domingo, 29 de maio de 2016

"...Dizei uma palavra e serei salvo"


Irmãos e irmãs,
Este Santo Domingo dá-nos conta da expansão da fé, não mais confinada ao território histórico de Israel, mas sim a anunciar o Evangelho em todo o mundo.

Na primeira leitura, Salomão invoca o Senhor, pedindo que escute as orações que os estrangeiros lhe dirigirem no Templo de Jerusalém, de modo que o Senhor seja conhecido para lá das fronteiras de Israel e todos os povos possam prestar culto ao Deus de Israel.
Este pedaço da oração de Salomão é basicamente um pedido a Deus para que escute a oração que um estrangeiro Lhe dirigir no Templo que se está a dedicar. Antes de mais, este trecho da oração ajuda a esclarecer o significado do Templo para Salomão e para a teologia de Israel: o Templo é o lugar onde se invoca a Deus, mas não a morada de Deus que é nos céus.

Na segunda leitura, Paulo apresenta-se como guardião do verdadeiro Evangelho de Cristo que é anunciado também aos pagãos, reclamando a falsidade de qualquer outra mensagem que negue que a salvação de Deus vem pela fé em Jesus Cristo, de quem ele recebeu o Evangelho que agora transmite. Assim, o “seu” Evangelho não é de origem humana, mas divina, de Jesus Cristo, por revelação divina. O apóstolo deixa claro que há um único Evangelho, o de Cristo, e que corresponde ao conteúdo do seu anúncio e do “seu” Evangelho. 

O Evangelho mostra-nos a grande fé de um estrangeiro, um oficial romano, que coloca toda a sua confiança na misericórdia de Jesus e na sua Palavra, enquanto pede a cura de um seu servo. Jesus acede à sua súplica e mostra admiração pela grande fé deste homem estrangeiro.
O nosso texto de hoje coloca-nos diante de uma situação em que Jesus exaltará a fé de um estrangeiro, um centurião romano, mostrando a sua misericórdia para com este homem com um alto cargo, mas com a capacidade de se abaixar, entrando na lógica do Evangelho de Jesus: os últimos serão os primeiros. 
Assim, o episódio da cura do servo do centurião romano centra-se no valor da fé deste homem que é um pagão, apesar de se ter mostrado favorável aos judeus e de lhes ter construído a sinagoga, conforme as palavras dos mensageiros judeus É verdade que esta é uma história de uma cura, conforme é dado pela situação inicial “um servo que estava doente, quase a morrer” – e no resultado final, “os enviados encontraram o servo de perfeita saúde”. No entanto, o grande objetivo do texto é a exaltação da grande fé de um pagão, a ponto de Jesus reconhecer: “Nem mesmo em Israel encontrei tão grande fé”. De fato, grande parte do texto centra-se a contar os procedimentos não da cura, mas da súplica do centurião romano: manda mensageiros judeus e pede que Jesus venha a casa; mostra-se a insistência dos mensageiros judeus, exaltando as características deste oficial pagão; apesar de Jesus ter acedido ao pedido dos primeiros mensageiros, este homem manda novos emissários, a declarar a sua indignidade e falta de mérito para que Jesus venha a sua casa. Tudo isto resulta na declaração de Jesus sobre a fé deste homem.
Esta declaração de Jesus abre a fé aos estrangeiros que, por estatuto, não teriam outro modo para se aproximar do credo de Israel, senão convertendo-se e, conseqüentemente, abraçando todas as tradições israelitas. Apesar dos merecimentos deste homem, bem evidenciados pelos mensageiros dos anciãos judeus, é bem claro que ele não fazia parte da comunidade judaica oficial.
Mas este episódio de Lucas, sendo uma sucessão de súplicas, conforme já se mostrou, vem de encontro a uma caracterização da oração cristã. Notamos antes de mais que o servo que está doente não vai ao encontro de Jesus, mas é o seu patrão, o centurião, a interessar-se por ele. Por sua vez, o centurião faz-se valer de mensageiros que por ele falam a Jesus. Por outro lado, notamos que os primeiros a abeirar-se de Jesus, os anciãos dos judeus, além da insistência com que suplicam, fazem-se valer dos méritos deste homem no modo de suplicar: “ele merece”. O texto deixa claro que Jesus não se opõe a este raciocínio, acompanhando-os. Mas a admiração de Jesus pela fé do oficial romano vem da mensagem enviada pelos amigos, onde o homem se faz despir de todos os méritos: “Eu não mereço que entres em minha casa, nem me julguei digno de ir ter contigo”. Mais forte ainda é a súplica cheia de fé e confiança que causa admiração: “Diz uma palavra e o meu servo será curado”. Há, por assim dizer, uma progressividade da fé manifestada na oração: este oficial romano dá conta que, para realizar o seu desejo, não fazem falta méritos, nem posses ou subalternos, porque o que conta é a misericórdia de Deus, manifestada em Jesus, que é totalmente gratuita.
Este milagre de Jesus dispensa o toque e mesmo a proximidade física de Jesus. Pelas palavras do centurião, entendemos o valor da palavra de Jesus, que se aliará à fé daquele que suplica, independentemente de haver méritos ou não. É bem que se note que já no relato da cura de um paralítico tinha sido a fé a impressionar Jesus e instigá-lo ao milagre: “Vendo a fé daquela gente”, se bem que aí Jesus estava próximo do doente a curar. Neste caso, apesar da distância, é a palavra de Jesus, que expressa a sua grande misericórdia em favor dos que estão oprimidos por qualquer tipo de mal; e a misericórdia precisa apenas da fé do orante. A sucessão narrativa, que coloca a notícia da cura miraculosa depois de ter dado conta da admiração de Jesus pela fé do centurião, é uma forma implícita de reconhecer o que será reconhecido explicitamente noutras curas, que é a fé a salvar.
Temos aqui uma relação muito estreita e concreta entre a fé e a palavra de Jesus, que se enche de admiração pela fé deste homem a ponto de dizer que nem em Israel encontrou tão grande fé. E tudo na infinita misericórdia e compaixão de Jesus para com o servo e o seu senhor. Este centurião, homem de grande fé, para mais estrangeiro à raça de Israel e aos seus cultos, aponta-nos o sentido da nossa fé, sempre em profunda intimidade com a Palavra e na atenção dedicada a quem precisa do nosso amor.
Às vezes pergunto-me se nós, cristãos de hoje, que andamos enfarinhados nas coisas de Deus, nas liturgias bem aprumadas e em longas orações, assumimos a causa de Deus na liturgia quotidiana da nossa vida. Pergunto-me se basta a Palavra para a fé, ou ainda procuramos outros sinais que podem parecer importantes mas não essenciais. Pergunto-me se andamos no único Evangelho que conta, o de Jesus Cristo, ou navegamos noutros evangelhos; assim nos provoca Paulo na segunda leitura. Pergunto-me se habitamos e conhecemos o nome de Deus e lhe oramos com plena escuta do nosso ser ou entretemo-nos com outros nomes e repetidas orações que apenas passam pelo ouvido; assim nos interpela a primeira leitura.
Toda a liturgia deste domingo nos coloca nesta centralidade em Jesus que a todos se dá, sem exceção e sem olhar a quem, exigindo a adesão plena à sua Pessoa a quem o quiser seguir como discípulo missionário. Uma adesão de fé centrada no amor misericordioso de Deus em Jesus Cristo, que há três dias celebramos na Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo e que na próxima semana vamos intensamente viver na Solenidade do Sagrado Coração. 
“Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo”: são as palavras do centurião que dizemos antes de comungarmos em cada Eucaristia que celebramos. É profundamente eucarístico este encontro entre o centurião que acredita sem mais em Jesus, sem o ver, e a palavra de Jesus, proclamada também sem ver o centurião. A Eucaristia, celebrada, adorada e quotidianamente vivida, é um encontro como este. Assim seja! Amém.

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