertar definitivamente o Povo de Deus, é em Jesus que se vão inaugurar os tempos novos da liberdade e da paz.
A multidão que segue Jesus tem fome e não tem que comer. Remonta-nos, outra vez, ao Êxodo, ao deserto, quando o Povo que caminhava para a terra da liberdade sentiu fome. Então, foi Deus que respondeu à necessidade do Povo e lhe deu comida em abundância; aqui, é Jesus que Se compadece das necessidades da multidão e tenta remediá-las. Ele mostra, assim, o rosto do Deus do amor e da bondade, sempre atento às necessidades do seu Povo. Então, envolve a comunidade dos discípulos: “onde havemos de comprar pão para lhes dar de comer?”.
A comunidade de Jesus tem de sentir-se responsável pela “fome” de todos e tem de sentir que é sua responsabilidade e missão saciar essa “fome”. Filipe constata a impossibilidade de resolver o problema, numa perspectiva econômica: “Duzentos denários não bastariam para dar um pedaço a cada um”, ou seja, confiando no sistema instituído, de compra e venda, é impossível resolver o problema dos que têm fome. A comunidade de Jesus é convidada, portanto, a abandonar este sistema e encontrar outros. André, porém, visualiza uma solução diferente, consciente da proposta de Jesus. No entanto, André não está muito convicto do resultado: “o que é isso para tanta gente?”.  Então, Jesus vai provar que é possível encontrar outro sistema que reparta vida e que elimine a lógica da exploração.
O “menino” que aparece na cena da “multiplicação” dos pães representa a fragilidade da comunidade de Jesus face às enormes carências do mundo, indica também um “menino” e um “servo”. É essa comunidade simples e humilde, vocacionada para o serviço, que é chamada a resolver a questão da necessidade dos pobres e a instaurar um novo sistema libertador.
Os números “cinco pães” e “dois peixes”, também não aparecem por acaso: a sua soma dá “sete” – o número que significa totalidade, ou seja, é na partilha da totalidade do que a comunidade possui que se responde à necessidades do Povo. É uma totalidade fracionada e diversificada; mas que, posta ao serviço dos irmãos, sacia a fome do mundo. Desta forma, sobre os alimentos disponibilizados pela comunidade, Jesus pronuncia uma “ação de graças”, reconhecendo que os bens são dons que vêm de Deus, portanto, pertencem a todos e que quem os possui é apenas um administrador encarregado de colocá-los à disposição de todos os irmãos, com a mesma gratuidade com que os recebeu. Os bens são, assim, libertos da posse exclusiva de alguns, para ser dom de Deus para todos os homens e mulheres. É este o sistema que Deus quer instaurar no mundo; e a comunidade cristã é chamada a testemunhar esta lógica. A benção de Jesus sobre os pães e peixes que os discípulos lhe trazem significa dedicar a Deus aquilo que é de Deus, libertando do sentimento de posse, abrindo para o dom de Deus que coloca ao alcance de todos.
Saciada a fome do mundo, através desses bens que a comunidade recebeu de Deus e que pôs ao serviço de todos, os discípulos são chamados a outras tarefas. Há sobras que não se podem perder, mas que devem ser o princípio de outras abundâncias. É preciso multiplicar incessantemente o amor e o pão. E a comunidade, uma vez percebido o projeto de Jesus, deve usar o que tem para continuar a oferecer a vida a todos. Os doze cestos recolhidos pelos discípulos é uma referência a Israel - as doze tribos: se a comunidade dos discípulos souber partilhar aquilo que recebeu de Deus, pode satisfazer a fome dos povos de todo o mundo.
Diante disso, alguns dos que testemunharam a “multiplicação” dos pães e dos peixes têm consciência de que Jesus é o Messias que devia vir para dar ao seu Povo vida em abundância e querem fazê-lo rei. Jesus não aceita, Ele não veio resolver os problemas do mundo instaurando um sistema de autoridade e de poder; mas veio convidar os homens a viverem numa lógica de partilha e de solidariedade, que se faz dom e serviço humilde aos irmãos. É dessa forma que Ele se propõe – com a colaboração dos discípulos – eliminar o sistema opressor, responsável pela fome e pela miséria. O mundo novo que Jesus veio propor não assenta numa lógica de poder e autoridade, mas no serviço simples e humilde que leva a partilhar a vida com os irmãos.
Jesus propõe uma nova atitude. É necessário substituir o egoísmo pelo amor e pela partilha. A comunidade de Jesus tem a função de descobrir esta lógica, de acolher e de propô-la ao mundo. Ela tem de aprender que os bens são um dom de Deus, destinados a todos. Quem quiser acompanhar Jesus neste caminho, passará seguramente da escravidão do lucro para a liberdade da partilha, do serviço, do amor aos irmãos. Desta forma, Jesus não apresenta um milagre econômico e nem religioso, mas a partilha dos bens da Criação. Não deixa ninguém passar fome, não apenas materialmente, mas torna-se nosso alimento, através do pão e do vinho, corpo e sangue, alimento eterno. É o banquete da Vida, que sacia plenamente aqueles que dele participam. Assim, a eucaristia não deve ser um mero ritual, deve indicar partilha da Vida. Partilha do Pão da Vida, que é Jesus e partilha do pão que dá a vida material, que indica a autenticidade da eucaristia. Como consequência não haverá mais carências, materialmente, afetivamente ou espiritualmente.
Partilha é gesto concreto de amor, que contagia e transforma a comunidade. A proposta de vida nova nasce e cresce na partilha dos bens da criação. Quando partilhamos esses bens (terra, moradia, saúde, educação, comida) é possível saciar a todos e ainda sobrar. A Eucaristia, nesse sentido, é o memorial da vida nova inaugurada por Jesus. Celebrá-la é tomar consciência disso, fazendo tudo o que for possível para construir uma sociedade justa, fraterna e igualitária. E assim, Jesus nos convida a alimentar de sua palavra e da eucaristia, para que pessoa alguma venha a passar fome. Esta atitude começa no momento em que a força do pão do céu transformará a todos numa comunidade de partilha e de responsabilidade que age com os olhos e o coração de Deus: “com cinco pães e dois peixes será possível modificar a vida de muitos irmãos e irmãs em todas as partes”, fazendo o “milagre” da partilha. Isso nos mostra que a solução para os problemas da fome e da miséria, não está num milagre, mas na consciência coletiva e na corresponsabilidade solidária, construída pela comunhão entre todos. Ao se compadecer dos pobres e famintos, Jesus nos ensina que devemos ter compaixão e partilharmos com eles, o muito ou o pouco que temos, pois, Deus não abandona seus filhos, uma vez que nada e ninguém pode nos separar do amor de Deus por nós, manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor. Senhor! Abençoe e multiplique o nosso alimento! Assim seja! Amém.

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