sábado, 29 de março de 2014

Acender a luz de esperança no mundo


Irmãos e irmãs,
Este Santo Domingo propõem-nos o tema da “luz”. Assim, os Cristãos são aqueles que escolhem viver e testemunhar a luz, revela-nos a experiência cristã como “viver na luz”.

A primeira leitura nos conta a escolha de David para rei de Israel e a sua unção, nos faz lembrar da unção que recebemos no dia do nosso batismo e que nos constituiu testemunhas da “luz” de Deus no mundo. David é apresentado como o eleito de Javé. É sempre Javé que escolhe aqueles a quem quer confiar uma missão. A eleição resulta da iniciativa e da vontade livre de Deus. Samuel raciocina com a lógica humana e pretende ungir como rei o filho mais velho de Jessé de Belém, impressionado pelo seu belo aspecto e pela sua estatura; mas não é essa a escolha de Deus, impressiona a lógica de escolha de Deus… Samuel percebe, finalmente, que a escolha de Deus recai sobre David – o filho mais novo de Jessé – um jovem anônimo e desconhecido que andava a guardar o rebanho do pai.
Fica, assim, claro que quem leva a cabo a obra da salvação é Deus. Deus escolhe e chama, com frequência, os pequenos, os mais fracos, aqueles que o mundo marginaliza e considera insignificantes; e é através deles que age no mundo; os homens são apenas instrumentos, através dos quais Deus realiza a sua obra no mundo. E o nosso Deus continua a construir, dia a dia, a história da salvação; e chama homens e mulheres para colaborarem com Ele na salvação do mundo.

Na segunda leitura, Paulo propõe aos cristãos que recusam viver à margem de Deus, nas “trevas” e que escolham a “luz”. Em concreto, Paulo explica que viver na “luz” é praticar as obras de Deus, a bondade, a justiça e a verdade.
Para Paulo, viver nas “trevas” é viver à margem de Deus, recusar as suas propostas, viver prisioneiro das paixões e dos falsos valores, no egoísmo e na autossuficiência. Ao contrário, viver na “luz” é acolher o dom da salvação que Deus oferece, aceitar a vida nova que Ele propõe, escolher a liberdade, tornar-se “filho de Deus”.
Os cristãos são aqueles que escolheram viver na “luz”. Assim, Paulo, dirigindo-se aos cristãos, exorta-os a viverem na órbita de Deus, como pessoas Novas, e a praticarem as obras correspondentes à opção que fizeram pela “luz”, obras de bondade, justiça e verdade. O cristão não é só chamado a viver na “luz”; mas deve desmascarar as “trevas”, de forma aberta, decidida e denunciar as obras e os comportamentos daqueles que escolhem viver nas “trevas” do egoísmo, da mentira, da escravidão e do pecado.

No Evangelho, Jesus apresenta-se como “a luz do mundo”; a sua missão é libertar-nos das trevas do egoísmo, do orgulho e da autossuficiência. Aderir à proposta de Jesus é enveredar por um caminho de liberdade e de realização que conduz à vida plena. Da ação de Jesus nasce, assim, o Novo Homem e a Nova Mulher.
O nosso texto apresenta Jesus como a “luz” que veio iluminar o caminho de homens e mulheres. O “cego” da nossa história é um símbolo de todos os homens e mulheres que vivem na escuridão, privados da “luz”, prisioneiros dessas cadeias que os impedem de chegar à plenitude da vida. A reflexão apresenta-se em vários quadros.
No primeiro quadro, Jesus apresenta-se como “a luz do mundo”. Jesus e os discípulos estão diante de um cego de nascença. De acordo com a teologia da época, o sofrimento era sempre resultado do pecado; por isso, os discípulos estavam preocupados em saber se foi o cego que pecou ou se foram os seus pais. Jesus desmonta esta perspectiva e nega qualquer relação entre pecado e sofrimento. No entanto, a ocasião é propícia para ir mais além; e Jesus aproveita-a para mostrar que a missão que o Pai lhe confiou é ser “a luz do mundo” e encher de “luz” a vida dos que vivem nas trevas.
No segundo quadro, Jesus passa das palavras aos atos e prepara-se para dar a “luz” ao cego. Começa por cuspir no chão, fazer lodo com a saliva e ungir com esse lodo os olhos do cego. Jesus junta ao barro a sua própria energia vital, através da saliva, repetindo o gesto criador de Deus. A missão de Jesus é criar um Novo Ser, animado pelo Espírito de Jesus.
No entanto, a cura não é imediata: requer-se a cooperação do enfermo. “Vai lavar-te na piscina de Siloé” – diz-lhe Jesus. A disponibilidade do cego em obedecer à ordem de Jesus é um elemento essencial na cura e sublinha a sua adesão à proposta que Jesus lhe faz. A referência ao banho na piscina do “enviado”, é evidentemente, uma alusão à água de Jesus, o enviado do Pai, essa água que torna-nos novos, livres das trevas/escravidão. Assim quem quiser sair das trevas para viver na luz, como uma Nova Pessoa, tem de aceitar a água do batismo – isto é, tem de optar por Jesus e acolher a proposta de vida que Ele oferece.
Depois, o autor do texto coloca em cena várias personagens; essas personagens vão assumir representar vários papéis e assumir atitudes diversas diante da cura do cego. Os primeiros a ocupar a cena são os vizinhos e conhecidos do cego. A imagem do cego, dependente e inválido, transformado em homem livre e independente, leva os seus concidadãos a interrogar-se. Percebem que de Jesus vem o dom da vida em plenitude; talvez anseiem pelo encontro com Jesus, mas não se atrevem a dar o passo definitivo, ir ao encontro de Jesus, para ter acesso à “luz”. Representam aqueles que percebem a novidade da proposta que Jesus traz, que sabem que essa proposta é libertadora, mas que vivem na inércia, no comodismo e não estão dispostos a sair do seu “cantinho”, do seu mundo limitado, para ir ao encontro da “luz”.
Um outro grupo que aparece em cena é o dos fariseus. Eles sabem perfeitamente que Jesus oferece a “luz”; mas recusam-na liminarmente. Para eles, interessa continuar com o esquema das “trevas”. Representam aqueles que têm conhecimento da novidade de Jesus, mas não estão dispostos a acolhê-la. Sentem-se mais confortáveis nos seus esquemas de escravidão e autossuficiência e não estão dispostos a renunciar às “trevas”. Mais: opõem-se decididamente à “luz” que Jesus oferece e não aceitam que alguém queira sair da escravidão para a liberdade. Quando constatam que o homem curado por Jesus não está disposto a voltar atrás e a regressar aos esquemas de escravidão, expulsam-no da sinagoga.
Depois, aparecem em cena os pais do cego. Eles limitam-se a constatar o acontecimento, o filho nasceu cego e agora vê, mas evitam comprometer-se. Na sua atitude, transparece o medo de quem é escravo e não tem coragem de passar das “trevas” para a “luz”. Preferem a segurança da ordem estabelecida – embora injusta e opressora – do que os riscos da vida livre. Representam todos aqueles que, por medo, preferem continuar na escravidão, não provocar os dirigentes ou a opinião pública, do que correr o risco de aceitar a proposta transformadora de Jesus.
Finalmente, reparemos no “percurso” que o homem curado por Jesus faz. Antes de se encontrar com Jesus, é um homem prisioneiro das “trevas”, dependente e limitado. Depois, encontra-se com Jesus e recebe a “luz”, do encontro com Jesus resulta sempre uma proposta de vida nova. O relato descreve a progressiva transformação que o homem vai sofrendo. Nos momentos imediatos à cura, ele não tem ainda grandes certezas, quando lhe perguntam por Jesus, responde: “não sei”; e quando lhe perguntam quem é Jesus, ele responde: “é um profeta”; mas a “luz” que agora brilha na sua vida vai-o amadurecendo progressivamente. Confrontado com os dirigentes e intimado a renegar a “luz” e a liberdade recebidas, ele torna-se, em dado momento, o homem das certezas, das convicções; argumenta com agilidade e inteligência, recusa-se a regressar à escravidão: mostra o homem adulto, maduro, livre, sem medo… É isso que a “luz” que Jesus oferece produz em homens e mulheres. Finalmente, o texto descreve o estágio final dessa caminhada progressiva: a adesão plena a Jesus. Encontrando o ex-cego, Jesus convida-o a aderir ao “Filho do Homem”; a resposta do ex-cego é a adesão total: “creio, Senhor”. Diz, ainda, o texto, que o ex-cego se prostrou e adorou Jesus: adorar significa reconhecer Jesus como o projeto de vida nova que Deus apresenta a humanidade, aderir a Ele e segui-l’O.
Neste percurso está simbolicamente representado o “caminho” do catecúmeno. O primeiro passo é o encontro com Jesus; depois, o catecúmeno manifesta a sua adesão à “luz” e vai amadurecendo a sua descoberta… Torna-se, progressivamente, livre, sem medo, confiante; e esse “caminho” desemboca na adesão total a Jesus, no reconhecimento de que Ele é o Senhor que conduz a história e que tem uma proposta de vida… Depois disto, ao cristão nada mais interessa do que seguir Jesus. Então, a missão de Jesus consiste em destruir essa “cegueira”, libertar e fazer viver na “luz”. Trata-se de uma nova criação…Assim, da ação de Jesus irá nascer uma Nova Identidade para homens e mulheres, libertos do egoísmo e do pecado, vivendo na liberdade, a caminho da vida em plenitude.
Jesus Cristo, o Filho de Deus, veio ao nosso encontro e mostrou-nos a luz libertadora: convidou-nos a renunciar ao egoísmo e autossuficiência que geram “trevas”, sofrimento, escravidão e a fazermos da vida um dom, por amor. O cego que escolhe a “luz” e que adere incondicionalmente a Jesus e à sua proposta libertadora é o modelo que nos é proposto. Assim, a Palavra de Deus convida-nos, neste tempo de Quaresma, a um processo de renovação que nos leve a deixar tudo o que nos escraviza, nos aliena, nos oprime – no fundo, tudo o que impede que brilhe em nós a “luz” de Deus e que impede a nossa plena realização. Portanto, para que a celebração da ressurreição, na manhã de Páscoa, signifique algo, é preciso realizarmos esta caminhada quaresmal e renascermos para a Liberdade, feitos Homens e Mulheres Novos, que vivem na “luz” e que dão testemunho da “luz”.  Receber a “luz” que Cristo oferece é, também, acender a “luz” da esperança no mundo. Assim seja! Amém.

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