Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo põe em relevo a dificuldade em viver como discípulo, dando
testemunho do projeto de Deus no mundo. Sugerem que a perseguição está sempre
no horizonte do discípulo… Mas garantem também que a solicitude e o amor de
Deus não abandonam o discípulo que dá testemunho da salvação. Assim, celebramos
a páscoa de Jesus Cristo, que se manifesta em todas as pessoas e grupos que
testemunham firmeza e coragem diante das pressões e perseguições.
A
primeira leitura apresenta-nos o exemplo de um profeta do Antigo Testamento, Jeremias.
É o paradigma do profeta sofredor, que experimenta a perseguição, a solidão, o
abandono por causa da Palavra; no entanto, não deixa de confiar em Deus e de
anunciar, com coerência e fidelidade, as propostas de Deus para a humanidade.
Ser
profeta não é um caminho fácil, o exemplo de Jeremias é elucidativo, como
também o é o testemunho de Oscar Romero, Luther King, Gandhi e tantos outros
profetas do nosso tempo. O “caminho do profeta” é, portanto, um caminho onde se
lida permanentemente com a incompreensão, com a solidão, com o risco… É, no
entanto, um caminho que Deus nos chama a percorrer, na fidelidade à sua
Palavra. No batismo, fomos ungidos como “profetas”, à imagem de Cristo.
Assim,
a experiência profética é um caminho de luta, de sofrimento, muitas vezes de
solidão e de abandono; mas é também um caminho onde Deus está. O testemunho de
Jeremias confirma que Deus nunca abandona aqueles que procuram testemunhar no
mundo, com coragem e verdade, as suas propostas. Esta certeza deve trazer ânimo
e dar esperança a todos aqueles que assumem, com coerência, a sua missão
profética.
Na
segunda leitura, Paulo demonstra aos cristãos como a fidelidade aos projetos de
Deus gera vida e como uma vida organizada numa dinâmica de egoísmo e de autossuficiência
gera morte. Para deixar bem claro que a salvação foi oferecida por Deus através
de Jesus Cristo, Paulo recorre aqui a uma figura literária que aparece, com
alguma frequência, nos seus escritos: a antítese. Em concreto, Paulo vai expor
o seu raciocínio através de um jogo de oposições entre duas figuras: Adão e
Jesus.
Adão
é a figura de uma humanidade que prescinde de Deus e das suas propostas e que
escolhe caminhos de egoísmo, de orgulho e de autossuficiência. Ora, essa
escolha produz injustiça, alienação, desarmonia, pecado. Porque a humanidade
preferiu, tantas vezes, esse caminho, o mundo entrou numa economia de pecado; e
o pecado gera morte.
Cristo
propôs um outro caminho. Ele viveu numa permanente escuta de Deus e das suas
propostas, na obediência total aos projetos do Pai. Esse caminho leva à
superação do egoísmo, do orgulho, da autossuficiência e faz nascer um Homem
Novo e um Nova Mulher, plenamente livre, que vive em comunhão com o Deus que é
fonte de vida autêntica, a vitória de Cristo sobre a morte é a prova provada de
que a comunhão com Deus produz vida definitiva. Foi essa a grande proposta que
Cristo fez à humanidade… Assim, Cristo libertou-nos da economia de pecado e
introduziu no mundo uma dinâmica nova, uma economia de graça que gera vida
plena, salvação.
No
Evangelho, é o próprio Jesus que, ao enviar os discípulos, os avisa para a
inevitabilidade das perseguições e das incompreensões; mas acrescenta: “não
temais”. Jesus garante aos seus a presença contínua, a solicitude e o amor de
Deus, ao longo de toda a sua caminhada pelo mundo.
Mateus
compôs uma espécie de “manual do missionário cristão”, que é o nosso “discurso
da missão”. Para mostrar que a atividade missionária é um imperativo da vida
cristã, Mateus apresenta a missão dos discípulos como a continuação da obra
libertadora de Jesus. Define também os conteúdos do anúncio e as atitudes
fundamentais que os missionários devem assumir, enquanto testemunhas do
“Reino”.
O
tema central da nossa leitura é sugerido pela expressão “não temais”, que se repete
por três vezes ao longo do texto. E o contexto é sempre o da eleição, Javé
elege alguém, um Povo ou uma pessoa, para o seu serviço; ao eleito, confia-lhe
uma missão profética no mundo; e porque sabe que o “eleito” se vai confrontar
com forças adversas, que se traduzirão em sofrimento e perseguição,
assegura-lhe a sua presença, a sua ajuda e proteção.
É
precisamente neste contexto que o Evangelho deste domingo nos situa. Ao enviar
os discípulos que elegeu, Jesus assegura-lhes a sua presença, a sua ajuda, a
sua proteção, a fim de que os discípulos superem o medo e a angústia que
resultam da perseguição. As palavras de Jesus correspondem à última
bem-aventurança: “bem-aventurados sereis quando, por minha causa, vos
insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós”. Este
convite à superação do medo vai acompanhado por três momentos
No
primeiro momento, Jesus pede aos discípulos que não deixem o medo impedir a
proclamação aberta da Boa Nova. A mensagem libertadora de Jesus não pode correr
o risco de ficar, por causa do medo, circunscrita a um pequeno grupo, fechado
dentro de quatro paredes, sem correr riscos, nem incomodar a ordem injusta
sobre a qual o mundo se constrói; mas é uma mensagem que deve ser proclamada
com coragem, com convicção, com coerência, de cima dos telhados, a fim de mudar
o mundo e tornar-se uma Boa Nova libertadora para todos os homens e mulheres.
No
segundo momento, Jesus recomenda aos discípulos que não se deixem vencer pelo
medo da morte física. O que é decisivo, para o discípulo, não é que os
perseguidores o possam eliminar fisicamente; mas o que é decisivo, para o
discípulo, é perder a possibilidade de chegar à vida plena, à vida definitiva…
Ora, o cristão sabe que a vida definitiva é um dom, que Deus oferece àqueles
acolheram a sua proposta e que aceitaram pôr a própria vida ao serviço do
“Reino”. Os discípulos que procuram percorrer com fidelidade o caminho de Jesus
não precisam, portanto, de viver angustiados pelo medo da morte.
No
terceiro momento, Jesus convida os discípulos a descobrirem a confiança
absoluta em Deus. Para ilustrar a solicitude de Deus, Mateus recorre a duas
imagens: a dos pássaros de que Deus cuida, que revela a tocante ternura e
preocupação de Deus por todas as criaturas, mesmo as mais insignificantes e
indefesas e a dos cabelos que Deus conta, que revela a forma particular, única,
profunda, como Deus conhece-nos, com nossa especificidade, nossos problemas e
dificuldades.
Deus
é aqui apresentado como um “Pai”, cheio de amor e de ternura, sempre preocupado
em cuidar dos seus “filhos”, em entendê-los e em protegê-los. Ora, depois de
terem descoberto este “rosto” de Deus, os discípulos têm alguma razão para ter
medo? A certeza de ser filho de Deus é, sem dúvida, algo que alimenta a
capacidade do discípulo em empenhar-se, sem medo, sem prevenções, sem
preconceitos, sem condições, na missão. Nada, nem as dificuldades, nem as
perseguições, conseguem calar esse discípulo que confia na solicitude, no
cuidado e no amor de Deus Pai.
As
últimas palavras da leitura que hoje nos é proposta contêm uma séria
advertência de Jesus, a atitude do discípulo diante da perseguição condicionará
o seu destino último… Aqueles que se mantiveram fiéis a Deus e aos seus projetos
e que testemunharam a Palavra encontrarão vida definitiva; mas aqueles que
procuraram proteger-se, comodamente instalados numa vida morna, sem riscos, sem
chatices, e também sem coerência, terão recusado a vida em plenitude, esses não
poderão fazer parte da comunidade de Jesus.
O
projeto de Jesus, vivido com radicalidade e coerência, é um projeto radical,
questionante, provocante, que exige a vitória sobre o egoísmo, o comodismo, a
instalação, a opressão, a injustiça… É um projeto capaz de abalar os
fundamentos dessa ordem injusta e alienante sobre a qual o mundo se constrói.
Há um certo “mundo” que se sente ameaçado nos seus fundamentos e que procura,
todos os dias, encontrar formas para subverter e domesticar o projeto de Jesus.
A
Palavra de Deus que nos foi hoje proposta convida-nos a fazer a descoberta
desse Deus que tem um coração cheio de ternura, de bondade, de solicitude. Se
nos entregarmos confiadamente nas mãos desse Deus, que é um pai que nos dá
confiança e proteção e é uma mãe que nos dá amor e que nos pega ao colo quando
temos dificuldade em caminhar, não teremos qualquer receio de enfrentar o
mundo. A todos nós, Jesus diz: “não
temais”, sejamos testemunhas. Pois, a Palavra libertadora de Jesus não pode
ser calada, escondida, escamoteada; mas tem de ser vivamente afirmada com palavras,
gestos e atitudes. O valor supremo da nossa vida está nessa vida definitiva que
nos espera no final de um caminho na entrega ao Pai e no serviço aos irmãos e
irmãs; e Jesus demonstrou-nos que só esse caminho produz essa vida de
felicidade. Assim seja! Amém.
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