Irmãos
e irmãs,
Neste
Santo Domingo, revela-se o Espírito Santo, dom de Deus a todos os crentes, o
Espírito dá vida, renova, transforma, constrói comunidade e faz nascer o Novo Homem
e Nova Mulher. É o Espírito Santo que anima e que ilumina a vida da comunidade
e dos fiéis cristãos.
Na
primeira leitura do livro dos Atos dos Apóstolos sugere que o Espírito é a lei
nova que orienta a caminhada dos crentes. É Ele que cria a nova comunidade do
Povo de Deus, que faz com que os homens sejam capazes de ultrapassar as suas
diferenças e comunicar, que une numa mesma comunidade de amor, povos de todas
as raças e culturas.
A
experiência do Espírito é colocada no dia de Pentecostes. O Pentecostes era uma
festa judaica, celebrada cinquenta dias após a Páscoa. Originariamente, era uma
festa agrícola, na qual se agradecia a Deus a colheita; mas, tornou-se a festa
histórica que celebrava a aliança, o dom da Lei no Sinai e a constituição do
Povo de Deus. Ao situar neste dia o dom do Espírito, sugere que o Espírito é a
lei da nova aliança, pois, é Ele que, no
tempo da Igreja, dinamiza a vida dos crentes e que, por Ele, se constitui a
nova comunidade do Povo de Deus – a comunidade messiânica, que viverá da lei
inscrita, pelo Espírito, no coração de cada discípulo.
Assim,
o Espírito é apresentado como “a força de Deus”, através de dois símbolos: o
vento de tempestade e o fogo. São os símbolos da revelação de Deus no Sinai,
quando Deus deu ao Povo a Lei e constituiu Israel como Povo de Deus. Estes
símbolos evocam a força irresistível de Deus, que vem ao encontro do povo,
comunica com o povo e que, dando ao povo o Espírito, constitui a comunidade de
Deus.
O
Espírito, força de Deus, é apresentado em forma de língua de fogo. A língua não
é somente a expressão da identidade cultural de um grupo humano, mas é também a
maneira de comunicar, de estabelecer laços duradouros entre as pessoas, de
criar comunidade. “Falar outras línguas” é criar relações, é a possibilidade de
superar a divisão, o racismo, a marginalização… Aqui, temos o reverso de Babel:
lá, os homens escolheram o orgulho, a ambição desmedida que conduziu à
separação e ao desentendimento; aqui, regressa-se à unidade, à relação, à
construção de uma comunidade capaz do diálogo, do entendimento, da comunicação.
É o surgimento de uma humanidade unida, não pela força, mas pela partilha da
mesma experiência interior, fonte de liberdade, de comunhão, de amor. A
comunidade messiânica é a comunidade onde a ação de Deus, pelo Espírito,
modifica profundamente as relações humanas, levando à partilha, à relação, ao
amor.
A
possibilidade de ouvir na própria língua “as maravilhas de Deus” outra coisa
não é do que a comunicação do Evangelho, que irá gerar uma comunidade
universal. Sem deixarem a sua cultura, as suas diferenças, todos os povos
escutarão a proposta de Jesus e terão a possibilidade de integrar a comunidade
da salvação, onde se fala a mesma língua e onde todos poderão experimentar esse
amor e essa comunhão que tornam povos tão diferentes, irmãos. O essencial passa
a ser a experiência do amor que, no respeito pela liberdade e pelas diferenças,
deve unir todas as nações da terra.
O
Pentecostes dos “Atos” é, podemos dizê-lo, a página programática da Igreja e
anuncia aquilo que será o resultado da ação das “testemunhas” de Jesus: a
humanidade nova, a anti-Babel, nascida da ação do Espírito, onde todos serão
capazes de comunicar e de se relacionar como irmãos, porque o Espírito reside
no coração de todos como lei suprema, como fonte de amor e de liberdade.
Na
segunda leitura, Paulo avisa que o Espírito é a fonte de onde brota a vida da
comunidade cristã. É Ele que concede os dons que enriquecem a comunidade e que
fomenta a unidade de todos os membros; por isso, esses dons não podem ser
usados para benefício pessoal, mas devem ser postos ao serviço de todos.
Em
primeiro lugar, Paulo acha que é preciso saber ajuizar da validade dos dons
carismáticos, para que não se fale em “carismas” a propósito de comportamentos
que pretendem apenas garantir os privilégios de certas figuras. Segundo Paulo,
o verdadeiro “carisma” é o que leva a confessar que “Jesus é o Senhor”, pois,
não pode haver oposição entre Cristo e o Espírito e que é útil para o bem da
comunidade.
De
resto, é preciso que os membros da comunidade tenham consciência de que, apesar
da diversidade de dons espirituais, é o mesmo Espírito que atua em todos; que
apesar da diversidade de funções, é o mesmo Senhor Jesus que está presente em
todos; que apesar da diversidade de ações, é o mesmo Deus que age em todos. Não
há, portanto, “cristãos de primeira” e “cristãos de segunda”. O que é
importante é que os dons do Espírito resultem no bem de todos e sejam usados –
não para melhorar a própria posição ou o próprio “ego” – mas para o bem de toda
a comunidade.
Paulo
conclui o seu raciocínio comparando a comunidade cristã a um “corpo” com muitos
membros. Apesar da diversidade de membros e de funções, o “corpo” é um só. Em
todos os membros circula a mesma vida, pois todos foram batizados num só Espírito
e “beberam” um único Espírito. O Espírito é, pois, apresentado como Aquele que
alimenta e que dá vida ao “corpo de Cristo”; dessa forma, Ele fomenta a coesão,
dinamiza a fraternidade e é o responsável pela unidade desses diversos membros
que formam a comunidade.
O
Evangelho apresenta-nos a comunidade cristã, reunida à volta de Jesus
ressuscitado. Para João, esta comunidade passa a ser uma comunidade viva,
recriada, nova, a partir do dom do Espírito. É o Espírito que permite aos
crentes superar o medo e as limitações e dar testemunho no mundo desse amor que
Jesus viveu até às últimas consequências.
João
começa por pôr em relevo a situação da comunidade. O “anoitecer”, as “portas
fechadas”, o “medo”: é o quadro que reproduz a situação de uma comunidade
desamparada no meio de um ambiente hostil e, portanto, desorientada e insegura.
É uma comunidade que perdeu a sua referência e a sua identidade e que não sabe,
agora, a que se agarrar.
Entretanto,
Jesus aparece “no meio deles”. João indica desta forma que os discípulos,
fazendo a experiência do encontro com Jesus ressuscitado, redescobriram o seu
centro, o seu ponto de referência, a coordenada fundamental à volta do qual a
comunidade se constrói e toma consciência da sua identidade. A comunidade cristã
só existe de forma consistente se está centrada em Jesus ressuscitado.
Jesus
começa por saudá-los, desejando-lhes “a paz”. A “paz” é um dom messiânico; mas,
neste contexto, significa sobretudo a transmissão da serenidade, da
tranquilidade, da confiança, que permitirão aos discípulos superar o medo e a
insegurança: a partir de agora, nem o sofrimento, nem a morte, nem a
hostilidade do mundo poderão derrotar os discípulos, porque Jesus ressuscitado
está “no meio deles”.
Em
seguida, Jesus “mostrou-lhes as mãos e o lado”. São os “sinais” que evocam a
entrega de Jesus, o amor total expresso na cruz. É nesses “sinais”, na entrega
da vida, no amor oferecido até à última gota de sangue que os discípulos
reconhecem Jesus. O fato de esses “sinais” permanecerem no ressuscitado indica
que Jesus será, de forma permanente, o Messias cujo amor se derramará sobre os
discípulos e cuja entrega alimentará a comunidade.
Vem
depois a comunicação do Espírito. O gesto de Jesus de soprar sobre os
discípulos reproduz o gesto de Deus ao comunicar a vida ao homem de argila. Com
o “sopro” de Deus, o homem tornou-se um “ser vivente”; com este “sopro”, Jesus
transmite aos discípulos a vida nova e faz nascer o Homem Novo. Agora, os
discípulos possuem a vida em plenitude e estão capacitados – como Jesus – para
fazerem da sua vida um dom de amor aos homens. Finalmente, Jesus explicita qual
a missão dos discípulos: a eliminação do pecado. As palavras de Jesus não
significam que os discípulos possam ou não – conforme os seus interesses ou a
sua disposição – perdoar os pecados. Significam apenas que os discípulos são
chamados a testemunhar no mundo essa vida que o Pai quer oferecer a todos os
homens. Quem aceitar essa proposta será integrado na comunidade de Jesus; quem
não a aceitar continuará a percorrer caminhos de egoísmo e de morte, isto é, de
pecado. E a comunidade, animada pelo Espírito, será a mediadora desta oferta de
salvação. E os discípulos, animados pelo Espírito, formam a comunidade da nova
aliança e são chamados a testemunhar – com gestos e com palavras – o amor de
Jesus. É muito significativo que o Espírito Santo desça sob os Apóstolos no
mesmo lugar da Instituição da Eucaristia, ou seja, no Cenáculo. Assim, a partir
de Pentecostes, os discípulos, ou seja, a Igreja, formarão o corpo total de
Cristo, serão os continuadores da missão de Jesus, aqueles que, fazendo a
Eucaristia, são por ela transformados no Corpo do Senhor e, desta forma, são
chamados a evangelização e a vivência do amor.
Desta forma, Pentecostes é viver o Cristo e amar ao próximo, sinais da
presença do Espírito Santo entre nós. Assim seja! Amém.
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