domingo, 22 de fevereiro de 2015

Quaresma é tempo para descobrir Deus



Irmãos e irmãs.
Este primeiro Domingo do Tempo da Quaresma garante-nos que Deus está interessado em destruir o velho mundo do egoísmo e do pecado e em oferecer aos homens e mulheres um mundo novo de vida plena e de felicidade sem fim.

A primeira leitura é um extrato da história do dilúvio. Diz-nos que Javé, depois de eliminar o pecado que escraviza-nos e que corrompe o mundo, depõe o seu “arco de guerra”, vem ao nosso encontro, faz uma Aliança incondicional de paz. A ação de Deus destina-se a fazer nascer uma nova humanidade, que percorra os caminhos do amor, justiça e vida verdadeira.
Evidentemente, não foi Deus que enviou o dilúvio para castigar a humanidade. Os catequistas de Israel apenas pegaram na velha lenda mesopotâmica para ensinar que o pecado é algo incompatível com Deus e com os projetos de Deus para homens e mulheres e para o mundo; por isso, quando o ódio, a violência, o egoísmo, o orgulho, a prepotência enchem o mundo e trazem infelicidade, Deus tem de intervir para corrigir o rumo da humanidade
O sentido geral do texto que nos é proposto aponta, contudo, no sentido da esperança. A Aliança que Deus faz com Noé e com toda a humanidade é uma Aliança totalmente gratuita e incondicional, que não depende do arrependimento do homem ou das contrapartidas que o mesmo possa oferecer a Deus… Nos termos desta Aliança revela-se um Deus que abençoa e abraça teu povo, que nos ama mesmo quando continuamos a trilhar caminhos de pecado e infidelidade. Nesta Quaresma, somos convidados a fazer esta experiência de um Deus que nos ama apesar das nossas infidelidades; a deixar que o amor de Deus nos transforme e nos faça renascer para a vida nova; convida-nos a repensar a nossa forma de abordar a vida e de tratar os nossos irmãos, é um tempo propício para repensarmos as nossas atitudes e para nos convertermos à lógica do amor incondicional, à lógica de Deus.

Na segunda leitura, o autor da primeira Carta de Pedro recorda que, pelo Batismo, os cristãos aderiram a Cristo e à salvação que Ele veio oferecer. Comprometeram-se, portanto, a seguir Jesus no caminho do amor, serviço, dom da vida; e, envolvidos neste dinamismo de vida e salvação que brota de Jesus, tornaram-se o princípio de uma nova humanidade.
A conclusão que o autor da carta sugere-nos o seguinte: se Cristo propiciou, mesmo aos injustos, a salvação, também os cristãos devem dar a vida e fazer o bem, mesmo quando são perseguidos e sofrem. Comprometidos com Cristo pelo Batismo, eles nasceram para uma vida nova; e devem testemunhar esta vida nova diante de todos, mesmo diante dos maus e dos perseguidores.

No Evangelho, Jesus mostra-nos como a renúncia a caminhos de egoísmo e de pecado e a aceitação dos projetos de Deus está na origem do nascimento deste mundo novo que Deus quer oferecer a todos - o “Reino de Deus”. Aos seus discípulos Jesus pede para que possam fazer parte da comunidade do “Reino”, a conversão e a adesão à Boa Nova que Ele próprio veio propor.
O quadro da “tentação no deserto” diz-nos que Jesus, ao longo do caminho que percorreu no meio do povo, foi confrontado com opções. Ele teve de escolher entre viver na fidelidade aos projetos do Pai e fazer da sua vida um dom de amor, ou frustrar os planos de Deus e enveredar por um caminho de egoísmo, de poder, de autossuficiência. Jesus escolheu viver de forma total, absoluta, até ao dom da vida – na obediência às propostas do Pai. Os discípulos de Jesus são confrontados a todos os instantes com as mesmas opções. Pois, seguir Jesus é perceber os projetos de Deus e cumpri-los fielmente, fazendo da própria vida uma entrega de amor e um serviço aos irmãos.
Ao dispor-se a cumprir integralmente o projeto de salvação que o Pai tinha para homens e mulheres, Jesus começou a construir um mundo novo, de harmonia, de justiça, de reconciliação, de amor e de paz. A este mundo novo, Jesus chamava “Reino de Deus”. Nós aderimos a este projeto e comprometemo-nos com ele, no dia em que escolhemos ser seguidores de Jesus.
Para que o “Reino de Deus” se torne uma realidade, o que é necessário fazer? Na perspectiva de Jesus, o “Reino de Deus” exige, antes de mais, a “conversão”. “Converter-se” é, antes de mais, renunciar a caminhos de egoísmo e de autossuficiência e recentrar a própria vida em Deus, de forma a que Deus e os teus projetos sejam sempre a nossa prioridade máxima. Implica, naturalmente, modificar a nossa mentalidade, os nossos valores, as nossas atitudes, a nossa forma de encarar Deus, o mundo e os outros. Exige que sejamos capazes de renunciar ao egoísmo, ao orgulho, à autossuficiência, ao comodismo e que voltemos a escutar Deus e as suas propostas. O que é que temos de “converter” – quer em termos pessoais, quer em termos institucionais – para que se manifeste, realmente, esse Reino de Deus tão esperado?
De acordo com a Palavra de Deus que nos é proposta, o “Reino de Deus” exige, também, o “acreditar” no Evangelho. “Acreditar” é, sobretudo, uma adesão total à pessoa de Jesus e ao seu projeto de vida. Com a sua pessoa, com as suas palavras, com os seus gestos e atitudes, Jesus propôs aos homens e mulheres – a todos – uma vida de amor total, de doação incondicional, de serviço simples e humilde, de perdão sem limites. Portanto, o “discípulo” é alguém que está disposto a escutar o chamamento de Jesus, a acolher esse chamamento no coração e a seguir Jesus no caminho do amor e do dom da vida. O chamamento a integrar a comunidade do “Reino” não é algo reservado a um grupo especial de pessoas, com uma missão especial no mundo e na Igreja; mas é algo que Deus dirige a cada homem e a cada mulher, sem exceção. Todos os batizados são chamados a ser discípulos de Jesus, a “converter-se”, a “acreditar no Evangelho”, a seguir Jesus neste caminho de amor e de dom da vida. Esse chamamento é radical e incondicional: exige que o “Reino” se torne o valor fundamental, a prioridade, o principal objetivo do discípulo.
O “Reino” é uma realidade que Jesus começou e que já está, decisivamente, implantada na nossa história. Não tem fronteiras materiais e definidas; mas está a acontecer e a concretizar-se através dos gestos de bondade, de serviço, de doação, de amor gratuito que acontecem à nossa volta - muitas vezes, até fora das fronteiras institucionais da “Igreja” - e que são um sinal visível do amor de Deus nas nossas vidas. Não é uma realidade que construímos de uma vez, mas é uma realidade sempre em construção, sempre a fazer-se, até à sua realização final, no fim dos tempos, quando o egoísmo e o pecado desaparecerem para sempre. Em cada dia que passa, temos de renovar o compromisso com o “Reino” e empenharmo-nos na sua edificação. Pois, Conversão” e “adesão ao projeto de Jesus” são duas faces de uma mesma moeda - a construção de um Homem Novo e uma Nova Mulher, com uma nova mentalidade, com novos valores, com uma postura vital inteiramente nova. Então, teremos um mundo novo – o “Reino de Deus”.
A verdadeira conversão… Quaresma, tempo de penitência, de sacrifícios de toda a espécie, de resistência às tentações, à imitação de Jesus no deserto… A verdadeira conversão é, antes de mais, “acreditar na Boa Nova”. E esta Boa Nova é a manifestação do verdadeiro rosto de Deus em Jesus: um Pai no qual só há amor, porque Ele é Amor em estado puro, a fonte absoluta do Amor. Às vezes, a primeira tentação, a mais terrível, consiste em transpor para Deus as nossas maneiras de amar, de compreender a justiça, o poder. Ora, não é Deus que é à nossa imagem, nós é que somos à sua imagem. A verdadeira conversão consiste em mudar todas as nossas concepções de Deus para acolher um Pai que nunca para de nos amar, que nunca nos rejeita. E quando recusamos o seu amor, Ele só tem um desejo: manifestar-nos ainda mais o seu amor, até nos dar o seu Filho, para que, enfim, nós nos deixemos amar. A Quaresma é também tempo para descobrir este Deus! Assim seja! Amém.


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