quinta-feira, 4 de abril de 2013

O papa que paga as próprias contas



O que convence as pessoas não são as prédicas, mas as práticas. As ideias podem iluminar. Mas são os exemplos que atraem e nos põem em marcha. Eles são logo entendidos por todos. As muitas explicações mais confundem que esclarecem. As práticas falam por si.

O que tem marcado o novo Papa Francisco, aquele “que vem do fim do mundo”, quer dizer de fora dos quadros europeus, tão carregados de tradições, palácios, espetáculos principescos e de disputas internas de poder, são gestos simples, populares, óbvios para quem dá valor ao bom senso comum da vida. Ele está quebrando os protocolos e mostrando que o poder é sempre uma máscara e um teatro, como bem pontualizou o sociólogo Peter Berger, mesmo em se tratando de um poder pretensamente de origem divina.

O Papa Francisco simplesmente obedece ao mandato de Jesus que explicitamente disse: “os grandes deste mundo mandam e dominam, mas com vocês não deve ser assim; se alguém quiser ser grande, seja servidor; quem quiser ser o primeiro, seja servo de todos; pois o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir” (Mc 10-43-45). Bem, se Jesus disse isso, como pode o garante de sua mensagem, o Papa, agir diferentemente?

Na verdade, com a constituição da monarquia absolutista dos Papas, especialmente a partir do segundo milênio, a instituição eclesiástica herdou os símbolos do poder imperial romano e da nobreza feudal: roupas vistosas (como as dos cardeais), ouropéis, cruzes e anéis de ouro e prata e hábitos palacianos. Nos grandes conventos religiosos que vêm da Idade Média se vivia em espaços palacianos.

Como estudante, no quarto em que me hospedava no convento franciscano de Munique, que remonta ao tempo de Guilherme Ockham (século XIV), só um quadro renascentista da parede valia alguns milhares de euros. Como combinar a pobreza do Nazareno, que não tinha onde repousar a cabeça, com as mitras, aos báculos dourados e as estolas e vestes principescas dos atuais prelados? Honestamente, não dá. E o povo, que não é ignorante, mas fino observador, nota esta contradição. Tal aparato nada tem a ver com a Tradição de Jesus e dos Apóstolos.

Segundo alguns jornais, quando o secretário do Conclave quis colocar sobre os ombros do Papa a “mozzetta”, aquela capinha, ricamente adornada, símbolo do poder papal, Francisco simplesmente disse: ”O carnaval acabou; guarde esta roupa”. E apareceu com sua veste branca, como costumava vestir também Dom Helder Câmara, que deixou o palácio colonial de Olinda e foi morar numa meia-água, na igreja das Candeias, na periferia; assim também o fez o Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns; sem falar em Dom Pedro Casaldáliga, que vive numa casinha pobre, compartindo o quarto com algum hóspede.

Para mim o gesto mais simples, honesto e popular do Papa Francisco foi o de ir ao hotelzinho onde se hospedara (nunca se hospedava na grande casa central dos jesuítas em Roma) e foi pagar suas contas: 90 Euros por dia. Entrou e pegou ele mesmo suas roupas, arrumou a malinha, cumprimentou os funcionários e foi embora. Que potentado civil, que opulento milionário, que famoso artista faria tal coisa? Seria maliciar a intenção do bispo de Roma querer ver neste gesto, normal para todos nós mortais, uma intenção populista.

Não fazia a mesma coisa quando era cardeal de Buenos Aires, buscando seu jornal, comprando o que ia preparar para comer, indo de ônibus ou de metrô e preferindo se apresentar como “padre Bergoglio”?

Frei Betto cunhou uma expressão de grande verdade: ”a cabeça pensa a partir de onde os pés pisam”. Efetivamente, se alguém sempre pisa em palácios e em suntuosas catedrais, acaba pensando na lógica dos palácios e das catedrais. Por esta razão, no domingo, celebrou missa na capelinha de Santa Ana, dentro do Vaticano, que é considerada a paróquia romana do Papa. E depois foi conversar com os fiéis à porta.

Coisa notável e carregada de conteúdo teológico: não se apresentou como Papa, mas como “bispo de Roma”. Pediu orações não para o Papa emérito Bento XVI, mas para o bispo emérito de Roma, Joseph Ratzinger. Com isso ele retomou a mais primordial tradição da Igreja, a de considerar o bispo de Roma “o primeiro entre os pares”. Pelo fato de ali estarem sepultados Pedro e Paulo, Roma ganhava especial proeminência. Mas esse poder simbólico e espiritual era exercido no estilo da caridade, e não na forma do poder jurídico exercido sobre as demais igrejas, como predominou no segundo milênio. Não me admiraria absolutamente se, como queria João Paulo I, Papa Francisco resolvesse abandonar o Vaticano e fosse morar num lugar simples, com amplo espaço exterior para receber a visita dos fiéis. Os tempos estão maduros para este tipo de revolução nos costumes papais. E que desafio está representando, para os demais prelados da Igreja, viver a simplicidade voluntária e a sobriedade condividida. 

Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor – em escritos em rede

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