domingo, 22 de junho de 2014

A todo nós, Jesus diz: "não temais", sejamos testemunhas


Irmãos e irmãs,
Este Santo Domingo põe em relevo a dificuldade em viver como discípulo, dando testemunho do projeto de Deus no mundo. Sugerem que a perseguição está sempre no horizonte do discípulo… Mas garantem também que a solicitude e o amor de Deus não abandonam o discípulo que dá testemunho da salvação. Assim, celebramos a páscoa de Jesus Cristo, que se manifesta em todas as pessoas e grupos que testemunham firmeza e coragem diante das pressões e perseguições.

A primeira leitura apresenta-nos o exemplo de um profeta do Antigo Testamento, Jeremias. É o paradigma do profeta sofredor, que experimenta a perseguição, a solidão, o abandono por causa da Palavra; no entanto, não deixa de confiar em Deus e de anunciar, com coerência e fidelidade, as propostas de Deus para a humanidade.
Ser profeta não é um caminho fácil, o exemplo de Jeremias é elucidativo, como também o é o testemunho de Oscar Romero, Luther King, Gandhi e tantos outros profetas do nosso tempo. O “caminho do profeta” é, portanto, um caminho onde se lida permanentemente com a incompreensão, com a solidão, com o risco… É, no entanto, um caminho que Deus nos chama a percorrer, na fidelidade à sua Palavra. No batismo, fomos ungidos como “profetas”, à imagem de Cristo.
Assim, a experiência profética é um caminho de luta, de sofrimento, muitas vezes de solidão e de abandono; mas é também um caminho onde Deus está. O testemunho de Jeremias confirma que Deus nunca abandona aqueles que procuram testemunhar no mundo, com coragem e verdade, as suas propostas. Esta certeza deve trazer ânimo e dar esperança a todos aqueles que assumem, com coerência, a sua missão profética.

Na segunda leitura, Paulo demonstra aos cristãos como a fidelidade aos projetos de Deus gera vida e como uma vida organizada numa dinâmica de egoísmo e de autossuficiência gera morte. Para deixar bem claro que a salvação foi oferecida por Deus através de Jesus Cristo, Paulo recorre aqui a uma figura literária que aparece, com alguma frequência, nos seus escritos: a antítese. Em concreto, Paulo vai expor o seu raciocínio através de um jogo de oposições entre duas figuras: Adão e Jesus.
Adão é a figura de uma humanidade que prescinde de Deus e das suas propostas e que escolhe caminhos de egoísmo, de orgulho e de autossuficiência. Ora, essa escolha produz injustiça, alienação, desarmonia, pecado. Porque a humanidade preferiu, tantas vezes, esse caminho, o mundo entrou numa economia de pecado; e o pecado gera morte.
Cristo propôs um outro caminho. Ele viveu numa permanente escuta de Deus e das suas propostas, na obediência total aos projetos do Pai. Esse caminho leva à superação do egoísmo, do orgulho, da autossuficiência e faz nascer um Homem Novo e um Nova Mulher, plenamente livre, que vive em comunhão com o Deus que é fonte de vida autêntica, a vitória de Cristo sobre a morte é a prova provada de que a comunhão com Deus produz vida definitiva. Foi essa a grande proposta que Cristo fez à humanidade… Assim, Cristo libertou-nos da economia de pecado e introduziu no mundo uma dinâmica nova, uma economia de graça que gera vida plena, salvação.

No Evangelho, é o próprio Jesus que, ao enviar os discípulos, os avisa para a inevitabilidade das perseguições e das incompreensões; mas acrescenta: “não temais”. Jesus garante aos seus a presença contínua, a solicitude e o amor de Deus, ao longo de toda a sua caminhada pelo mundo.
Mateus compôs uma espécie de “manual do missionário cristão”, que é o nosso “discurso da missão”. Para mostrar que a atividade missionária é um imperativo da vida cristã, Mateus apresenta a missão dos discípulos como a continuação da obra libertadora de Jesus. Define também os conteúdos do anúncio e as atitudes fundamentais que os missionários devem assumir, enquanto testemunhas do “Reino”.
O tema central da nossa leitura é sugerido pela expressão “não temais”, que se repete por três vezes ao longo do texto. E o contexto é sempre o da eleição, Javé elege alguém, um Povo ou uma pessoa, para o seu serviço; ao eleito, confia-lhe uma missão profética no mundo; e porque sabe que o “eleito” se vai confrontar com forças adversas, que se traduzirão em sofrimento e perseguição, assegura-lhe a sua presença, a sua ajuda e proteção.
É precisamente neste contexto que o Evangelho deste domingo nos situa. Ao enviar os discípulos que elegeu, Jesus assegura-lhes a sua presença, a sua ajuda, a sua proteção, a fim de que os discípulos superem o medo e a angústia que resultam da perseguição. As palavras de Jesus correspondem à última bem-aventurança: “bem-aventurados sereis quando, por minha causa, vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós”. Este convite à superação do medo vai acompanhado por três momentos
No primeiro momento, Jesus pede aos discípulos que não deixem o medo impedir a proclamação aberta da Boa Nova. A mensagem libertadora de Jesus não pode correr o risco de ficar, por causa do medo, circunscrita a um pequeno grupo, fechado dentro de quatro paredes, sem correr riscos, nem incomodar a ordem injusta sobre a qual o mundo se constrói; mas é uma mensagem que deve ser proclamada com coragem, com convicção, com coerência, de cima dos telhados, a fim de mudar o mundo e tornar-se uma Boa Nova libertadora para todos os homens e mulheres.
No segundo momento, Jesus recomenda aos discípulos que não se deixem vencer pelo medo da morte física. O que é decisivo, para o discípulo, não é que os perseguidores o possam eliminar fisicamente; mas o que é decisivo, para o discípulo, é perder a possibilidade de chegar à vida plena, à vida definitiva… Ora, o cristão sabe que a vida definitiva é um dom, que Deus oferece àqueles acolheram a sua proposta e que aceitaram pôr a própria vida ao serviço do “Reino”. Os discípulos que procuram percorrer com fidelidade o caminho de Jesus não precisam, portanto, de viver angustiados pelo medo da morte.
No terceiro momento, Jesus convida os discípulos a descobrirem a confiança absoluta em Deus. Para ilustrar a solicitude de Deus, Mateus recorre a duas imagens: a dos pássaros de que Deus cuida, que revela a tocante ternura e preocupação de Deus por todas as criaturas, mesmo as mais insignificantes e indefesas e a dos cabelos que Deus conta, que revela a forma particular, única, profunda, como Deus conhece-nos, com nossa especificidade, nossos problemas e dificuldades.
Deus é aqui apresentado como um “Pai”, cheio de amor e de ternura, sempre preocupado em cuidar dos seus “filhos”, em entendê-los e em protegê-los. Ora, depois de terem descoberto este “rosto” de Deus, os discípulos têm alguma razão para ter medo? A certeza de ser filho de Deus é, sem dúvida, algo que alimenta a capacidade do discípulo em empenhar-se, sem medo, sem prevenções, sem preconceitos, sem condições, na missão. Nada, nem as dificuldades, nem as perseguições, conseguem calar esse discípulo que confia na solicitude, no cuidado e no amor de Deus Pai.
As últimas palavras da leitura que hoje nos é proposta contêm uma séria advertência de Jesus, a atitude do discípulo diante da perseguição condicionará o seu destino último… Aqueles que se mantiveram fiéis a Deus e aos seus projetos e que testemunharam a Palavra encontrarão vida definitiva; mas aqueles que procuraram proteger-se, comodamente instalados numa vida morna, sem riscos, sem chatices, e também sem coerência, terão recusado a vida em plenitude, esses não poderão fazer parte da comunidade de Jesus.
O projeto de Jesus, vivido com radicalidade e coerência, é um projeto radical, questionante, provocante, que exige a vitória sobre o egoísmo, o comodismo, a instalação, a opressão, a injustiça… É um projeto capaz de abalar os fundamentos dessa ordem injusta e alienante sobre a qual o mundo se constrói. Há um certo “mundo” que se sente ameaçado nos seus fundamentos e que procura, todos os dias, encontrar formas para subverter e domesticar o projeto de Jesus.  
A Palavra de Deus que nos foi hoje proposta convida-nos a fazer a descoberta desse Deus que tem um coração cheio de ternura, de bondade, de solicitude. Se nos entregarmos confiadamente nas mãos desse Deus, que é um pai que nos dá confiança e proteção e é uma mãe que nos dá amor e que nos pega ao colo quando temos dificuldade em caminhar, não teremos qualquer receio de enfrentar o mundo. A todos nós, Jesus diz: “não temais”, sejamos testemunhas. Pois, a Palavra libertadora de Jesus não pode ser calada, escondida, escamoteada; mas tem de ser vivamente afirmada com palavras, gestos e atitudes. O valor supremo da nossa vida está nessa vida definitiva que nos espera no final de um caminho na entrega ao Pai e no serviço aos irmãos e irmãs; e Jesus demonstrou-nos que só esse caminho produz essa vida de felicidade. Assim seja! Amém. 

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