sexta-feira, 3 de maio de 2013

Francisco de Roma e a ecologia de Francisco de Assis



Não pode ser em vão que um papa assuma o nome de Francisco. Além de ser referência de um outro modo de ser Igreja, mais próxima à gruta de Belém do que aos palácios de Jerusalém, Francisco de Assis suscita uma temática de extrema urgência nos dias atuais: a questão da salvaguarda da vitalidade do planeta Terra e a garantia do futuro de nossa civilização. Para esse propósito é insuficiente apenas a ecologia exterior. Precisamos amalgamá-la com a ecologia interior. Foi o que fez de forma paradigmática São Francisco de Assis.

Ecologia exterior é aquela sintonia fina que elaboramos em consonância com os ritmos da natureza e com o processo cósmico que se realiza na dialética de ordem-desordem-interação-nova-ordem. Esta ecologia garante a perpetuidade do processo evolucionário que inclui a Terra e a biodiversidade. Mas, no nível humano, ela somente ocorre se houver uma contrapartida nossa que deriva da ecologia interior. Por ela, o universo e seus seres estão dentro de nós na forma de símbolos que falam, de arquétipos que nos orientam e ide imagens que habitam nossa interioridade: materiais com os quais devemos continuamente dialogar e integrar. Se há violência na ecologia exterior é sinal de que há turbulência em nossa ecologia interior e vice-versa. Não sabemos harmonizar as ecologias enunciadas por F. Guattari e por mim: a ambiental, a social, a mental e a integral.

Em seu Cântico do irmão Sol, São Francisco revela a convivência destas duas ecologias. Seu extraordinário feito espiritual foi o de reconciliar o universo com Deus, o céu com a Terra e a vida com a morte. Para entender esta experiência de totalidade precisa-se ler o texto para além de sua letra e descer ao nível simbólico onde os elementos cantados vêm impregnados de emoção e de significação simbólica. O contexto existencial é significativo: Francisco está muito doente e quase cego, cuidado por Santa Clara na capelinha de São Damião, onde ela vivia com suas irmãs. De repente, em plena noite, teve uma espécie de exaltação do espírito, como se estivesse já no reino dos céus. Irradiante de alegria, levanta-se, compõe um hino a todas as criaturas, cantando-o com seus confrades. Celebra o grande esponsal entre o “senhor irmão Sol” e a “irmã senhora Terra”. Deste esponsal nascem todos os seres, ordenados em pares, masculino e feminino, que, segundo C.G.Jung, constituem o arquétipo mais universal da totalidade psíquica: sol-lua, vento-água, fogo-terra, totalidade esta alcançada em sua caminhada espiritual.

O hino contém ainda duas estrofes, acrescentadas pelo Poverello. Nelas, não é mais o cosmos material que é cantado, mas o cosmos humano, que também busca reconciliação: a do bispo de Assis com o prefeito. Por fim se reconcilia com a irmã morte, o complexo mais difícil de ser integrado pelo aparato psíquico humano. O ser humano se reconcilia com outro ser humano. A vida abraça a morte como irmã, portadora da eternidade.

A ecologia interior integrada com a ecologia exterior encontra em Francisco um intérprete privilegiado. Ele é como uma finíssima corda do universo na qual a nota musical mais sutil ressoa e se faz ouvir.

A nossa cultura é devedora do pai de São Francisco, Pedro Bernardone, rico comerciante de tecidos, buscando riqueza e fausto. Confessa Arnold Toynbee, o grande historiador inglês: “Francisco, o maior dos homens que viveram no Ocidente, deve ser imitado por todos nós, pois sua atitude é a única que pode salvar a Terra” (jornal ABC, Madri, 19/12/1972, pág.10).

Qual o nosso desiderato? Que Francisco de Roma se coloque sob a inspiração de Francisco de Assis, transforme-se, por sua humildade, pobreza e jovialidade, num amante da Mãe Terra e num defensor de todo tipo de vida, especialmente daquela mais ameaçada que é a dos pobres. E que suscite essa consciência na humanidade. Nele estão presentes todos os carismas que o podem fazer um farol de referência ecológica e humanitária para todo o mundo.

Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor – autor de 'Ecologia: Grito da Terra, grito dos pobres' (Sextante, Rio, 2004).

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