domingo, 8 de julho de 2012

Em Jesus - testemunhando a boa nova



Irmãos e irmãs,

Neste Santo Domingo, Deus chama continuamente, pessoas para serem testemunhas no mundo do seu projeto de salvação. E a força de Deus revela-se através da fraqueza e da fragilidade desses instrumentos humanos que Deus escolhe e envia.

A primeira leitura apresenta-nos uma parte do relato da vocação de Ezequiel. Assim, a vocação profética é apresentada como uma iniciativa de Javé, que chama um “filho de homem”, isto é, uma pessoa “normal”, com os seus limites e fragilidades, para ser, no meio do seu Povo, a voz de Deus. Desta forma, Deus chama homens frágeis e limitados, não seres extraordinários, etéreos, dotados de capacidades incomuns… O que é decisivo não são as qualidades extraordinárias do profeta, mas o chamamento de Deus e a missão que Deus lhe confia. A indignidade e a limitação, típicas do “filho do homem”, não são impeditivas para a missão: a eleição divina dá ao profeta autoridade, apesar dos seus limites bem humanos.
A vocação profética é um desígnio divino. Há uma manifestação de Deus. O profeta ouve uma “voz” que o chama e que revela a Ezequiel que deve dirigir-se a esse Povo rebelde que se insurgiu contra Deus e continuamente se afasta de Deus. Há também uma referência ao “espírito” que se apossou do profeta e o fez “levantar”; de acordo com a reflexão judaica, era Deus que comunicava uma força divina – o seu “espírito”. A vocação é sempre uma iniciativa de Deus e não uma escolha do homem. Foi Deus que chamou Ezequiel e que o designou para o seu serviço. A sua missão é apresentar ao Povo as propostas de Deus. O mais importante não é que as palavras do profeta sejam ou não escutadas; o que é importante é que o profeta seja, no meio do Povo, a voz que indica os caminhos de Deus.

Na segunda leitura, Paulo assegura aos cristãos de Corinto, recorrendo ao seu exemplo pessoal, que Deus atua e manifesta o seu poder no mundo através de instrumentos débeis, finitos e limitados. Na ação do apóstolo – ser humano, vivendo na condição de finitude, de vulnerabilidade, de debilidade – manifesta-se ao mundo e aos homens a força e a vida de Deus.

Assumindo essa condição de debilidade e de vulnerabilidade, Paulo fala aos Coríntios de uma limitação que transporta no seu corpo, um “anjo de Satanás” que lhe recorda continuamente a sua finitude e fragilidade. O fato de Paulo chamar a essa limitação que o atrapalha de um “anjo de Satanás” deve ter a ver com o fato de a mentalidade judaica ligar as enfermidades aos “espíritos maus”. De acordo com outra interpretação, esse “espinho na carne” que é um “anjo de Satanás” poderia referir-se também aos obstáculos que Satanás põe a Paulo no que diz respeito ao anúncio do Evangelho.
De qualquer forma, o problema pessoal de Paulo mostra como a finitude e a fragilidade não são determinantes para a missão; o que é determinante é a graça de Deus… Com a graça de Deus, Paulo tudo pode, apesar da sua debilidade. Deus não eliminou o problema, apesar dos insistentes pedidos de Paulo; mas é Ele que dá a Paulo a força para continuar a sua missão, apesar dos limites que esse “espinho na carne” lhe impõe. Na verdade, o problema pessoal de que Paulo sofre dá testemunho de que Deus atua e manifesta o seu poder no mundo. No apóstolo – ser humano, vivendo na condição de finitude, de vulnerabilidade, de debilidade – manifesta-se ao mundo e aos homens a força de Deus e de Cristo.

No Evangelho, Marcos ao mostrar como Jesus foi recebido pelos seus conterrâneos em Nazaré, reafirma uma ideia que aparece também nas outras duas leituras deste domingo: Deus manifesta-Se aos homens na fraqueza e na fragilidade. Quando os homens se recusam a entender esta realidade, facilmente perdem a oportunidade de descobrir o Deus que vem ao seu encontro e de acolher os desafios que Deus lhes apresenta.
Os ensinamentos de Jesus na sinagoga, naquele sábado, deixam impressionados os habitantes de Nazaré, como já tinham deixado impressionados os fiéis da sinagoga de Cafarnaum. No entanto, os de Cafarnaum, depois de ouvir Jesus, reconheceram a sua autoridade mais do que divina e que, segundo eles, era diferente da autoridade dos doutores da Lei; os de Nazaré vão chegar a conclusões distintas.
Depois de escutarem Jesus, na sinagoga, os seus conterrâneos traduzem a sua perplexidade através de várias perguntas… Duas das questões postas dizem respeito à origem e à qualidade dos ensinamentos de Jesus: “De onde lhe vem tudo isto? Que sabedoria é esta que lhe foi dada?” –  uma outra questão refere-se à qualificação das ações de Jesus: “E os prodigiosos milagres feitos por suas mãos?”.
Numa forma de contraponto à impressão que Jesus lhes deixou, eles recordam o seu ofício e a “normalidade” da sua família. Para eles, Jesus é “o carpinteiro”: não é um “rabbi”, nunca estudou as Escrituras com nenhum mestre conceituado e não tem qualificações para dizer as coisas que diz. Por outro lado, eles conhecem a identidade da família de Jesus e não descobrem nela nada de extraordinário: Ele é o “filho de Maria” e os seus irmãos e irmãs são gente “normal”, que toda a gente conhece em Nazaré e que nunca revelaram qualidades excepcionais. Portanto, parece claro que o papel assumido por Jesus e as ações que Ele realizou são humanamente inexplicáveis.
Assim, vem a questão seguinte: estas capacidades extraordinárias que Jesus revela, e que não vêm certamente dos conhecimentos adquiridos no contato com famosos mestres, nem do ambiente familiar, vêm de Deus ou do diabo? Desde o primeiro momento, os comentários dos habitantes de Nazaré deixam transparecer uma atitude negativa e um tom depreciativo na análise de Jesus. Nem sequer se referem a Jesus pelo próprio nome, mas usam sempre um pronome para falar d’Ele. Depois, chamam-Lhe “o filho de Maria”, o costume era o filho ser conhecido em referência ao pai e não à mãe.
Diante disso, Marcos conclui que os habitantes de Nazaré ficaram “escandalizados”. Há uma espécie de indignação porque Jesus, apesar de ter sido desautorizado pelos mestres reconhecidos do judaísmo, continua a desenvolver a sua atividade à margem da instituição judaica. Ele põe em causa a religião tradicional, quando ensina coisas diferentes e de forma diferente dos mestres reconhecidos. Conclusão: Ele está fora da instituição judaica; o seu ensinamento não pode, portanto, vir de Deus, mas do diabo. Os conterrâneos de Jesus não conseguem reconhecer a presença de Deus naquilo que Jesus diz e faz.
Jesus responde aos seus concidadãos citando um conhecido provérbio: “nenhum profeta é respeitado no seu lugar de origem, nenhum médico faz curas entre os seus conhecidos”. Nessa resposta, Jesus assume-Se como profeta – isto é, como um enviado de Deus, que atua em nome de Deus e que tem uma mensagem de Deus para oferecer aos homens. Os ensinamentos que Jesus propõe não vêm dos mestres judaicos, mas do próprio Deus; a vida que Ele oferece é a vida plena e verdadeira que Deus quer propor aos homens.
E a recusa generalizada da proposta que Jesus traz coloca-o na linha dos grandes profetas de Israel. O Povo teve sempre dificuldade em reconhecer o Deus que vinha ao seu encontro na palavra e nos gestos proféticos. O fato das propostas apresentadas por Jesus serem rejeitadas pelos líderes, pelo povo da sua terra, pelos seus “irmãos e irmãs” e até pelos da sua casa não invalida, portanto, a sua verdade e a sua procedência divina.
Porque é que Jesus “não podia ali fazer qualquer milagre”? Deus oferece aos homens, através de Jesus, perspectivas de vida nova e eterna. No entanto, os homens são livres; se eles se mantêm fechados nos seus esquemas e preconceitos egoístas e rejeitam a vida que Deus lhes oferece, Jesus não pode fazer nada. Marcos observa, apesar de tudo, que Jesus “curou alguns doentes impondo-lhes as mãos”. Provavelmente, estes “doentes” são aqueles que manifestam uma certa abertura a Jesus mas que, de qualquer forma, não têm a coragem de cortar radicalmente com os mecanismos religiosos do judaísmo para descobrir a novidade radical do Reino que Jesus anuncia.
Marcos nota ainda a “surpresa” de Jesus pela falta de fé dos seus concidadãos. Esperava-se que, confrontados com a proposta nova de liberdade e de vida plena que Jesus apresenta, os seus interlocutores renunciassem à escravidão para abraçar com entusiasmo a nova realidade. No entanto, eles estão de tal forma acomodados e instalados que preferem a vida velha da escravidão à novidade libertadora de Jesus. Este fato decepcionante não impede, contudo, que Jesus continue a propor a Boa Nova do Reino a todos os homens. Deus oferece, sem interrupção, a sua vida; ao homem resta acolher ou não esse oferecimento.
A Palavra de Deus inquieta sempre, porque convida-nos a descentrarem-se de si mesmos. Ora, pelo nosso batismo e confirmação, todos somos chamados a sermos profetas, a deixarmo-nos habitar pelo Espírito, pela Palavra de Deus, para nos tornarmos arautos e testemunhas onde vivemos. O Concílio Vaticano II, recuperando esta missão profética dos batizados, declara que estes últimos recebem todos o sentido da fé e a graça da palavra, a fim de que brilhe na sua vida quotidiana a força do Evangelho. Os cristãos não devem esconder este testemunho e esta palavra no segredo do seu coração, mas devem exprimi-lo também através das estruturas da vida do mundo. Há que tomar a sério esta missão profética! A cada um o seu chamamento, no caminho em Cristo Jesus, anunciando a Boa Nova onde vivemos… Assim seja! Amém.

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