domingo, 7 de julho de 2013

Não leveis bolsa, nem sacola e nem sandálias


Irmãos e irmãs.
Neste Santo Domingo, embora as leituras de hoje nos projetem em sentidos diversos, domina a temática do “envio”: na figura dos 72 discípulos do Evangelho, na figura do profeta que fala aos habitantes de Jerusalém do Deus que os ama, ou na figura do apóstolo Paulo que anuncia a glória da cruz.

Na primeira leitura, apresenta-se a palavra de um profeta, enviado a proclamar o amor de pai e de mãe que Deus tem pelo seu Povo. O profeta é sempre um enviado que, em nome de Deus, consola os homens, liberta-os do medo e acena-lhes com a esperança do mundo novo que está para chegar.
Neste quadro de restauração, o objetivo fundamental do profeta é “consolar” esse Povo martirizado, sofrido, angustiado, que não vê grandes perspectivas de futuro e já perdeu a esperança. Como é que o profeta vai “dizer” a mensagem que Deus lhe confiou?
O profeta põe Deus a fazer chegar à cidade/mãe, para que depois ela distribua pelo filho/povo a paz e a riqueza das nações. A paz - “shalom” - exprime aqui bem mais do que a ausência de guerra: inclui saúde, fecundidade, prosperidade, amizade com Deus e com os outros; é, portanto, sinônimo de felicidade total. É isso que Deus quer para o seu Povo e que Se propõe oferecer-lhe em abundância. Particularmente sugestiva é a forma como se fala de Deus. Ele é o pai que dá ao filho/povo a vida abundante e plena, que o acaricia e consola como uma mãe. Há um insistente convite à alegria e o profeta propõe ao seu Povo um Deus que ama e que, em cada dia, vem ao encontro dos homens para lhes trazer a salvação.

Na segunda leitura, o apóstolo Paulo deixa claro qual o caminho que o apóstolo deve percorrer: não o podem mover interesses de orgulho e de glória, mas apenas o testemunho da cruz – isto é, o testemunho de Jesus, que amou radicalmente e fez da sua vida um dom a todos. Mesmo no sofrimento, o apóstolo tem de testemunhar, com a própria vida, o amor radical; é daí que nasce a vida nova do Homem Novo e da nova mulher.
Terminamos hoje a leitura da Carta aos Gálatas, que retrata de maneira geral, face às exigências dos “judaízantes”, segundo os quais os cristãos, além de acreditar em Cristo, devem cumprir escrupulosamente a Lei de Moisés e, de forma especial, aderir à circuncisão. Paulo considera que só Cristo interessa e que tudo o resto são leis e ritos desnecessários ou, ainda pior, geradores de escravidão.

No Evangelho, a temática do “envio” aparece mais desenvolvida. Os discípulos de Jesus são enviados ao mundo para continuar a obra libertadora que Jesus começou e para propor a Boa Nova do Reino aos homens de toda a terra, sem exceção; devem fazê-lo com urgência, com simplicidade e com amor. Na ação dos discípulos, torna-se realidade a vitória do Reino sobre tudo o que oprime e escraviza o homem. Trata-se, portanto, de uma catequese. Nela, Lucas ensina que o cristão tem de continuar no mundo a missão de Jesus, tornando-se testemunha, para todos os homens, dessa proposta de salvação/libertação que Cristo veio trazer.
O texto começa por nos apresentar o número dos discípulos enviados: 72; trata-se, evidentemente, de um número simbólico, que deve ser posto em relação à totalidade das nações pagãs que habitam a terra. Significa, portanto, que a proposta de Jesus é uma proposta universal, destinada a todos os povos, de todas as raças.
Depois, Lucas assinala que os discípulos foram enviados dois a dois. Trata-se de assegurar que o seu testemunho tem valor jurídico; e trata-se de sugerir que o anúncio do Evangelho é uma tarefa comunitária, que não é feita por iniciativa pessoal e própria, mas em comunhão com os irmãos.
Lucas indica, ainda, que os discípulos são enviados às aldeias e localidades onde Jesus “devia de ir”. Dessa forma, indica que a tarefa dos discípulos não é pregar a sua própria mensagem, mas preparar o caminho de Jesus e dar testemunho d’Ele. Depois desta apresentação inicial, Lucas passa a descrever a forma como a missão se deve concretizar.
Há, em primeiro lugar, um aviso acerca da dificuldade da missão: os discípulos são enviados “como cordeiros para o meio de lobos”. É uma imagem que descreve a situação do justo, perdido no meio dos pagãos. Aqui, expressa a situação do discípulo fiel, frente à hostilidade do mundo.
Há, em segundo lugar, uma exigência de pobreza e simplicidade para os discípulos em missão: os discípulos não devem levar consigo nem bolsa, nem sacola, nem sandálias; não devem deter-se a saudar ninguém pelo caminho; também não devem saltar de casa em casa. As indicações de não levar nada para o caminho sugerem que a força do Evangelho não reside nos meios materiais, mas na força libertadora da Palavra; a indicação de não saudar ninguém pelo caminho indica a urgência da missão, que não permite deter-se nas intermináveis saudações típicas da cortesia oriental, sob pena de o essencial – o anúncio do Reino – ser continuamente adiado; a indicação de que não devem saltar de casa em casa, sugere que a preocupação fundamental dos discípulos deve ser a dedicação total à missão e não o encontrar uma hospitalidade mais confortável.
E qual deve ser o anúncio fundamental que os discípulos apresentam? Eles devem começar por anunciar “a paz”. Não se trata aqui, apenas, da saudação normal entre os judeus, mas do anúncio dessa paz messiânica que preside ao Reino. É o anúncio desse mundo novo de fraternidade, de harmonia com Deus e com os outros, de bem-estar, de felicidade, tudo aquilo que é sugerido pela palavra hebraica “shalom”. Esse anúncio deve ser complementado por gestos concretos de libertação, que mostrem a presença do Reino no meio dos homens.
As palavras de ameaça a propósito das cidades que se recusam a acolher a mensagem não devem ser tomadas ao pé da letra: são uma forma de sugerir que a rejeição do Reino trará consequências nefastas à vida daqueles que escolhem continuar a viver em caminhos de egoísmo, de orgulho e de auto-suficiência.
Lucas ainda refere o resultado da ação missionária dos discípulos. As palavras com que Jesus acolhe os discípulos descrevem, figuradamente, a presença do Reino enquanto realidade libertadora. Todavia, apesar do êxito da missão, Jesus põe os discípulos de sobreaviso para o orgulho pela obra feita: eles não devem ficar contentes pelo poder que lhes foi confiado, mas sim porque os seus nomes estão “inscritos no céu”.
Jesus sabia – desde aquele tempo! – que a missão evangelizadora é incompatível com a acumulação e a gestão de bens materiais. Sem a liberdade do pobre e sem a experiência de um Deus que provê nossas necessidades, que mensagem de esperança nós teríamos para o mundo?

Olhemos à nossa volta. Você verá pessoas que assumiram uma missão de evangelizar, mas vivem atarefadas, burocraticamente ocupadas em outras atividades, sem tempo para acolher e ouvir seu rebanho e, se preciso, chorar com ele. Não era isto que Jesus imaginava. Não era esse o itinerário dos discípulos. Não foi para isso que Ele os chamou. O servidor de Deus, de homens e mulheres, não pode ser como aquelas aves que acumulam em seu ninho todo objeto brilhante que encontram em seu caminho. Desta forma, somos convidados a tomar consciência de que Deus nos envia a testemunhar o seu Reino. Portanto, não leveis bolsa, nem sacola e nem sandálias. Assim seja! Amém.

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