Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo coloca no centro da nossa reflexão a figura de Jesus: quem é Ele
e qual o impacto que a sua proposta de vida tem em nós? A Palavra de Deus que
nos é proposta impele-nos a descobrir em Jesus o “Messias” de Deus, que realiza
a libertação dos homens através do amor e do dom da vida; e convida cada
“cristão” à identificação com Cristo – isto é, a “tomar a cruz”, a fazer da
própria vida um dom generoso aos outros.
A
primeira leitura apresenta-nos um misterioso profeta “trespassado”, cuja
entrega trouxe conversão e purificação para os seus concidadãos. Revela, pois,
que o caminho da entrega não é um caminho de fracasso, mas um caminho que gera
vida nova para nós e para os outros; identifica-se este misterioso profeta com
o próprio Cristo.
O
profeta começa por anunciar a efusão de um espírito de piedade e de súplica
sobre à casa de David e os habitantes de Jerusalém: esse espírito irá provocar
uma transformação interior que colocará toda a gente na órbita de Deus, numa
atitude de confiança e de abertura a Deus.
A
segunda leitura reforça a mensagem geral da liturgia deste domingo, insistindo
que o cristão deve “revestir-se” de Jesus, renunciar ao egoísmo e ao orgulho e
percorrer o caminho do amor e do dom da vida. Esse caminho faz dos crentes uma
única família de irmãos, iguais em dignidade e herdeiros da vida em plenitude.
Pelo
Batismo, os crentes foram “revestidos de Cristo” e tornaram-se “filhos de
Deus”. Assim, pelo Batismo, os cristãos assumiram a existência do próprio
Cristo e tornaram-se, como Ele, pessoas que renunciaram à vida velha do egoísmo
e do pecado, para viverem a vida nova da entrega a Deus e do amor aos irmãos.
Em todos os crentes circula, agora, a vida do próprio Cristo; essa vida
veste-os completamente, da cabeça aos pés. A “salvação” que Cristo trouxe
significa a igualdade fundamental de todos.
O
Evangelho confronta-nos com a pergunta de Jesus: “e vós, quem dizeis que Eu
sou?” Paralelamente, apresenta o caminho messiânico de Jesus, não como um
caminho de glória e de triunfos humanos, mas como um caminho de amor e de cruz.
“Conhecer Jesus” é aderir a Ele e segui-l’O nesse caminho de entrega, de
doação, de amor total.
O
trecho de hoje começa com a indicação da oração de Jesus. É um dado típico de
Lucas que põe sempre Jesus a rezar antes de um momento fundamental. A oração é
o lugar do reencontro de Jesus com o Pai; depois de rezar, Jesus tem sempre uma
mensagem importante – uma mensagem que vem do Pai – para comunicar aos
discípulos. A questão importante que, no contexto do episódio de hoje, Jesus
tem a comunicar, tem a ver com a questão: “quem é Jesus?”
A
época de Jesus foi uma época de crise profunda para o Povo de Deus; foi,
portanto, uma época em que o sofrimento gerou uma enorme expectativa
messiânica. Asfixiado pela dor que a opressão trazia, o Povo de Deus sonhava
com a chegada desse libertador anunciado pelos profetas – um grande chefe
militar que, com a força das armas, iria restaurar o império de seu pai David e
obrigar os romanos opressores a levantar o jugo de servidão que pesava sobre a
nação. Na época apareceram, aliás, várias figuras que se assumiram como
“enviados de Deus”, criaram à sua volta um clima de ebulição, arrastaram atrás
de si grupos de discípulos exaltados e acabaram, invariavelmente, chacinados
pelas tropas romanas. Jesus é também um destes demagogos, em quem o Povo vê
cristalizada a sua ânsia de libertação?
Aparentemente,
Jesus não é considerado pelas multidões “o messias”: o Povo identifica-o,
preferentemente, com Elias, o profeta que as lendas judaicas consideravam estar
junto de Deus, reservado para o anúncio do grande momento da libertação do Povo
de Deus; talvez a sua postura e a sua mensagem não correspondessem àquilo que
se esperava de um rei forte e vencedor.
Os
discípulos, no entanto, companheiros de “caminho” de Jesus deviam ter uma
perspectiva mais elaborada e amadurecida. De fato, é isso que acontece; por
isso, Pedro não tem dúvidas em afirmar: “Tu és o Cristo de Deus”. Pedro
representa aqui a comunidade dos discípulos – essa comunidade que acompanhou
Jesus testemunhou os seus gestos e descobriu a sua ligação com Deus. Dizer que
Jesus é o “messias” significa reconhecer nele esse “enviado” de Deus, da linha
de Davi, que havia de traduzir em realidade essas esperanças de libertação que
enchiam o coração de todos.
Jesus
não discorda da afirmação de Pedro. Ele sabe, no entanto, que os discípulos
sonhavam com um “messias” político, poderoso e vitorioso e apressa-se a
desfazer possíveis equívocos e a esclarecer as coisas: Ele é o enviado de Deus
para libertar os homens; no entanto, não vai realizar essa libertação pelo
poder das armas, mas pelo amor e pelo dom da vida. No seu horizonte próximo não
está um trono, mas a cruz: é aí, na entrega da vida por amor, que Ele realizará
as antigas promessas de salvação feitas por Deus ao seu Povo.
A
última parte do texto contém palavras destinadas aos discípulos: aos de ontem,
de hoje e de amanhã. Todos são convidados a seguir Jesus, isto é, a tomar –
como Ele – a cruz do amor e da entrega, a derrubar os muros do egoísmo e do
orgulho, a renunciar a si mesmo e a fazer da vida um dom. Isto não deve
acontecer em circunstâncias excepcionais, mas na vida quotidiana “tome a sua
cruz todos os dias”. Desta forma fica definida a existência cristã, “como Jesus
carregar a tua cruz, para poder ressuscitar”. Assim seja! Amém.
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