domingo, 30 de agosto de 2015

Jesus, 'religião' com Fé e Vida


Irmãos e irmãs,
Este Santo Domingo propõe-nos uma reflexão sobre a “Lei”. Deus quer a realização e a vida plena para o homem e, nesse sentido, propõe-lhe a sua “Lei”. A “Lei” de Deus indica o caminho a seguir. Contudo, esse caminho não se esgota num mero cumprimento de ritos ou de práticas vazias de significado, mas num processo de conversão que leve a comprometer-se cada vez mais com o amor a Deus e aos irmãos.

A primeira leitura garante-nos que as “leis” e preceitos de Deus são um caminho seguro para a felicidade e para a vida em plenitude. Por isso, o autor dessa catequese recomenda insistentemente ao seu Povo que acolha a Palavra de Deus e se deixe guiar por ela. É preciso perguntarmo-nos constantemente se a Palavra que vivemos e anunciamos é a Palavra de Deus ou é a nossa “palavra”, se ela transmite os valores de Deus ou os nossos valores pessoais, se ela testemunha a lógica de Deus ou a nossa lógica humana.
Às vezes, as pessoas que estão comprometidas, andam sempre muito ocupados a fazerem coisas bonitas no sentido de mudar o mundo, num ativismo por vezes exagerado e que, aos poucos, nos vai fazendo perder o sentido da nossa ação e do nosso testemunho. No meio dessa atividade frenética, temos de encontrar tempo para escutar Deus, para meditar as suas propostas, para repensar as suas leis e preceitos, para descobrir o sentido da nossa ação no mundo. Sem a escuta da Palavra, a nossa ação torna-se um “fazer coisas” estéril e vazio que, mais tarde ou mais cedo, nos leva a perder o sentido do nosso testemunho e do nosso compromisso.

A segunda leitura convida os crentes a escutarem e acolherem a Palavra de Deus; mas avisa que essa Palavra escutada e acolhida no coração tem de tornar-se um compromisso de amor, de partilha, de solidariedade com o mundo e com os homens e mulheres.
A nossa leitura convida-nos, a encontrar tempo e disponibilidade para escutar o Deus que nos fala e que, através da Palavra que nos dirige, nos apresenta as suas propostas para nós e para o mundo. Assim, a Palavra de Deus que escutamos e que acolhemos no coração deve conduzir-nos à ação. Se ficamos apenas pela escuta e pela contemplação da Palavra, ela torna-se estéril e inútil. A Palavra de Deus que escutamos tem de nos levar ao compromisso – à luta pela justiça, pela paz, pela dignidade dos nossos irmãos, pelos direitos dos pobres, por um mundo mais fraterno e mais cristão.

No Evangelho, Jesus denuncia a atitude daqueles que fizeram do cumprimento externo e superficial da “lei” um valor absoluto, esquecendo que a “lei” é apenas um caminho para chegar a um compromisso efetivo com o projeto de Deus. Na perspectiva de Jesus, a verdadeira religião não se centra no cumprimento formal das “leis”, mas num processo de conversão que leve o homem e a mulher à comunhão com Deus e a viver numa real partilha de amor com os irmãos e irmãs.
A cena que nos é hoje proposta no Evangelho mostra-nos a reação dos fariseus e dos doutores da Lei à ação de Jesus. Naturalmente, esses fariseus, fanáticos da Lei, vão questionar os discípulos de Jesus acerca da forma deficiente como eles cumprem a “tradição dos antigos”.
Na época de Jesus, as regras da “pureza” tinham sido absurdamente ampliadas pelos doutores da Lei. Na opinião dos rabis de Israel, existia uma lista imensa de coisas que tornavam o homem “impuro” e que o afastavam da comunidade do Povo santo de Deus. Daí a obsessão com os rituais de “purificação”, que deviam ser cumpridos a cada passo da vida diária.
Um desses ritos consistia na lavagem das mãos antes das refeições. Na sua origem está, provavelmente, a universalização do preceito que mandava os sacerdotes lavarem os pés e as mãos, antes de se aproximarem do altar para o exercício do culto. Na perspectiva dos doutores da Lei, a purificação das mãos antes das refeições não era uma questão de higiene, mas uma questão religiosa… Em cada momento o crente corria o risco, mesmo sem o saber, de tropeçar com uma realidade impura e de lhe tocar; para evitar que a “impureza”, que lhe ficara agarrada às mãos se introduzisse, juntamente com os alimentos, no corpo exigia-se a lavagem das mãos antes das refeições.
Para Jesus, a obsessão dos fariseus com os ritos externos de purificação é sintoma de uma grave deficiência quanto à forma de ver e de viver a religião; por isso, Jesus responde ao reparo dos fariseus com alguma dureza… Partindo da Escritura e da análise da práxis dos judeus, Jesus denuncia esta vivência religiosa que aposta apenas na repetição de práticas externas e formalistas, mas que não se preocupa com a vontade de Deus, “este povo honra-Me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim”  ou com o amor aos irmãos. Trata-se de uma religião vazia e estéril, “é vão o culto que Me prestam”, que não vem de Deus mas foi inventada pelos homens, “as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos”. Àqueles que apostam na religião dos ritos estéreis, Jesus chama “hipócritas”: interessa-lhes mais o “parecer” do que o “ser”, a materialidade do que a essência das coisas… Eles cumprem as regras, mas não amam; vestem com fingimento a máscara da religião, mas não se preocupam minimamente com a vontade de Deus. Esta religião é uma mentira, uma hipocrisia, ainda que se revista de ares muito santos e muito piedosos.
Depois, Jesus dirige-Se à multidão e formula o princípio decisivo da autêntica moralidade: “não há nada fora do homem que ao entrar nele o possa tornar impuro; o que sai do homem é que o torna impuro”. Este princípio geral, à primeira vista enigmático e passível de várias interpretações, será explicado mais à frente: “do interior do homem é que saem os maus pensamentos.
Assim, a verdadeira religião não passa, portanto, pelo cumprimento de regras externas, que regulam o que se come ou não come; mas passa por uma autêntica conversão do coração, que leve a deixar a vida velha e a transformar-se, que assume e que vive os valores do Reino. A preocupação com as regras externas de “pureza” é uma preocupação estéril, que não toca com o essencial – o coração; pode até servir para distrair o crente do essencial, dando-lhe uma falsa segurança e uma falsa sensação de estar em regra com Deus. A verdadeira preocupação do crente deve ser moldar o seu coração, a fim de que os seus sentimentos, os seus desejos, os seus pensamentos, os seus projetos, as suas decisões se concretizem, no dia a dia, na escuta atenta dos desafios de Deus e no amor aos irmãos.
As “leis” têm o seu lugar numa experiência religiosa, enquanto sinais indicadores de um caminho a percorrer. No entanto, é preciso que o crente tenha o discernimento suficiente para dar à “lei” um valor justo, vendo-a apenas como um meio para chegar mais além no compromisso com Deus e com os irmãos. A finalidade da nossa experiência religiosa não é cumprir leis, mas aprofundar a nossa comunhão com Deus e com os outros sendo, eventualmente, ajudados nesse processo por “leis” que nos indicam o caminho a seguir.
De acordo com os ensinamentos de Jesus, não é muito religioso ou muito cristão quem aceita todas as “leis” propostas pela Igreja, ou quem cumpre escrupulosamente todos os ritos; mas é cristão verdadeiro aquele que, no seu coração, aderiu a Jesus e procura segui-l’O no caminho do amor e da entrega, que aceita integrar a comunidade dos discípulos, que acolhe com gratidão os dons de Deus, que celebra a fé em comunidade, que aceita fazer com os irmãos uma experiência de amor partilhado.
A nossa religião, sem a escuta atenta e comprometida da Palavra de Deus, pode facilmente tornar-se o mero cumprimento de ritos, a fidelidade a certas práticas de piedade, uma tradição que herdamos e na qual nos instalamos, uma prática que torna mais fácil a nossa inserção num determinado meio social, uma alienação que nos faz esquecer certos dramas da nossa vida… É a Palavra de Deus que, propondo-nos uma escuta contínua de Deus e dos seus projetos e um compromisso continuamente renovado com a construção do mundo, dá sentido à toda a nossa experiência religiosa, transformando-a numa verdadeira experiência de vida nova, de vida autêntica. Desta forma, a verdadeira religião passa por um processo de contínua conversão, no sentido de nos parecermos cada vez mais com Jesus, Fé e Vida, acolhermos a proposta de Homem Novo e da Nova Mulher que Ele nos veio fazer, para assim ressuscitarmos em Cristo Jesus. Assim seja! Amém.


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