Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo nos propõe, dois temas à volta dos quais se constrói e se
estrutura toda a existência cristã: Cristo e a Igreja.
A
primeira leitura mostra como se deve concretizar o poder “das chaves”. Aquele
que detém “as chaves” não pode usar a sua autoridade para concretizar
interesses pessoais e para impedir aos seus irmãos o acesso aos bens eternos;
mas deve exercer o seu serviço como um pai que procura o bem dos seus filhos,
com solicitude, com amor e com justiça.
Assim,
o texto convida-nos a uma reflexão sobre a lógica e o sentido do poder… Sugere
que o exercício do poder só faz sentido enquanto está ao serviço do bem
comunitário. Quem exerce o poder, deverá fazê-lo com a solicitude, o cuidado, a
bondade, a compreensão, a tolerância, a misericórdia, e também com a firmeza
com que um pai conduz e orienta os seus filhos. Nessa perspectiva, o serviço da
autoridade não é uma questão de poder, mas é uma questão de amor. Será
impensável considerar que alguém pode desempenhar com êxito cargos de
responsabilidade, se não for guiado pelo amor. É esta mesma lógica que os
cristãos devem exigir, seja no exercício do poder civil, seja no exercício do
poder no âmbito da comunidade cristão. O exercício de um cargo público supõe,
precisamente, a secundarização dos interesses próprios em benefício do bem
comum.
A
segunda leitura é um convite a contemplar a riqueza, a sabedoria e a ciência de
Deus que, de forma misteriosa e às vezes desconcertante, realiza os seus
projetos de salvação da humanidade. Aos homens e mulheres restam entregar-se
confiadamente nas mãos de Deus e deixar que o seu espanto, reconhecimento e
adoração se transformem num hino de amor e de louvor ao Deus salvador e
libertador.
Paulo
reconhece que os desígnios de Deus são misteriosos e ultrapassam infinitamente
a capacidade de compreensão e de entendimento. Deus é sempre “mais” do que
aquilo que possamos imaginar: mais sábio, mais poderoso, mais misericordioso…
Aos homens e mulheres resta reconhecer a sua própria pequenez, os seus próprios
limites, a sua própria finitude, a sua própria incapacidade de compreender
totalmente esse Deus desconcertante e incompreensível. Mesmo quando as coisas
parecem não fazer sentido, porque a lógica de Deus é completamente diferente de
nossa lógica, cabe-nos atirarmos com confiança para os braços de Deus, acolher
humildemente a sua Palavra e procurar seguir, com simplicidade e amor os seus
caminhos…
O
verdadeiro cristão é aquele que, mesmo sem entender o alcance total dos projetos
de Deus, se entrega confiadamente nas suas mãos e deixa que o seu espanto,
reconhecimento e adoração se transformem num hino de louvor: “glória a Deus
para sempre”.
O
Evangelho convida os discípulos a aderirem a Jesus e a acolherem-n’O como “o
Messias, Filho de Deus”. Dessa adesão, nasce a Igreja – a comunidade dos
discípulos de Jesus, convocada e organizada à volta de Pedro. A missão da
Igreja é dar testemunho da proposta de salvação que Jesus veio trazer. À Igreja
e a Pedro é confiado o poder das chaves, isto é, de interpretar as palavras de
Jesus, de adaptar os ensinamentos de Jesus aos desafios do mundo e de acolher
na comunidade todos aqueles que aderem à proposta de salvação que Jesus
oferece.
O
episódio que nos é proposto ocupa um lugar central no Evangelho de Mateus.
Aparece num momento em que começa a perfilar-se no horizonte de Jesus um
destino de cruz. Depois do êxito inicial do seu ministério, Jesus experimenta a
oposição dos líderes e um certo desinteresse por parte do Povo. A sua proposta
do Reino não é acolhida, senão por um pequeno grupo, o grupo dos discípulos. É,
então, que Jesus dirige aos discípulos uma série de perguntas sobre si próprio.
Não se trata, tanto, de medir a sua quota de popularidade; trata-se, sobretudo,
de tornar as coisas mais claras para os discípulos e confirmá-los na sua opção
de seguir Jesus e de apostar no Reino.
O
nosso texto pode dividir-se em duas partes. A primeira, centra-se em Jesus e na
definição da sua identidade. A segunda, centra-se na Igreja, que Jesus convoca
à volta de Pedro.
Na
primeira parte, Jesus interroga duplamente os discípulos: acerca do que as
pessoas dizem dele e acerca do que os próprios discípulos pensam.
A
opinião dos “homens” vê Jesus em continuidade com o passado - “João Baptista”,
“Elias”, “Jeremias” ou “algum dos profetas”. Não captam a condição única de
Jesus, a sua novidade, a sua originalidade. Reconhecem, apenas, que Jesus é um
homem convocado por Deus e enviado ao mundo com uma missão – como os profetas
do Antigo Testamento… Mas não vão além disso. Na perspectiva dos “homens”,
Jesus é, apenas, um homem bom, justo, generoso, que escutou os apelos de Deus e
que Se esforçou por ser um sinal vivo de Deus, como tantos outros homens antes
d’Ele. É muito, mas não é o suficiente: significa que os “homens” não
entenderam a novidade do Messias, nem a profundidade do mistério de Jesus.
A
opinião dos discípulos acerca de Jesus vai muito além da opinião comum. Pedro,
porta-voz da comunidade dos discípulos, resume o sentir da comunidade do Reino
na expressão: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo”. Nestes dois títulos
resume-se a fé da Igreja de Mateus e a catequese é feita sobre Jesus. Dizer que
Jesus é “o Cristo” Messias significa dizer que Ele é esse libertador que Israel
esperava, enviado por Deus para libertar o seu Povo e para lhe oferecer a
salvação definitiva. No entanto, para os membros da comunidade do Reino, Jesus
não é apenas o Messias: é também o “Filho de Deus”. Designa a condição de
alguém que tem uma relação particular com Deus, a quem Deus elegeu e a quem
Deus confiou uma missão. Definir Jesus como o “Filho de Deus” significa, não só
que Ele recebe vida de Deus, mas que vive em total comunhão com Deus, que
desenvolve com Deus uma relação de profunda intimidade e que Deus Lhe confiou
uma missão única para a salvação dos homens; significa reconhecer a profunda
unidade e intimidade entre Jesus e o Pai e que Jesus conhece e realiza os
projetos do Pai no meio do povo. Os discípulos são convidados a entender dessa
forma o mistério de Jesus.
Na
segunda parte, temos a resposta de Jesus à confissão de fé da comunidade dos
discípulos, apresentada pela voz de Pedro. Jesus começa por felicitar Pedro,
isto é, a comunidade pela clareza da fé que o anima. No entanto, essa fé não é
mérito de Pedro, mas um dom de Deus, “não foram a carne e o sangue que te
revelaram, mas sim o meu Pai que está nos céus”. Pedro e os discípulos pertencem
a esta categoria dos “pobres”, dos “simples”, abertos à novidade de Deus, que
têm um coração disponível para acolher os dons e as propostas de Deus, estes
“pobres” e “simples” estão em contraposição com os líderes – fariseus, doutores
da Lei, escribas – instalados nas suas certezas, seguranças e preconceitos,
incapazes de abrir o coração aos desafios de Deus.
Para
que seja possível a Pedro testemunhar que Jesus é o Messias Filho de Deus e
edificar a comunidade do Reino, Jesus promete-lhe “as chaves do Reino dos céus”
e o poder de “ligar e desligar”. Assim, Jesus nomeia Pedro para “administrador”
e supervisor da Igreja, com autoridade para interpretar as palavras de Jesus,
para adaptar os ensinamentos de Jesus a novas necessidades e situações, e para
acolher ou não novos membros na comunidade dos discípulos do Reino.
Assim,
Pedro é o protótipo do discípulo; nele, está representada essa comunidade que
se reúne à volta de Jesus e que proclama a sua fé em Jesus como o “Messias” e o
“Filho de Deus”. É a esta comunidade, representada por Pedro, que Jesus confia
as chaves do Reino e o poder de acolher ou excluir. Isso não invalida que Pedro
fosse uma figura de referência para os primeiros cristãos e que desempenhasse
um papel de primeiro plano na animação da Igreja nascente...
“E vós, quem
dizeis que Eu sou?
” É uma pergunta que deve, de forma constante, ecoar nos nossos ouvidos e no
nosso coração. Responder a esta questão obriga-nos a pensar no significado que
Cristo tem na nossa vida, na atenção que damos às suas propostas, na
importância que os seus valores assumem nas nossas opções, no esforço que
fazemos ou que não fazemos para o seguir… Quem
é Cristo para mim?
É
sobre a fé dos discípulos, isto é, sobre a sua adesão ao Cristo libertador e
salvador, que veio do Pai ao nosso encontro com uma proposta de vida eterna e
verdadeira que se constrói a Igreja de Jesus. Igreja esta que é a comunidade
dos discípulos que reconhecem Jesus como “o Messias, o Filho de Deus”. A Igreja de Jesus não existe, no entanto, para
ficar a olhar para o céu, numa contemplação estéril e inconsequente do
“Messias, Filho de Deus”; mas existe para O testemunhar e para levar a cada
homem e a cada mulher a proposta de salvação que Cristo veio oferecer e a
interpelação que Ele lança aos discípulos e a todos os homens e mulheres de
nosso tempo. Assim seja! Amém.
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