O que
convence as pessoas não são as prédicas, mas as práticas. As ideias podem
iluminar. Mas são os exemplos que atraem e nos põem em marcha. Eles são logo
entendidos por todos. As muitas explicações mais confundem que esclarecem. As
práticas falam por si.
O que tem
marcado o novo Papa Francisco, aquele “que vem do fim do mundo”, quer dizer de
fora dos quadros europeus, tão carregados de tradições, palácios, espetáculos
principescos e de disputas internas de poder, são gestos simples, populares,
óbvios para quem dá valor ao bom senso comum da vida. Ele está quebrando os
protocolos e mostrando que o poder é sempre uma máscara e um teatro, como bem
pontualizou o sociólogo Peter Berger, mesmo em se tratando de um poder
pretensamente de origem divina.
O Papa
Francisco simplesmente obedece ao mandato de Jesus que explicitamente disse:
“os grandes deste mundo mandam e dominam, mas com vocês não deve ser assim; se
alguém quiser ser grande, seja servidor; quem quiser ser o primeiro, seja servo
de todos; pois o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir” (Mc
10-43-45). Bem, se Jesus disse isso, como pode o garante de sua mensagem, o
Papa, agir diferentemente?
Na verdade,
com a constituição da monarquia absolutista dos Papas, especialmente a partir
do segundo milênio, a instituição eclesiástica herdou os símbolos do poder
imperial romano e da nobreza feudal: roupas vistosas (como as dos cardeais),
ouropéis, cruzes e anéis de ouro e prata e hábitos palacianos. Nos grandes
conventos religiosos que vêm da Idade Média se vivia em espaços palacianos.
Como
estudante, no quarto em que me hospedava no convento franciscano de Munique,
que remonta ao tempo de Guilherme Ockham (século XIV), só um quadro
renascentista da parede valia alguns milhares de euros. Como combinar a pobreza
do Nazareno, que não tinha onde repousar a cabeça, com as mitras, aos báculos
dourados e as estolas e vestes principescas dos atuais prelados? Honestamente,
não dá. E o povo, que não é ignorante, mas fino observador, nota esta
contradição. Tal aparato nada tem a ver com a Tradição de Jesus e dos
Apóstolos.
Segundo
alguns jornais, quando o secretário do Conclave quis colocar sobre os ombros do
Papa a “mozzetta”, aquela capinha, ricamente adornada, símbolo do poder papal,
Francisco simplesmente disse: ”O carnaval acabou; guarde esta roupa”. E
apareceu com sua veste branca, como costumava vestir também Dom Helder Câmara,
que deixou o palácio colonial de Olinda e foi morar numa meia-água, na igreja
das Candeias, na periferia; assim também o fez o Cardeal Dom Paulo Evaristo
Arns; sem falar em Dom Pedro Casaldáliga, que vive numa casinha pobre,
compartindo o quarto com algum hóspede.
Para mim o
gesto mais simples, honesto e popular do Papa Francisco foi o de ir ao
hotelzinho onde se hospedara (nunca se hospedava na grande casa central dos
jesuítas em Roma) e foi pagar suas contas: 90 Euros por dia. Entrou e pegou ele
mesmo suas roupas, arrumou a malinha, cumprimentou os funcionários e foi
embora. Que potentado civil, que opulento milionário, que famoso artista faria
tal coisa? Seria maliciar a intenção do bispo de Roma querer ver neste gesto,
normal para todos nós mortais, uma intenção populista.
Não fazia a
mesma coisa quando era cardeal de Buenos Aires, buscando seu jornal, comprando
o que ia preparar para comer, indo de ônibus ou de metrô e preferindo se
apresentar como “padre Bergoglio”?
Frei Betto
cunhou uma expressão de grande verdade: ”a cabeça pensa a partir de onde os pés
pisam”. Efetivamente, se alguém sempre pisa em palácios e em suntuosas
catedrais, acaba pensando na lógica dos palácios e das catedrais. Por esta
razão, no domingo, celebrou missa na capelinha de Santa Ana, dentro do
Vaticano, que é considerada a paróquia romana do Papa. E depois foi conversar
com os fiéis à porta.
Coisa
notável e carregada de conteúdo teológico: não se apresentou como Papa, mas
como “bispo de Roma”. Pediu orações não para o Papa emérito Bento XVI, mas para
o bispo emérito de Roma, Joseph Ratzinger. Com isso ele retomou a mais
primordial tradição da Igreja, a de considerar o bispo de Roma “o primeiro
entre os pares”. Pelo fato de ali estarem sepultados Pedro e Paulo, Roma
ganhava especial proeminência. Mas esse poder simbólico e espiritual era
exercido no estilo da caridade, e não na forma do poder jurídico exercido sobre
as demais igrejas, como predominou no segundo milênio. Não me admiraria
absolutamente se, como queria João Paulo I, Papa Francisco resolvesse abandonar
o Vaticano e fosse morar num lugar simples, com amplo espaço exterior para
receber a visita dos fiéis. Os tempos estão maduros para este tipo de revolução
nos costumes papais. E que desafio está representando, para os demais prelados
da Igreja, viver a simplicidade voluntária e a sobriedade condividida.
Leonardo Boff, teólogo, filósofo e
escritor – em escritos em rede
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