quinta-feira, 22 de julho de 2010

Diálogo Freireano


“- Muito bem - disse eu a eles. - Eu sei. Vocês não sabem. Mas o que eu sei e vocês não sabem?


- O senhor sabe porque é doutor. Nós, não.


- Exato, eu sou doutor. Vocês não. Mas, porque eu sou doutor e vocês não?


- Porque foi à escola, tem leitura, tem estudo e nós, não.


- Por que fui à escola?


- Porque seu pai pôde mandar o senhor à escola. O nosso, não.


- E por que os pais de vocês não puderam mandar vocês à escola?


- Porque eram camponeses como nós.


- E o que é ser camponês?


- É não ter educação, posses, trabalhar de sol a sol sem ter direitos, esperança de um dia melhor.


- E por que ao camponês falta tudo isso?


- Porque Deus quer. E quem é Deus? É o Pai de todos nós.


- E quem é pai aqui nesta reunião?


Quase todos de mãos para cima, disseram que o eram.


Olhando o grupo todo em silêncio, me fixei num deles e lhe perguntei: - Quantos filhos você tem?


- Três.


- Você seria capaz de sacrificar dois deles submetendo-os a sofrimentos para que o terceiro estudasse, com vida boa no Recife? Você seria capaz de amar assim?


- Não.


- Se você – disse eu - , homem de carne e osso, não é capaz de fazer uma injustiça desta, como é possível entender que Deus o faça? Será mesmo que Deus é o fazedor dessas coisas?


Um silêncio diferente, completamente diferente do anterior, um silêncio no qual algo começava a ser praticado. Em seguida:


Não. Não é Deus o fazedor disso tudo. É o patrão.”


(Pedagogia da Esperança, Paz e Terra, 1992)

Um comentário:

  1. Q texto lindo...não o conhecia, mas pude aprender tanto com ele.
    Como o próprio Freire dissera: Não há saber mais ou saber menos, há saber diferentes.
    Quanta sabedoria nesses camponeses ...
    Mais uma belíssima postagem!

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