Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo propõe-nos uma reflexão sobre a disponibilidade para acolher os
desafios de Deus e para seguir Jesus.
A
primeira leitura apresenta-nos a história do chamamento de Samuel. O autor
desta reflexão deixa claro que o chamamento é sempre uma iniciativa de Deus, o
qual vem ao encontro e chama pelo nome. Aos homens e mulheres é pedido que se
coloque numa atitude de total disponibilidade para escutar a voz e os desafios
de Deus.
A
vocação é sempre uma iniciativa, misteriosa e gratuita, de Deus. Antes de mais,
o profeta deve ter plena consciência de que na origem da sua vocação está Deus
e que a sua missão só se entende e só se realiza em referência a Deus. Um
profeta não se torna profeta para realizar sonhos pessoais, ou porque entende
ter as “qualidades profissionais” requeridas para o cargo e faz uma opção
profissional pela profecia… O profeta torna-se profeta porque um dia escutou
Deus a chamá-lo pelo nome e a confiar-lhe uma missão. Todos nós, chamados por
Deus a uma missão no mundo, não podemos esquecer isto: a nossa missão vem de
Deus e tem de se desenvolver em referência a Deus; não nos anunciamos a nós
próprios, mas anunciamos e testemunhamos Deus e os seus projetos no meio dos
nossos irmãos e irmãs.
Na
segunda leitura, Paulo convida os cristãos de Corinto a viverem de forma
coerente com o chamamento que Deus lhes fez. No crente que vive em comunhão com
Cristo deve manifestar-se sempre a vida nova de Deus. A questão fundamental, para Paulo, é esta:
pelo Batismo, o cristão torna-se membro de Cristo e forma com ele um único
corpo. A partir desse momento, os pensamentos, as palavras, as atitudes do
cristão devem ser os de Cristo e devem testemunhar, diante do mundo, o próprio
Cristo. No “corpo” do cristão manifesta-se, portanto, a realidade do “corpo” de
Cristo.
Assim,
o cristão torna-se também Templo do Espírito. Para os judeus, o “templo” de
Jerusalém era o lugar onde Deus residia no mundo e se manifestava ao seu Povo…
Dizer que os cristãos são “Templo do Espírito” significa que eles são agora o
lugar onde reside e se manifesta a vida de Deus. No Batismo, o cristão recebe o
Espírito de Deus; e é esse Espírito que vai, a partir desse instante,
conduzi-lo pelos caminhos da vida, inspirar os seus pensamentos, condicionar as
suas ações e comportamentos. É este o culto que Deus exige. Portanto, é preciso
que em todas as circunstâncias, a vida do crente seja entrega, serviço, doação,
respeito, amor verdadeiro: “glorificai a Deus no vosso corpo”.
O
Evangelho descreve o encontro de Jesus com os seus primeiros discípulos. Quem é
“discípulo” de Jesus? Quem pode integrar a comunidade de Jesus? Na perspectiva
de João, o discípulo é aquele que é capaz de reconhecer no Cristo que passa o
Messias libertador, que está disponível para seguir Jesus no caminho do amor e
da entrega, que aceita o convite de Jesus para entrar na sua casa e para viver
em comunhão com Ele, que é capaz de testemunhar Jesus e de anunciá-l’O aos
outros irmãos.
Num
primeiro momento, o quadro situa-nos junto do rio Jordão. Os três primeiros
personagens em cena são João e dois dos seus discípulos, isto é, dois homens
que tinham escutado o anúncio de João e recebido o seu batismo, símbolo da
ruptura com a “vida velha” e de adesão ao Messias esperado. Estes dois
discípulos de João são, portanto, homens que, devido ao testemunho de João, já
aderiram a esse Messias que está para chegar e que esperam ansiosamente a sua
entrada em cena.
Entretanto,
apareceu Jesus. João viu Jesus “que passava” e indicou-O aos teus dois
discípulos, dizendo: “eis o cordeiro de Deus”. João é uma figura, cuja missão consiste
em preparar os ‘homens’ para acolher o Messias libertador; quando esse Messias
“passa”, a missão de João termina e começa uma nova realidade. João está
plenamente consciente disso… Não procura prolongar o seu protagonismo ou
conservar no seu círculo restrito esses discípulos que durante algum tempo o
escutaram e que beberam a sua mensagem. Ele sabe que a sua missão não é
congregar à sua volta um grupo de adeptos, mas preparar o coração das pessoas
para acolher Jesus e a sua proposta libertadora. Por isso, na ocasião certa,
indica Jesus aos seus discípulos e convida-os a segui-l’O.
A
expressão “eis o cordeiro de Deus”, usada por João para apresentar Jesus, fará,
provavelmente, referência ao “cordeiro pascal”, símbolo da libertação oferecida
por Deus ao seu Povo, prisioneiro no Egito. Esta expressão define Jesus como o
enviado de Deus, que vem inaugurar a nova Páscoa e realizar a libertação
definitiva. A missão de Jesus consiste, portanto, em eliminar as cadeias do
egoísmo e do pecado que prendem homens e mulheres à escravidão e que os impedem
de chegar à vida plena.
Depois
da declaração de João, os discípulos reconhecem em Jesus esse Messias com uma
proposta de vida verdadeira e seguem-n’O. “Seguir Jesus” significa caminhar
atrás de Jesus, percorrer o mesmo caminho de amor e de entrega que Ele percorreu,
adotar os mesmos objetivos de Jesus e colaborar com Ele na missão. A reação dos
discípulos é imediata. Não há aqui lugar para dúvidas, para desculpas, para
considerações que protelem a decisão, para pedidos de explicação, para procura
de garantias… Eles, simplesmente, “seguem” Jesus.
Num
segundo momento, o quadro apresenta-nos um diálogo entre Jesus e os dois
discípulos. A pergunta inicial de Jesus: “que procurais?”. Sugere que é
importante, para os discípulos, terem consciência do objetivo que perseguem, do
que esperam de Jesus, daquilo que Jesus lhes pode oferecer.
Os
discípulos respondem com uma pergunta: “rabbi, onde moras?”. Nela, está
implícita a sua vontade de aderir totalmente a Jesus, de aprender com Ele, de
habitar com Ele, de estabelecer comunhão de vida com Ele. Ao chamar-Lhe
“rabbi”, indicam que estão dispostos a seguir as suas instruções, a aprender
com Ele um modo de vida; a referência à “morada” de Jesus indica que eles estão
dispostos a ficar perto de Jesus, a partilhar a sua vida, a viver sob a sua
influência. É uma afirmação respeitosa de adesão incondicional a Jesus e ao seu
seguimento.
Jesus
convida-os: “vinde ver”. O convite de Jesus significa que Ele aceita a
pretensão dos discípulos e os convida a segui-l’O, a aprender com Ele, a
partilhar a sua vida. Os discípulos devem “ir” e “ver”, pois, a identificação
com Jesus não é algo a que se chega por simples informação, mas algo que se
alcança apenas por experiência pessoal de comunhão e de encontro com Ele.
Os
discípulos aceitam o convite e fazem a experiência da partilha da vida com
Jesus. Esta experiência direta convence-os a ficar com Jesus: “ficaram com Ele
nesse dia”. Nasce, assim, a comunidade do Messias, a comunidade da nova
aliança. É a comunidade daqueles que encontram Jesus que passa, procuram n’Ele
a verdadeira vida e a verdadeira liberdade, identificam-se com Ele, aceitam
segui-l’O no seu caminho de amor e de entrega, estão dispostos a uma vida de
total comunhão com Ele.
Num
terceiro momento, os discípulos tornam-se testemunhas. É o último passo deste
“caminho vocacional”: quem encontra Jesus e experimenta a comunhão com Ele, não
pode deixar de se tornar testemunha da sua mensagem e da sua proposta
libertadora. Trata-se de uma experiência tão marcante que transborda os limites
estreitos do próprio eu e se torna anúncio libertador para os irmãos e irmãs.
O
Evangelho deste domingo diz-nos ainda, o que é ser cristão… A identidade cristã
não está na simples pertença jurídica a uma instituição chamada “Igreja”, nem
na recepção de determinados sacramentos, nem na militância em certos movimentos
eclesiais, nem na observância de certas regras de comportamento dito “cristão”…
O cristão é, simplesmente, aquele que acolheu o chamamento de Deus para seguir
Jesus Cristo. Desta forma, seguir Jesus é ver n’Ele o Messias libertador com
uma proposta de vida verdadeira e eterna, aceitar tornar-se seu discípulo,
segui-l’O no caminho do amor, da entrega, da doação da vida, aceitar o desafio
de entrar na sua casa e de viver em comunhão com Ele. Assim, o encontro com
Jesus nunca é um caminho fechado, pessoal e sem consequências comunitárias… É
na escuta dos nossos irmãos e irmãs que encontramos, tantas vezes, as propostas
que o próprio Deus nos apresenta. Também é um caminho que tem de me levar ao
encontro dos irmãos e que deve tornar-se, em qualquer tempo e em qualquer circunstância,
anúncio e testemunho, numa dinâmica essencialmente missionária e libertadora.
Assim seja! Amém.
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