sábado, 3 de março de 2012

"Só um Deus nos poderá salvar"



“Só um Deus nos poderá salvar”
Esta frase não vem de algum Papa, mas de Martin Heidegger (1889-1976), um dos mais profundos filósofos alemães do século XX, num entrevista dada ao semanário Der Spiegel no dia 23 de setembro de 1966, mas somente publicada no dia 31 de maio de 1976, uma semana após a sua morte. Heidegger sempre foi um observador atento dos destinos amedrontadores de nossa civilização tecnológica. Para ele a tecnologia, como intervenção na dinâmica natural do mundo para benefício humano, penetrou de tal maneira em nosso modo de ser que se transformou numa segunda natureza.
Hoje em dia não podemos nos imaginar sem o vasto aparato tecnocientífico sobre o qual está assentada nossa civilização. Mas ela é dominada por uma compulsão oportunística, que se traduz pela fórmula: se podemos fazer, também nos é permitido fazer, sem qualquer outra consideração ética. As armas de destruição em massa surgiram desta atitude. Se existem, por que não usá-las?
Para o filósofo, uma técnica assim sem consciência, é a mais lídima expressão de nosso paradigma e de nossa mentalidade, nascidos nos primórdios da modernidade, no século XVI, cujas raízes, no entanto, se encontram já na clássica metafísica grega. Esta mentalidade se orienta pela exploração, pelo cálculo, pela mecanização e pela eficiência aplicada em todos os âmbitos, mas principalmente nas relações com a natureza. Essa compreensão entrou em nós de tal maneira que reputamos a tecnologia como a panacéia para todos os nossos problemas. Inconscientemente nos definimos contra a natureza que deve ser dominada e explorada. Nós mesmos nos fizemos objeto de ciência, a serem manipulados, assim como nossos órgãos e até nossos genes.
Criou-se um divórcio, entre ser humano e natureza, que se revela pela crescente degradação ambiental e social. A manutenção e a aceleração deste processo tecnológico, segundo Heidegger, pode nos levar a uma eventual autodestruição. A máquina de morte já está construída há decênios.
Para sair desta situação não são suficientes apelos éticos e religiosos, muito menos a simples boa-vontade. Trata-se de um problema metafísico, quer dizer, de um modo de ver e de pensar a realidade. Colocamo-nos num trem que corre célere sobre dois trilhos e não temos como pará-lo. E ele está indo ao encontro de um abismo lá na frente. Que fazer? Eis a questão.
Se quiséssemos, teríamos, em nossa tradição cultural, uma outra mentalidade: a dos pré-socráticos, como Heráclito -dentre outros, os quais ainda viam a conexão orgânica entre ser humano e natureza, entre o divino e o terreno, e alimentavam um sentido de pertença a um Todo maior. O saber não estava a serviço do poder, mas da vida e da contemplação do mistério do ser. Também toda a reflexão contemporânea sobre o novo paradigma cosmológico-ecológico vê a unidade e a complexidade do único e grande processo da evolução, do qual todos os seres são emergências e interdependentes. Mas esse caminho nos é vedado pelo excesso de tecnociência, de racionalidade calculatória, e pelos imensos interesses econômicos das grandes corporações que vivem
deste status quo.
Para onde vamos? É neste contexto de indagações que Heidegger pronunciou a famosa e profética sentença: ”A filosofia não poderá realizar diretamente nenhuma mudança da atual situação do mundo. Isso vale não apenas para a filosofia, mas principalmente para toda a atividade de pensamento humano. Somente um Deus nos pode salvar (Nur noch ein Gott kann uns retten). Para nós resta a única possibilidade no campo do pensamento e da poesia, que é preparar uma disposição para o aparecimento de Deus, ou para a ausência de Deus em tempo de ocaso (Untergrund); pois, nós, em face do Deus ausente, vamos desaparecer”.
O que Heidegger afirma está sendo também gritado por notáveis pensadores, cientistas e ecólogos. Ou mudamos de rumo, ou a nossa civilização põe em risco o seu futuro. A nossa atitude é de abertura a um advento de Deus, aquela Energia poderosa e amorosa que sustenta cada ser e o inteiro universo. Ele nos poderá salvar. Essa atitude é bem representada pela gratuidade da poesia e do livre pensar. Como Deus, segundo as Escrituras, é “o soberano amante da vida” (Sabedoria 11,24), esperamos que não permita um fim trágico para o ser humano. Este existe para brilhar, conviver e ser feliz.

Leonardo Boff é autor do livro “Proteger a Terra-Cuidar da vida: como evitar o fim do mundo”, Record, Rio de Janeiro, 2010.


Há uma mudança em curso e, este nova paradigma de civilização

deve fazer parte do nosso trabalho missionário e evangelizador

Deus-amor convida-nos a sermos humano e natureza,

seres com identidade e pertença na vida plena.

palavraemmim.blogspot.com






Nenhum comentário:

Postar um comentário

Palavra em mim agradece, pois seu comentário é muito importante para a nossa caminhada dialógica.
Obrigado!