Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo apresenta várias sugestões para que os que creem possam purificar
a sua opção e integrar, de forma plena e total, a comunidade do Reino. Uma das
sugestões mais importantes é a de que os que creem não pretendam ter o
exclusivo do bem e da verdade, mas sejam capazes de reconhecer e aceitar a
presença e a ação do Espírito de Deus através de tantas pessoas boas que não
pertencem à instituição Igreja, mas que são sinais vivos do amor de Deus no
meio do mundo.
A
primeira leitura, recorrendo a um episódio da marcha do Povo de Deus pelo
deserto, ensina que o Espírito de Deus sopra onde quer e sobre quem quer, sem
estar limitado por regras, por interesses pessoais ou por privilégios de grupo.
O verdadeiro crente é aquele que, como Moisés, reconhece a presença de Deus nos
gestos proféticos que vê acontecer à sua volta.
A
comunidade do Povo de Deus é a comunidade do Espírito. O Espírito não é
privilégio dos membros da hierarquia; mas está bem vivo e bem presente em todos
aqueles que abrem o coração aos dons de Deus e que aceitam comprometer-se com
Jesus e com o seu projeto de vida. Mesmo o irmão mais humilde, mais pobre,
menos considerado da nossa comunidade possui o Espírito de Deus.
Assim,
não temos que sentir-nos melindrados ou ciumentos se Deus age no mundo através
de pessoas que não pertencem à nossa Igreja; temos é de reconhecer a presença
de Deus nos gestos de amor, de paz, de justiça, de solidariedade, de partilha
que todos os dias testemunhamos, mesmo naqueles que se dizem ateus e agradecer
ao nosso Deus a sua presença, a sua ação, o seu amor pelos homens e mulheres e
pelo mundo.
A
segunda leitura convida os que creem a não colocarem a sua confiança e a sua
esperança nos bens materiais, pois, eles são valores perecíveis e que não
asseguram a vida plena. Mais, as injustiças cometidas por quem faz da
acumulação dos bens materiais a finalidade da sua existência afastá-lo-ão da
comunidade dos eleitos de Deus.
O
autor da Carta de Tiago critica os ricos, em primeiro lugar porque eles vivem
apenas para acumular bens materiais, negligenciando os verdadeiros valores.
Fazem do ouro e da prata os seus deuses e centram toda a sua existência em
valores caducos e perecíveis. No final da sua existência vão perceber que
gastaram a vida a correr atrás de algo que não dá felicidade nem conduz-nos à
vida plena.
Não
é cristão quem não paga o salário justo aos seus operários, mesmo que ofereça
depois somas chorudas para a construção de uma igreja; não é cristão quem
especula com os bens de primeira necessidade, mesmo que vá todos os domingos à
missa e pertença a vários grupos paroquiais; não é cristão quem inventa
esquemas para não pagar impostos, mesmo que seja muito amigo do padre da
paróquia; não é cristão quem se aproveita da ignorância e da miséria para
realizar negócios altamente rentáveis, mesmo que pense repartir com Deus os
frutos das suas rapinas…Nós, os cristãos, somos chamados a testemunhar que a
vida verdadeira brota dos valores eternos – esses valores que Deus nos propõe.
No
Evangelho temos uma instrução, através da qual Jesus procura ajudar aos
discípulos a situarem-se na órbita do Reino. Nesse sentido, convida-os a
constituírem uma comunidade que, sem arrogância, sem ciúmes, sem presunção de
posse exclusiva do bem e da verdade, procura acolher, apoiar e estimular todos
aqueles que atuam em favor da libertação dos irmãos; convida-os também a não
excluírem da dinâmica comunitária os pequenos e os pobres; convida-os ainda a
arrancarem da própria vida todos os sentimentos e atitudes que são
incompatíveis com a opção pelo Reino.
O
tema principal aparece na primeira parte do Evangelho… Refere-se à necessidade
de a comunidade cristã ser uma comunidade aberta, acolhedora, tolerante, capaz
de aceitar como sinais de Deus os gestos libertadores que acontecem no mundo.
Nos
primeiros versículos deste texto, João, desta vez o porta-voz do grupo, queixa-se
pelo fato de terem encontrado alguém a “expulsar demônios” em nome de Jesus,
embora não pertencesse ao grupo dos discípulos; considerando um abuso a
utilização do nome de Jesus por parte de alguém que não fazia parte da
comunidade messiânica, os discípulos procuraram impedi-l’O de atuar.
A
atitude dos discípulos mostra, antes de mais, arrogância, sectarismo,
intransigência, intolerância, ciúmes, mesquinhez, pretensão de monopolizar
Jesus e a sua proposta, presunção de serem os donos exclusivos do bem e da verdade…
Mas, por detrás da reação dos discípulos, deve estar também uma grande
preocupação com a concretização dos projetos pessoais de prestígio e grandeza
que quase todos eles alimentavam.
Jesus
procura levar aos discípulos a ultrapassar esta visão sectária e egoísta da
missão. Na perspectiva de Jesus, quem luta pela justiça e faz obras em favor do
“homem”, está do lado de Jesus e vive na dinâmica do Reino, mesmo que não
esteja formalmente dentro da estrutura eclesial. A comunidade de Jesus não pode
ser uma comunidade fechada, exclusivista, monopolizadora, que atua e sente
ciúmes quando alguém de fora faz o bem; nem pode sentir-se atingida nos seus
privilégios e direitos pelo facto de o Espírito de Deus atuar fora das
fronteiras da Igreja… A comunidade de Jesus deve ser uma comunidade que põe,
acima dos seus interesses, a preocupação com o bem de todos (as); e deve ser
uma comunidade que sabe acolher, apoiar e estimular todos aqueles que atuam em
favor da libertação dos irmãos.
Na
segunda parte do nosso texto, temos outros “ditos” de Jesus que abordam outros
temas. Constituem também indicações aos discípulos sobre as atitudes a assumir
para integrar plenamente a comunidade do Reino. Nesses “ditos”, são usadas
imagens fortes, expressivas, hiperbólicas, bem ao gosto dos pregadores da
época, destinadas a impressionar profundamente os ouvintes. Não são expressões
para traduzir à letra; mas são expressões que pretendem marcar a necessidade de
fazer escolhas acertadas, de optar com radicalidade pelos valores do Reino.
O
primeiro desses “ditos” é um aviso àqueles que “escandalizam” os “pequeninos”. Os
“pequeninos” de que Jesus fala são os membros da comunidade que estão numa
situação de dependência, de debilidade, de necessidade… Os membros da
comunidade do Reino devem, portanto, abster-se de qualquer atitude que possa
afastar alguém, especialmente os pequenos, os débeis, os pobres, da adesão a
Jesus e ao caminho que Ele veio propor.
O
segundo “dito” de Jesus refere-se à absoluta necessidade de arrancar da própria
vida todos os sentimentos e atitudes que são incompatíveis com a opção por
Cristo e pela sua proposta. Quando Jesus fala em cortar a mão, a mão é, nesta
cultura, o órgão da ação, através do qual se concretizam os desejos que nascem
no coração, ou de cortar o pé ou de arrancar o olho que é ocasião de pecado, o
olho é, nesta cultura, o órgão que dá entrada aos desejos, está a sublinhar,
com toda a veemência, a necessidade de atuar, lá onde as ações más têm origem e
eliminar na fonte as raízes do mal.
O
Evangelho deste domingo apresenta-nos um grupo de discípulos ainda muito
atrasados na aprendizagem do “caminho do Reino”. Eles ainda raciocinam em
termos de lógica do mundo e têm dificuldade em libertar-se dos seus interesses
egoístas, dos seus esquemas pessoais, dos seus preconceitos, dos seus sonhos de
grandeza e poder… Eles não querem entender que, para seguir Jesus, é preciso
cortar com certos sentimentos e atitudes que são incompatíveis com a
radicalidade que a opção pelo Reino exige. As dificuldades que estes discípulos
apresentam no sentido de responder a Jesus não nos são estranhas: também fazem
parte da nossa vida e do caminho que, dia a dia, percorremos… Assim, a
instrução que, neste texto, Jesus dirige aos seus discípulos serve-nos também a
nós. As propostas de Jesus destinam-se aos discípulos de todas as épocas;
pretendem ajudar-nos a purificar a nossa opção e a integrar, de forma plena, a
comunidade do Reino.
O
verdadeiro discípulo não tem inveja do bem que outros fazem, não sente ciúmes
se Deus atua através de outras pessoas, não pretende ter o monopólio da verdade
nem ter o exclusivo de Jesus. O verdadeiro discípulo esforça-se, cada dia, por
testemunhar os valores do Reino e alegra-se com os sinais da presença de Deus
em tantos irmãos com outros percursos religiosos, que lutam por construir um
mundo mais justo e mais fraterno. Que neste mês da Palavra, a presença de
Jesus, possa ensinar-nos a humildade, o serviço, a disponibilidade, o amor,
pois, “os preceitos do Senhor alegram o coração”. Assim seja! Amém.
Belo como sempre!
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