domingo, 11 de outubro de 2015

“Preciso de ti. Sem ti, serei pobre em humanidade”


Irmãos e irmãs,
Este Santo Domingo convida-nos a refletir sobre as escolhas que fazemos; recorda-nos que nem sempre o que reluz é ouro e que é preciso, por vezes, renunciar a certos valores perecíveis, a fim de adquirir os valores da vida verdadeira e eterna.

Na primeira leitura, um “sábio” de Israel apresenta-nos um “hino à sabedoria”. O texto convida-nos a adquirir a verdadeira “sabedoria”, que é um dom de Deus, e a prescindir dos valores efêmeros que não realizam o ser humano. O verdadeiro “sábio” é aquele que escolheu escutar as propostas de Deus, aceitar os seus desafios, seguir os caminhos que Ele indica.
O “sábio” autor do nosso texto garante-nos que escolher a “sabedoria” não significa prescindir de outros valores mais materiais e efêmeros. Por vezes, existe a ideia de que acolher as propostas de Deus e seguir os seus caminhos significa renunciar a tudo aquilo que nos pode tornar felizes e realizados… Não é verdade. Há valores, que são perfeitamente compatíveis com a nossa opção pelos valores de Deus e do Reino. Não se trata de nos fecharmos ao mundo, de renunciarmos definitivamente às coisas belas que o mundo nos pode oferecer e que nos dão segurança e estabilidade; trata-se de darmos prioridade àquilo que é realmente importante e que nos assegura, não momentos efêmeros, mas momentos eternos de felicidade e de vida plena.

A segunda leitura convida-nos a escutar e a acolher a Palavra de Deus proposta por Jesus. Ela é viva, eficaz, atuante. Uma vez acolhida no coração do homem e da mulher, transforma-o, renova-o, ajuda-o a discernir o bem e o mal e a fazer as opções corretas, indica-lhe o caminho certo para chegar à vida plena e definitiva.
Assim, é preciso “escutar” a Palavra de Deus – isto é, a ouvi-la com os nossos ouvidos, a acolhê-la no nosso coração, a deixarmos que ela nos transforme e se expresse em gestos concretos de vida nova. Sem o nosso “sim”, a Palavra de Deus não encontra lugar no nosso coração e na nossa vida. Para que esta Palavra seja eficaz é preciso, contudo, que não nos fechemos nessa atitude de autossuficiência que nos torna surdos àquilo que põe em causa os nossos esquemas pessoais; mas é preciso que, com humildade e simplicidade, aceitemos questionar-nos, transformarmo-nos, convertermo-nos. É preciso que a Palavra de Deus esteja no centro da nossa experiência de fé e da nossa caminhada existencial.

O Evangelho apresenta-nos um homem que quer conhecer o caminho para alcançar a vida eterna. Jesus convida-o renunciar às suas riquezas e a escolher “caminho do Reino” – caminho de partilha, de solidariedade, de doação, de amor. É nesse caminho – garante Jesus aos seus discípulos – que o homem se realiza plenamente e que encontra a vida eterna.
A primeira parte do nosso texto é uma catequese sobre as exigências do Reino e do seguimento de Jesus. Um homem ajoelha-se diante de Jesus e pergunta-Lhe o que tem de fazer para “alcançar a vida eterna”. Não se trata, desta vez, de alguém que vem questionar Jesus para O experimentar: a postura do homem, a sua atitude de respeito, denunciam-no como alguém sincero e bem-intencionado, realmente preocupado com essa questão vital que é a vida eterna.
A primeira resposta de Jesus não traz nada de novo e remete o homem para os mandamentos: “não mates; não cometas adultério; não roubes; não levantes falso testemunho; não cometas fraudes; honra pai e mãe”. De acordo com a catequese feita pelos mestres de Israel, quem vivesse de acordo com os mandamentos da Lei, receberia de Deus a vida eterna. O viver de acordo com as propostas de Deus é, também na perspectiva de Jesus, um primeiro patamar para chegar à vida eterna. O homem explica, porém, que desde sempre a sua vida foi vivida em consonância com os mandamentos da Lei. É uma afirmação segura e serena, que o próprio Jesus não contesta.
Ora, esse novo patamar tem um outro grau de exigência… Jesus aponta três requisitos fundamentais que devem ser assumidos por quem quiser integrar a comunidade do Reino: não centrar a própria vida nos bens passageiros deste mundo, assumir a partilha e a solidariedade para com os irmãos mais pobres, seguir o próprio Jesus no seu caminho de amor e de entrega. Apesar de toda a sua boa vontade, o homem não está preparado para a exigência deste caminho e afasta-se triste. Marcos explica que ele estava demasiado preso às suas riquezas e não estava disposto a renunciar a elas. O homem de que se fala nesta cena é um piedoso observante da Lei; mas não tem coragem para renunciar às suas seguranças humanas, aos seus esquemas feitos, aos bens terrenos que lhe escravizam o coração. A sua incapacidade para assumir a lógica do dom, da partilha, do amor, da entrega, tornam-no inapto para o Reino. O Reino é incompatível com o egoísmo, com o fechamento em si próprio, com a lógica do “ter”, com a obsessão pelos bens deste mundo.
A história do homem rico que não está disposto a integrar a comunidade do Reino, pois não está preparado para viver no amor, na partilha, na entrega da própria vida aos irmãos, serve a Jesus para oferecer aos discípulos mais uma catequese sobre o Reino e as suas exigências. O “caminho do Reino” é um caminho de despojamento de si próprio, que tem de ser percorrido no dom da vida, na partilha com os irmãos, na entrega por amor. Ora, quem não é capaz de renunciar aos bens passageiros deste mundo – ao dinheiro, ao sucesso, ao prestígio, às honras, aos privilégios, a tudo isso que prende o homem e o impede de dar-se aos irmãos – não pode integrar a comunidade do Reino. Não se trata apenas de uma dificuldade, mas de uma verdadeira impossibilidade: “é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus”. Os bens do mundo impõem uma lógica de egoísmo, de fechamento, de escravidão que são incompatíveis com a adesão plena ao Reino e aos seus valores. O discípulo que quer integrar a comunidade do Reino deve estar sempre numa atitude radical de partilha, de solidariedade, de doação.
Marcos propõe-nos, depois, a reação alarmada, ansiosa, desorientada, dos discípulos face a esta exigência de radicalidade: “quem pode, então, salvar-se?”. Em resposta, Jesus pronuncia palavras de conforto, apresentando o poder de Deus como incomparavelmente maior do que a debilidade humana: “aos homens é impossível, mas não a Deus; porque a Deus tudo é possível”. A ação de Deus – gratuita e misericordiosa – pode mudar o coração do homem e da mulher e fazê-lo acolher as exigências do Reino. É preciso, no entanto, que estejamos disponível para escutar Deus e para se deixar desafiar por Ele.
Na segunda parte do nosso texto, os discípulos, pela voz de Pedro, recordam a Jesus que deixaram tudo para o seguir. A renúncia dos discípulos não é, contudo, uma renúncia que se justifica por si mesma e que tem valor em si mesma… Os discípulos de Jesus não escolhem a pobreza porque a pobreza, em si, é uma coisa boa; nem deixam as pessoas que amam pelo gosto de deixá-las… Quando os discípulos de Jesus renunciam a determinados valores, muitas vezes valores legítimos e importantes, é em vista de um bem maior – o seguimento de Jesus e o anúncio do Evangelho. Jesus confirma a validade desta opção e assegura aos discípulos que o caminho escolhido por eles não é um caminho de perda, de solidão, de morte, mas é um caminho de ganho, de comunhão, de vida.
Esta opção dos discípulos será sempre incompreendida e recusada pelo mundo. Por isso, os discípulos conhecerão também a perseguição e o sofrimento. As tribulações não são um drama imprevisto e sem sentido: os discípulos devem estar preparados para as enfrentar, pois sabem que terão sempre de viver com a oposição do mundo, enquanto se mantiverem fiéis a Jesus e ao Evangelho. Aconteça o que acontecer, os discípulos devem estar conscientes de que a opção pelo Reino e pelos seus valores lhes garantirá uma vida cheia e feliz nesta terra e, no mundo futuro, a vida eterna.
Quando falamos em vida eterna, não estamos a falar apenas na vida que nos espera no céu; mas estamos a falar de uma vida plena de qualidade, que leva-nos à plena realização, de uma vida de paz e de felicidade. Deus oferece-nos essa vida já neste mundo e convida-nos a acolhê-la e a escolhê-la em cada dia da nossa caminhada nesta terra; no entanto, sabemos que só atingiremos a plenitude da vida quando nos libertarmos da nossa finitude, das limitações que a nossa humanidade nos impõem. A vida eterna é uma realidade que deve marcar cada passo da nossa existência terrena e que atingirá a plenitude na outra vida, no céu.
Na perspectiva de Jesus, a vida eterna passa pela adesão a esse Reino que Ele veio anunciar. Jesus, com a sua vida, suas propostas, seus valores. Quem quiser “alcançar a vida eterna” tem de olhar para Jesus, aprender com Ele, segui-l’O, fazer da própria vida – como Jesus fez da sua vida – uma escuta atenta das propostas de Deus e um dom de amor aos irmãos. E assim, pode-se afirmar e dizer ao outro: “Preciso de ti. Sem ti, serei pobre em humanidade”. Desta forma, ter em Jesus, caminho de amor, de serviço, de dom da vida que Cristo nos ensinou a percorrer. Assim seja! Amém.

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