domingo, 21 de outubro de 2012

Comunidade de servos



Irmãos e irmãs,
Neste Santo Domingo, somos lembrados mais uma vez, que a lógica de Deus é diferente da lógica do mundo. Assim, convida-nos a prescindir dos nossos projetos pessoais de poder e a fazer da nossa vida um serviço aos irmãos. É no amor e na entrega de quem serve humildemente os irmãos que Deus oferece aos homens a vida eterna e verdadeira.

A primeira leitura apresenta-nos a figura de um “Servo de Deus”, insignificante e desprezado pelos homens, mas através do qual se revela a vida e a salvação de Deus. Lembra-nos que uma vida vivida na simplicidade, na humildade, no sacrifício, na entrega e no dom de si mesmo não é, aos olhos de Deus, uma vida maldita, fracassada; mas é uma vida fecunda e plenamente realizada, que trará libertação, verdade e esperança ao mundo.
À luz da lógica de Deus, a existência do “Servo” não é uma existência perdida, sem sentido… O sofrimento que o atingiu ao longo de toda a existência não é num castigo de Deus por causa dos seus pecados pessoais, mas um sacrifício de reparação que justificará os pecados de muitos. Pois, Deus garante a verdade e a autenticidade da vida do “Servo”.

A segunda leitura fala-nos de um Deus que ama a humanidade com um amor sem limites e que, por isso, está disposto a assumir a fragilidade dos homens, a descer ao seu nível, a partilhar a sua condição. Ele não Se esconde atrás do seu poder e da sua onipotência, mas aceita descer ao encontro da humanidade para lhes oferecer o seu amor.
Jesus é o grande sumo-sacerdote que “atravessou os céus” para alcançar misericórdia para todos os creem. Diante da ação de Deus, fruto do seu amor pela humanidade, devemos responder com a fé – isto é, com a aceitação incondicional da proposta de Jesus. Graças a Jesus, o sumo-sacerdote que veio ao nosso encontro, que experimentou e entendeu a nossa fragilidade, que restabeleceu a comunhão entre nós e Deus, que nos leva ao encontro de Deus e que nos garante a sua misericórdia, estamos agora numa nova situação de graça e de liberdade. Aderir à proposta de Jesus é reentrar na comunhão com Deus, assumir-se como família de Deus, receber de Deus vida em abundância. Portanto, podemos com tranquilidade e confiança, sem qualquer medo, aproximar-nos desse “trono da graça” de onde brota a vida eterna e verdadeira. 

No Evangelho, Jesus convida os discípulos a não se deixarem manipular por sonhos pessoais de ambição, de grandeza, de poder e de domínio, mas a fazerem da sua vida um dom de amor e de serviço. Chamados a seguir o Filho do Homem “que não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida”, os discípulos devem dar testemunho de uma nova ordem e propor, com o seu exemplo, um mundo livre do poder que escraviza.
Desta forma, na primeira parte do relato de Marcos, apresenta-se a pretensão de Tiago e de João, os filhos de Zebedeu, no sentido de se sentarem, no Reino que vai ser instaurado, “um à direita e outro à esquerda” de Jesus. Certamente Tiago e João querem assegurar nesse Reino poderoso e glorioso, desde logo, lugares de honra ao lado de Jesus. O fato mostra como Tiago e João, mesmo depois de toda a catequese que receberam durante o caminho para Jerusalém, ainda não entenderam nada da lógica do Reino e ainda continuam a refletir e a sentir de acordo com a lógica do mundo. Para eles, o que é importante é a realização dos seus sonhos pessoais de autoridade, de poder e de grandeza.
Então, mais uma vez, Jesus vê-se obrigado a esclarecer as coisas. Em primeiro lugar, Jesus avisa os discípulos de que, para se sentarem à mesa do Reino, devem estar disposto a “beber o cálice” que Ele vai beber, partilhar esse destino de entrega, dom da vida que Jesus vai cumprir e a “receber o batismo”, que evoca a participação e imersão na paixão e morte de Jesus. Para fazer parte da comunidade do Reino é preciso, portanto, que os discípulos estejam dispostos a percorrer, com Jesus, o caminho do sofrimento, da entrega, do dom da vida até à morte. Apesar de Tiago e João manifestarem, com toda a sinceridade, a sua disponibilidade para percorrer o caminho do dom da vida, Jesus não lhes garante uma resposta positiva à sua pretensão… Jesus evita associar o cumprimento da missão e a recompensa, pois, o discípulo não pode seguir determinado caminho ou embarcar em determinado projeto por cálculo ou por interesse; de acordo com a lógica do Reino, o discípulo é chamado a seguir Jesus com total gratuidade, sem esperar nada em troca, acolhendo sempre como graças não merecidas os dons de Deus.
E na segunda parte do relato, temos a reação dos discípulos à pretensão dos dois irmãos e uma catequese de Jesus sobre o serviço. A reação indignada dos outros discípulos ao pedido de Tiago e de João indica que todos eles tinham as mesmas pretensões. O pedido de Tiago e de João a Jesus aparece-lhes, portanto, como uma “jogada de antecipação” que ameaça as secretas ambições que todos eles guardavam no coração. Jesus aproveita a circunstância para reiterar o seu ensinamento e para reafirmar a lógica do Reino. Começa por recordar-lhes o modelo dos “governantes das nações” e dos grandes do mundo: eles afirmam a sua autoridade absoluta, dominam os povos pela força e submetem-nos, exigem honras, privilégios e títulos, promovem-se à custa da comunidade, exercem o poder de uma forma arbitrária… 
Ora, este esquema não pode servir de modelo para a comunidade do Reino. A comunidade do Reino assenta sobre a lei do amor e do serviço. Os seus membros devem sentir-se “servos” dos irmãos, apostados em servir com humildade e simplicidade, sem qualquer pretensão de mandar ou de dominar. Mesmo aqueles que são designados para presidir à comunidade devem exercer a sua autoridade num verdadeiro espírito de serviço, sentindo-se servos de todos. Os membros da comunidade do Reino darão testemunho de um mundo novo, regido por novos valores; e ensinarão os homens que com eles se cruzarem nos caminhos da vida a serem verdadeiramente livres e felizes.
Como modelo desta nova atitude, Jesus propõe-Se a Si próprio: Ele apresenta-Se como “o Filho do Homem que não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por todos”. De fato, toda a vida de Jesus pode ser entendida em chave de amor e serviço. Desde o primeiro instante da encarnação, até ao último momento da sua caminhada nesta terra, Ele pôs-se ao serviço do projeto do Pai e fez da sua vida um dom de amor aos homens. Ele nunca Se deixou seduzir por projetos pessoais de ambição, de poder, de domínio; mas apenas quis entregar toda a sua vida ao serviço dos homens, a fim de que os homens pudessem encontrar a vida plena e verdadeira. O fruto da entrega de Jesus é o “resgate” da humanidade. Ao dar a sua vida para propor um mundo livre da ambição, do egoísmo, do poder que escraviza, Jesus pagou o “preço” da nossa libertação. Com Ele e por Ele nasce, portanto, uma comunidade de “servos”, que são testemunhas no mundo de uma ordem nova – a ordem do Reino, pois, aquele que quer tornar-se grande entre nós deverá ser o servo de todos. Assim seja! Amém.


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