Irmãos
e irmãs,
Neste
Santo Domingo, Deus chama continuamente, pessoas para serem testemunhas no
mundo do seu projeto de salvação. E a força de Deus revela-se através da
fraqueza e da fragilidade desses instrumentos humanos que Deus escolhe e envia.
A
primeira leitura apresenta-nos uma parte do relato da vocação de Ezequiel.
Assim, a vocação profética é apresentada como uma iniciativa de Javé, que chama
um “filho de homem”, isto é, uma pessoa “normal”, com os seus limites e
fragilidades, para ser, no meio do seu Povo, a voz de Deus. Desta forma, Deus
chama homens frágeis e limitados, não seres extraordinários, etéreos, dotados
de capacidades incomuns… O que é decisivo não são as qualidades extraordinárias
do profeta, mas o chamamento de Deus e a missão que Deus lhe confia. A
indignidade e a limitação, típicas do “filho do homem”, não são impeditivas
para a missão: a eleição divina dá ao profeta autoridade, apesar dos seus
limites bem humanos.
A
vocação profética é um desígnio divino. Há uma manifestação de Deus. O profeta
ouve uma “voz” que o chama e que revela a Ezequiel que deve dirigir-se a esse
Povo rebelde que se insurgiu contra Deus e continuamente se afasta de Deus. Há
também uma referência ao “espírito” que se apossou do profeta e o fez
“levantar”; de acordo com a reflexão judaica, era Deus que comunicava uma força
divina – o seu “espírito”. A vocação é sempre uma iniciativa de Deus e não uma
escolha do homem. Foi Deus que chamou Ezequiel e que o designou para o seu
serviço. A sua missão é apresentar ao Povo as propostas de Deus. O mais
importante não é que as palavras do profeta sejam ou não escutadas; o que é
importante é que o profeta seja, no meio do Povo, a voz que indica os caminhos
de Deus.
Na
segunda leitura, Paulo assegura aos cristãos de Corinto, recorrendo ao seu
exemplo pessoal, que Deus atua e manifesta o seu poder no mundo através de
instrumentos débeis, finitos e limitados. Na ação do apóstolo – ser humano,
vivendo na condição de finitude, de vulnerabilidade, de debilidade –
manifesta-se ao mundo e aos homens a força e a vida de Deus.
Assumindo
essa condição de debilidade e de vulnerabilidade, Paulo fala aos Coríntios de
uma limitação que transporta no seu corpo, um “anjo de Satanás” que lhe recorda
continuamente a sua finitude e fragilidade. O fato de Paulo chamar a essa
limitação que o atrapalha de um “anjo de Satanás” deve ter a ver com o fato de
a mentalidade judaica ligar as enfermidades aos “espíritos maus”. De acordo com
outra interpretação, esse “espinho na carne” que é um “anjo de Satanás” poderia
referir-se também aos obstáculos que Satanás põe a Paulo no que diz respeito ao
anúncio do Evangelho.
De
qualquer forma, o problema pessoal de Paulo mostra como a finitude e a
fragilidade não são determinantes para a missão; o que é determinante é a graça
de Deus… Com a graça de Deus, Paulo tudo pode, apesar da sua debilidade. Deus
não eliminou o problema, apesar dos insistentes pedidos de Paulo; mas é Ele que
dá a Paulo a força para continuar a sua missão, apesar dos limites que esse
“espinho na carne” lhe impõe. Na verdade, o problema pessoal de que Paulo sofre
dá testemunho de que Deus atua e manifesta o seu poder no mundo. No apóstolo –
ser humano, vivendo na condição de finitude, de vulnerabilidade, de debilidade
– manifesta-se ao mundo e aos homens a força de Deus e de Cristo.
No
Evangelho, Marcos ao mostrar como Jesus foi recebido pelos seus conterrâneos em
Nazaré, reafirma uma ideia que aparece também nas outras duas leituras deste
domingo: Deus manifesta-Se aos homens na fraqueza e na fragilidade. Quando os
homens se recusam a entender esta realidade, facilmente perdem a oportunidade
de descobrir o Deus que vem ao seu encontro e de acolher os desafios que Deus
lhes apresenta.
Os
ensinamentos de Jesus na sinagoga, naquele sábado, deixam impressionados os
habitantes de Nazaré, como já tinham deixado impressionados os fiéis da sinagoga
de Cafarnaum. No entanto, os de Cafarnaum, depois de ouvir Jesus, reconheceram
a sua autoridade mais do que divina e que, segundo eles, era diferente da
autoridade dos doutores da Lei; os de Nazaré vão chegar a conclusões distintas.
Depois
de escutarem Jesus, na sinagoga, os seus conterrâneos traduzem a sua
perplexidade através de várias perguntas… Duas das questões postas dizem
respeito à origem e à qualidade dos ensinamentos de Jesus: “De onde lhe vem
tudo isto? Que sabedoria é esta que lhe foi dada?” – uma outra questão refere-se à qualificação das
ações de Jesus: “E os prodigiosos milagres feitos por suas mãos?”.
Numa
forma de contraponto à impressão que Jesus lhes deixou, eles recordam o seu
ofício e a “normalidade” da sua família. Para eles, Jesus é “o carpinteiro”:
não é um “rabbi”, nunca estudou as Escrituras com nenhum mestre conceituado e
não tem qualificações para dizer as coisas que diz. Por outro lado, eles
conhecem a identidade da família de Jesus e não descobrem nela nada de
extraordinário: Ele é o “filho de Maria” e os seus irmãos e irmãs são gente
“normal”, que toda a gente conhece em Nazaré e que nunca revelaram qualidades
excepcionais. Portanto, parece claro que o papel assumido por Jesus e as ações
que Ele realizou são humanamente inexplicáveis.
Assim,
vem a questão seguinte: estas capacidades extraordinárias que Jesus revela, e
que não vêm certamente dos conhecimentos adquiridos no contato com famosos mestres,
nem do ambiente familiar, vêm de Deus ou do diabo? Desde o primeiro momento, os
comentários dos habitantes de Nazaré deixam transparecer uma atitude negativa e
um tom depreciativo na análise de Jesus. Nem sequer se referem a Jesus pelo
próprio nome, mas usam sempre um pronome para falar d’Ele. Depois, chamam-Lhe “o
filho de Maria”, o costume era o filho ser conhecido em referência ao pai e não
à mãe.
Diante
disso, Marcos conclui que os habitantes de Nazaré ficaram “escandalizados”. Há
uma espécie de indignação porque Jesus, apesar de ter sido desautorizado pelos
mestres reconhecidos do judaísmo, continua a desenvolver a sua atividade à
margem da instituição judaica. Ele põe em causa a religião tradicional, quando
ensina coisas diferentes e de forma diferente dos mestres reconhecidos.
Conclusão: Ele está fora da instituição judaica; o seu ensinamento não pode,
portanto, vir de Deus, mas do diabo. Os conterrâneos de Jesus não conseguem
reconhecer a presença de Deus naquilo que Jesus diz e faz.
Jesus
responde aos seus concidadãos citando um conhecido provérbio: “nenhum profeta é
respeitado no seu lugar de origem, nenhum médico faz curas entre os seus
conhecidos”. Nessa resposta, Jesus assume-Se como profeta – isto é, como um
enviado de Deus, que atua em nome de Deus e que tem uma mensagem de Deus para
oferecer aos homens. Os ensinamentos que Jesus propõe não vêm dos mestres
judaicos, mas do próprio Deus; a vida que Ele oferece é a vida plena e
verdadeira que Deus quer propor aos homens.
E
a recusa generalizada da proposta que Jesus traz coloca-o na linha dos grandes
profetas de Israel. O Povo teve sempre dificuldade em reconhecer o Deus que
vinha ao seu encontro na palavra e nos gestos proféticos. O fato das propostas
apresentadas por Jesus serem rejeitadas pelos líderes, pelo povo da sua terra,
pelos seus “irmãos e irmãs” e até pelos da sua casa não invalida, portanto, a
sua verdade e a sua procedência divina.
Porque
é que Jesus “não podia ali fazer qualquer milagre”? Deus oferece aos homens,
através de Jesus, perspectivas de vida nova e eterna. No entanto, os homens são
livres; se eles se mantêm fechados nos seus esquemas e preconceitos egoístas e
rejeitam a vida que Deus lhes oferece, Jesus não pode fazer nada. Marcos
observa, apesar de tudo, que Jesus “curou alguns doentes impondo-lhes as mãos”.
Provavelmente, estes “doentes” são aqueles que manifestam uma certa abertura a
Jesus mas que, de qualquer forma, não têm a coragem de cortar radicalmente com
os mecanismos religiosos do judaísmo para descobrir a novidade radical do Reino
que Jesus anuncia.
Marcos
nota ainda a “surpresa” de Jesus pela falta de fé dos seus concidadãos.
Esperava-se que, confrontados com a proposta nova de liberdade e de vida plena
que Jesus apresenta, os seus interlocutores renunciassem à escravidão para
abraçar com entusiasmo a nova realidade. No entanto, eles estão de tal forma
acomodados e instalados que preferem a vida velha da escravidão à novidade
libertadora de Jesus. Este fato decepcionante não impede, contudo, que Jesus
continue a propor a Boa Nova do Reino a todos os homens. Deus oferece, sem
interrupção, a sua vida; ao homem resta acolher ou não esse oferecimento.
A
Palavra de Deus inquieta sempre, porque convida-nos a descentrarem-se de si
mesmos. Ora, pelo nosso batismo e confirmação, todos somos chamados a sermos
profetas, a deixarmo-nos habitar pelo Espírito, pela Palavra de Deus, para nos
tornarmos arautos e testemunhas onde vivemos. O Concílio Vaticano II,
recuperando esta missão profética dos batizados, declara que estes últimos
recebem todos o sentido da fé e a graça da palavra, a fim de que brilhe na sua
vida quotidiana a força do Evangelho. Os cristãos não devem esconder este
testemunho e esta palavra no segredo do seu coração, mas devem exprimi-lo
também através das estruturas da vida do mundo. Há que tomar a sério esta
missão profética! A cada um o seu chamamento, no caminho em Cristo Jesus, anunciando a Boa Nova onde vivemos… Assim seja! Amém.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Palavra em mim agradece, pois seu comentário é muito importante para a nossa caminhada dialógica.
Obrigado!