Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo convida os que creem a prescindir da “sabedoria do mundo” e a
escolher a “sabedoria de Deus”. Só a “sabedoria de Deus” o acesso à vida plena,
à felicidade sem fim.
A
primeira leitura avisa que escolher a “sabedoria de Deus” provocará o ódio do
mundo. Contudo, o sofrimento não pode desanimar os que escolhem a “sabedoria de
Deus”: a perseguição é a consequência natural da sua coerência de vida.
Por
detrás do confronto entre o “ímpio” e o “justo”, está o confronto entre a
“sabedoria do mundo” e a “sabedoria de Deus”. Trata-se de duas realidades em
permanente choque de interesses e diante das quais temos, tantas vezes, de
fazer a nossa opção. Quem escolhe a “sabedoria de Deus”, não tem uma vida
fácil. Será incompreendido, caluniado, desautorizado, perseguido, torturado…
Contudo, o sofrimento não pode desanimar os que escolhem a “sabedoria de Deus”:
a perseguição é a consequência natural da sua coerência de vida. No entanto,
trata-se de uma “sabedoria” que leva ao encontro da verdadeira felicidade, da
verdadeira realização, da vida plena.
A
segunda leitura exorta aos crentes a viverem de acordo com a “sabedoria de
Deus”, pois só ela pode conduzir o homem ao encontro da vida plena. Ao
contrário, uma vida conduzida segundo os critérios da “sabedoria do mundo” irá
gerar violência, divisões, conflitos, infelicidade, morte
O
Batismo é, para todos os que creem, o momento da opção por Cristo e pela
proposta de vida nova que Ele veio apresentar; é o momento em que escolhem a
“sabedoria de Deus” e passam a conduzir a sua vida pelos critérios de Deus. A
partir desse momento, a vida dos que creem, confirmada nos outros sacramentos,
deve ser expressão da vida de Deus, dos valores de Deus, do amor de Deus.
No
entanto, muitos batizados continuam a conduzir a sua vida de acordo com a
“sabedoria do mundo”. Passam, com indiferença, ao lado dos desafios que Deus
faz, instalam-se no egoísmo e na autossuficiência, vivem para o “ter”, deixam
que a sua existência seja dirigida por critérios de ambição e de ganância,
recusam-se a fazer da sua vida uma partilha generosa com os irmãos… Nós, os
cristãos, temos de estar permanentemente num processo de conversão para que a
“sabedoria do mundo” não ocupe todo o nosso coração e não nos impeça de atingir
a vida plena.
O
Evangelho apresenta-nos uma história de confronto entre a “sabedoria de Deus” e
a “sabedoria do mundo”. Jesus, imbuído da lógica de Deus, está disposto a
aceitar o projeto do Pai e a fazer da sua vida um dom de amor; os discípulos,
imbuídos da lógica do mundo, não têm dificuldade em entender essa opção e em
comprometer-se com esse projeto. Jesus avisa-os, contudo, de que só há lugar na
comunidade cristã para quem escuta os desafios de Deus e aceita fazer da vida
um serviço aos irmãos, particularmente aos humildes, aos pequenos, aos pobres.
O
texto divide-se em duas partes. Na primeira, Jesus anuncia a sua próxima
paixão, em Jerusalém; na segunda, Jesus ensina aos discípulos a lógica do
Reino: o maior, é aquele que se faz servo de todos.
Na
primeira parte, Marcos põe na boca de Jesus um segundo anúncio da sua paixão,
morte e ressurreição, com palavras ligeiramente diferentes do primeiro anúncio,
mas com o mesmo conteúdo. As palavras de Jesus denotam tranquilidade e uma
serena aceitação desses fatos que irão concretizar-se num futuro próximo. Jesus
recebeu do Pai a missão de propor um caminho de realização plena, de felicidade
sem fim; e Ele vai fazê-lo, mesmo que isso passe pela cruz. A serenidade de
Jesus vem-Lhe da total aceitação e da absoluta conformidade com os projetos do
Pai.
Os
discípulos mantêm-se num estranho silêncio diante deste anúncio. Marcos explica
que eles não entendem a linguagem de Jesus e que têm medo de O interrogar. As
palavras de Jesus são claras; o que não é claro, para a mentalidade desses
discípulos, é que o caminho do Messias tenha de passar pela cruz e pelo dom da
vida. A morte, na perspectiva dos discípulos, não pode ser caminho para a
vitória. O “não entendimento” é, aqui, o mesmo que discordância: intimamente,
eles discordam do caminho que Jesus escolheu seguir, pois acham que o caminho
da cruz é um caminho de fracasso. Apesar de discordarem de Jesus eles não se atrevem,
contudo, a criticá-l’O. Provavelmente recordam a dura reação de Jesus quando
Pedro, logo a seguir ao primeiro anúncio da paixão, Lhe recomendou que não
aceitasse o projeto do Pai.
A
segunda parte situa-nos em Cafarnaum. A cena começa com uma pergunta de Jesus:
“Que discutíeis pelo caminho?”. O contexto sugere que Jesus sabe claramente
qual tinha sido o tema da discussão. Provavelmente, captou qualquer coisa da
conversa e ficou à espera da oportunidade certa – na tranquilidade da “casa” –
para esclarecer as coisas e para continuar a instrução dos discípulos.
Só
neste ponto Marcos informa os seus leitores de que os discípulos tinham
discutido, pelo caminho, “sobre qual deles era o maior”. O problema da
hierarquização dos postos e das pessoas era um problema sério na sociedade
palestina de então. Os discípulos estavam profundamente imbuídos desta lógica.
Uma vez que se aproximava o triunfo do Messias e iam ser distribuídos os
postos-chave na cadeia de poder do reino messiânico, convinha ter o quadro
hierárquico claro. Apesar do que Jesus lhes tinha dito pouco antes acerca do
seu caminho de cruz, os discípulos recusavam-se a abandonar os seus próprios
sonhos materiais e a sua lógica humana.
Jesus
ataca o problema de frente e com toda a clareza, pois, o que está em jogo afeta
a essência da sua proposta. Na comunidade de Jesus não há uma cadeia de
grandeza, com uns no cimo e outros na base… Na comunidade de Jesus, só é grande
aquele que é capaz de servir e de oferecer a vida aos seus irmãos. Dessa forma,
Jesus deita por terra qualquer pretensão de poder, de domínio, de grandeza, na
comunidade do Reino. O discípulo que raciocinar em termos de poder e de
grandeza, isto é, segundo a lógica do mundo está a subverter a ordem do Reino.
Jesus
completa a instrução aos discípulos com um gesto… Toma uma criança, coloca-a no
meio do grupo, abraça-a e convida os discípulos a acolherem as “crianças”, pois,
quem acolhe uma criança acolhe o próprio Jesus e acolhe o Pai. Eram, portanto,
um símbolo dos débeis, dos pequenos, dos sem direitos, dos pobres, dos
indefesos, dos insignificantes, dos marginalizados. São esses, precisamente,
que a comunidade de Jesus deve abraçar. No contexto da conversa que Jesus está
a ter com os discípulos, o gesto de Jesus significa o seguinte: o discípulo de
Jesus é grande, não quando tem poder ou autoridade sobre os outros, mas quando
abraça, quando ama, quando serve os pequenos, os pobres, os marginalizados,
aqueles que o mundo rejeita e abandona. No pequeno e no pobre que a comunidade
acolhe, é o próprio Jesus, que também foi pobre, débil, indefeso, que Se torna
presente. Nós, os seguidores de Jesus, não podemos, de forma alguma, pactuar
com a “sabedoria do mundo”; e uma Igreja que se organiza e estrutura tendo em
conta os esquemas do mundo não é a Igreja de Jesus.
As
palavras de Jesus não deixam qualquer dúvida: “quem quiser ser o primeiro, será
o último de todos e o servo de todos”. Na comunidade cristã, a única grandeza é
a grandeza de quem, com humildade e simplicidade, faz da própria vida um
serviço aos irmãos. Na comunidade cristã não há donos, nem grupos
privilegiados, nem pessoas mais importantes do que as outras, nem distinções
baseadas no dinheiro, na beleza, na cultura, na posição social… Na comunidade
cristã há irmãos iguais, a quem a comunidade confia serviços diversos em vista
do bem de todos. Aquilo que nos deve mover é a vontade de servir, de partilhar
com os irmãos os dons que Deus nos concedeu. Assim seja! Amém.
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