domingo, 13 de março de 2016

"Quem dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra"


Irmãos e irmãs,
Este Santo Domingo, fala-nos outra vez de um Deus que ama e cujo amor nos desafia a ultrapassar as nossas escravidões para chegar à vida nova, à ressurreição.

A primeira leitura apresenta-nos o Deus libertador, que acompanha com solicitude e amor a caminhada do seu Povo para a liberdade. Esse “caminho” é o paradigma dessa outra libertação que Deus nos convida a fazer neste tempo de Quaresma e que nos levará à Terra Prometida onde corre a vida nova. O nosso Deus é o Deus libertador, que não Se conforma com qualquer escravidão que roube a vida e a dignidade do homem e que está, permanentemente, a pedir-nos que lutemos contra todas as formas de sujeição. 
A vida cristã é uma caminhada permanente, rumo à Páscoa, rumo à ressurreição. Neste tempo de Quaresma, somos convidados a deixar definitivamente para trás o passado e a aderir à vida nova que Deus nos propõe. Cada Quaresma é um abalo que nos desinstala, que põe em causa o nosso comodismo, que nos convida a olhar para o futuro e a ir além de nós mesmos, na busca do Novo (Homem e Mulher).

A segunda leitura é um desafio a libertar-nos daquilo que impede a descoberta do fundamental: a comunhão com Cristo, a identificação com Cristo, princípio da nossa ressurreição. Neste tempo favorável à conversão, é importante revermos aquilo que dá sentido à nossa vida. Paulo convida a dar prioridade ao que é importante, a uma vida de comunhão com Cristo, que nos leve a uma identificação com o seu amor, o seu serviço, a sua entrega. 
É preciso, igualmente, ter consciência de que este caminho de conversão a Cristo é um caminho que está, permanentemente, a fazer-se. O cristão está consciente de que, enquanto caminha neste mundo, “ainda não chegou à meta”. A identificação com Cristo deve ser, pois, um desafio constante, que exige um empenho diário, até chegarmos à meta do Homem Novo e da Mulher Nova.

O Evangelho diz-nos que, na perspectiva de Deus, não são o castigo e a intolerância que resolvem o problema do mal e do pecado; só o amor e a misericórdia geram ativamente vida e fazem nascer o Homem novo e a Mulher Nova. É esta lógica – a lógica de Deus – que somos convidados a assumir na nossa relação com os irmãos e irmãs.
Neste Evangelho, temos diante de Jesus uma mulher que, de acordo com a Lei, tinha cometido uma falta que merecia a morte. Para os escribas e fariseus, trata-se de uma oportunidade de ouro para testar a ortodoxia de Jesus e a sua fidelidade às exigências da Lei; para Jesus, trata-se de revelar a atitude de Deus frente ao pecado e ao pecador.
Apresentada a questão, Jesus não procura branquear o pecado ou desculpabilizar o comportamento da mulher. Ele sabe que o pecado não é um caminho aceitável, pois, gera infelicidade e rouba a paz… No entanto, também não aceita pactuar com uma Lei que, em nome de Deus, gera morte. Porque os esquemas de Deus são diferentes dos esquemas da Lei, Jesus fica em silêncio durante uns momentos e escreve no chão, como se pretendesse dar tempo aos participantes da cena para perceber aquilo que estava em causa. Finalmente, convida os acusadores a tomar consciência de que o pecado é uma conseqüência dos nossos limites e fragilidades e que Deus entende isso: “quem de vós estiver sem pecado, atire a primeira pedra”. E continua a escrever no chão, à espera que os acusadores da mulher interiorizem a lógica de Deus – a lógica da tolerância e da compreensão. Quando os escribas e fariseus se retiram, Jesus nem sequer pergunta à mulher se ela está ou não arrependida: convida-a, apenas, a seguir um caminho novo, de liberdade e de paz: “vai e não tornes a pecar”.
A lógica de Deus não é uma lógica de morte, mas uma lógica de vida; a proposta que Deus faz aos homens e mulheres através de Jesus não passa pela eliminação dos que erram, mas por um convite à vida nova, à conversão, à transformação, à libertação de tudo o que oprime e escraviza; e destruir ou matar em nome de Deus ou em nome de qualquer moral é uma ofensa inqualificável a esse Deus da vida e do amor, que apenas quer a realização plena das pessoas. O episódio põe em relevo, por outro lado, a intransigência e a hipocrisia das pessoas, sempre disposta a julgar e a condenar… os outros. Jesus denuncia, aqui, a lógica daqueles que se sentem perfeitos e auto-suficientes, sem reconhecerem que estamos todos a caminho e que, enquanto caminhamos, somos imperfeitos e limitados. É preciso reconhecer, com humildade e simplicidade, que necessitamos todos da ajuda do amor e da misericórdia de Deus para chegar à vida plena. A única atitude que faz sentido, neste esquema, é assumir para com os nossos irmãos a tolerância e a misericórdia que Deus tem para com todos (as).
Na atitude de Jesus, torna-se particularmente evidente a misericórdia de Deus para com aqueles que a teologia oficial considerava marginais. Os pecadores públicos, os proscritos, os transgressores notórios da Lei e da moral encontram em Jesus um sinal do Deus que os ama e que lhes diz: “Eu não te condeno”. Sem excluir ninguém, Jesus os promoveu, deu-lhes dignidade, tornou-os pessoas, libertou-os, apontou-lhes o caminho da vida nova, da vida plena. A dinâmica de Deus é uma dinâmica de misericórdia, pois, só o amor transforma e permite a superação dos limites humanos. É essa a realidade do Reino de Deus.
Neste caminho quaresmal, Deus desafia-nos à superação de todas as realidades que nos escravizam e sublinha esse desafio com o seu amor e a sua misericórdia; e convida-nos a despir as roupagens da hipocrisia e da intolerância, para vestir-se de amor. Abramos o nosso coração à compreensão, à misericórdia… Que a revelação da Paixão de Jesus Cristo, mantenha-nos na esperança da ressurreição e da vida do mundo que há-de-vir, convoca-nos: "quem dentre vós não tiver pecado, atire a primeira pedra" e com um novo jeito de caminhar: “vá e não tornes a pecar”. Assim seja! Amém.

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