Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo diz-nos que o caminho da realização plena passa pela obediência
aos projetos de Deus e pelo dom total da vida aos irmãos. Ao contrário do que o
mundo pensa, esse caminho não conduz ao fracasso, mas à vida verdadeira, à
realização plena.
A
primeira leitura apresenta-nos um profeta anônimo, chamado por Deus a
testemunhar a Palavra da salvação e que, para cumprir essa missão, enfrenta a
perseguição, a tortura, a morte. Contudo, o profeta está consciente de que a
sua vida não foi um fracasso: quem confia no Senhor e procura viver na
fidelidade ao seu projeto, triunfará sobre a perseguição e a morte. Os
primeiros cristãos viram neste “servo de Javé” a figura de Jesus.
E
o exemplo de Jesus mostra que uma vida colocada ao serviço dos projetos de Deus
não termina no fracasso, mas na ressurreição que gera vida nova. É preciso
abraçar, com coragem e coerência o projeto que Deus nos confia, mesmo quando
esse projeto se cumpre no meio da oposição do mundo; é preciso deixarmo-nos
desafiar por Deus e acolher, com generosidade, as propostas que Ele nos faz; é
preciso assumirmos o papel que Deus nos chama a desempenhar e empenharmo-nos na
transformação do mundo.
A
segunda leitura lembra-nos que o seguimento de Jesus não se concretiza com
belas palavras ou com teorias muito bem elaboradas, mas com gestos concretos de
amor, de partilha, de serviço, de solidariedade para com os irmãos.
Por
vezes, há uma profunda dicotomia, nas nossas vidas pessoais, entre a fé e a
vida. O nosso compromisso cristão traduz-se na participação certa nas
eucaristias dominicais, na oferta de quantias para as obras da igreja, na
participação destacada em manifestações públicas de religiosidade, na pertença
a movimentos eclesiais… e mais nada. Depois, na vida do dia a dia, praticamos
injustiças, pactuamos com esquemas de corrupção, tratamos com pouca caridade
aqueles que vivem ao nosso lado, passamos indiferentes diante das necessidades
e dores dos irmãos, marginalizamos aqueles de quem não gostamos, demitimo-nos
das nossas responsabilidades na construção de um mundo novo e melhor…
A
adesão a Jesus e ao seu projeto (fé) significa estar disposto a acolher essa
vida nova e plena que Deus, gratuitamente e sem condições, lhe oferece
(salvação). Esta vida, interiorizada e assumida, tem de transparecer em gestos
de amor, de solidariedade, de fraternidade, de serviço, de partilha, de perdão.
A vivência da fé tem, portanto, de se traduzir na vida do dia a dia,
especialmente na forma como se vive a relação com esses irmãos com quem nos
cruzamos nos caminhos do mundo. Quando um irmão tem fome, ou não tem que
vestir, ou está a sofrer, é preciso ir ao seu encontro e manifestar-lhe, com
gestos concretos, o nosso amor, a nossa solidariedade, a nossa fraternidade. A
nossa religião tem de manifestar-se na vida e tem de transparecer nos nossos
gestos.
No
Evangelho, Jesus é apresentado como o Messias libertador, enviado ao mundo pelo
Pai para oferecer o caminho da salvação e da vida plena. Cumprindo o plano do
Pai, Jesus mostra aos discípulos que o caminho da vida verdadeira não passa
pelos triunfos e êxitos humanos, mas pelo amor e pelo dom da vida. até à morte,
se for necessário. Jesus vai percorrer esse caminho; e quem quiser ser seu discípulo,
tem de aceitar percorrer um caminho semelhante.
Assim,
o nosso texto apresenta, portanto, duas partes bem distintas. Na primeira,
Pedro dá voz à comunidade dos discípulos e constata que Jesus é o Messias
libertador que Israel esperava; na segunda, Jesus explica aos discípulos que a
sua missão messiânica deve ser entendida à luz da cruz, isto é, como dom da
vida, por amor.
A
primeira parte do nosso texto começa com Jesus a pôr uma dupla questão aos
discípulos: o que é que as pessoas dizem d’Ele e o que é que os próprios
discípulos pensam d’Ele?
A
opinião dos “homens” vê Jesus em continuidade com o passado, “João Batista”, “Elias”,
ou “algum dos profetas”. Não captam a condição única de Jesus, a sua novidade,
a sua originalidade. Reconhecem apenas que Jesus é um homem convocado por Deus
e enviado ao mundo com uma missão – como os profetas do Antigo Testamento… Mas
não vão além disso. A opinião dos discípulos acerca de Jesus vai muito além da
opinião comum. Pedro, porta-voz da comunidade dos discípulos, resume o sentir
da comunidade do Reino na expressão: “Tu és o Messias”. Dizer que Jesus é o
“Messias”, o Cristo, significa dizer que Ele é esse libertador que Israel
esperava, enviado por Deus para libertar o seu Povo e para lhe oferecer a
salvação definitiva.
A
resposta de Pedro estava correta. No entanto, podia prestar-se a graves
equívocos, numa altura em que o título de Messias estava conotado com
esperanças político-nacionalistas. Por isso, os discípulos recebem ordens para
não falarem disso a ninguém. Era preciso clarificar, depurar e completar a
catequese sobre o Messias e a sua missão, para evitar perigosos equívocos. É
isso que Jesus vai fazer, logo em seguida.
Na
segunda parte do nosso texto, há duas questões. A primeira é a explicação dada
pelo próprio Jesus de que o seu messianismo passa pela cruz; a segunda é uma
instrução sobre o significado e as exigências de ser discípulo de Jesus.
Jesus
começa, portanto, por anunciar que o seu caminho vai passar pelo sofrimento e pela
morte na cruz. Pedro não está de acordo com este final e opõe-se, decididamente,
a que Jesus caminhe em direção ao seu destino de cruz. A oposição de Pedro e
dos discípulos, pois, Pedro continua a ser o porta-voz da comunidade, significa
que a sua compreensão do mistério de Jesus ainda é muito imperfeita. Para ele,
a missão do “messias, Filho de Deus” é uma missão gloriosa e vencedora; e, na
lógica de Pedro – que é a lógica do mundo – a vitória não pode estar na cruz e
no dom da vida.
Jesus
dirige-se a Pedro com alguma dureza, pois, é preciso que os discípulos corrijam
a sua perspectiva de Jesus e do plano do Pai que Ele vem realizar. O plano de
Deus não passa por triunfos humanos, nem por esquemas de poder e de domínio;
mas o plano do Pai passa pelo dom da vida e pelo amor até às últimas
consequências, de que a cruz é a expressão mais radical. Ao pedir a Jesus que
não embarque nos projetos do Pai, Pedro está a repetir essas tentações que
Jesus experimentou no início do seu ministério; por isso, Jesus responde a
Pedro: “Vai-te, Satanás”. As palavras de Pedro pretendem desviar Jesus do
cumprimento dos planos do Pai; e Jesus não está disposto a transigir com
qualquer proposta que O impeça de concretizar, com amor e fidelidade, os projetos
de Deus.
Depois
de anunciar o seu destino, Jesus convida os seus discípulos a seguir um
percurso semelhante… Quem quiser ser discípulo de Jesus, tem de “renunciar a si
mesmo”, “tomar a cruz” e seguir Jesus no caminho do amor, da entrega e do dom
da vida. O cristão não pode viver fechado em si próprio, preocupado apenas em
concretizar os seus sonhos pessoais, projetos de riqueza, segurança, bem estar,
domínio, êxito, triunfo… O cristão deve fazer da sua vida um dom generoso a
Deus e aos irmãos. Só assim ele poderá ser discípulo de Jesus e integrar a
comunidade do Reino.
O
que é que significa “tomar a cruz” de Jesus e segui-lo’? “Tomar a cruz” é ser capaz de gastar a vida –
de forma total e completa – por amor a Deus e para que os irmãos sejam mais
felizes. Em seguida, Jesus explica aos discípulos as razões pelas quais eles
devem abraçar a “lógica da cruz”. Convida-os a entender que oferecer a vida por
amor não é perdê-la, mas ganhá-la. Quem é capaz de dar a vida a Deus e aos
irmãos, não fracassou; mas ganhou a vida eterna, a vida verdadeira que Deus
oferece a quem vive de acordo com as suas propostas.
A
identidade cristã constrói-se à volta de Jesus e da sua proposta de vida. Que
nenhum de nós tenha dúvidas: ser cristão é bem mais do que ser batizado, ter
casado na igreja, organizar a festa do santo padroeiro da paróquia, ou dar-se
bem com o padre… Ser cristão é, essencialmente, seguir Jesus no caminho do amor
e do dom da vida. O cristão é aquele que faz de Jesus a referência fundamental
à volta da qual constrói toda a sua existência, o seguidor de Jesus é aquele
que está disposto a dar a vida para que os seus irmãos sejam mais livres e mais
felizes, que renuncia a si mesmo e que toma a mesma cruz de Jesus. Assim seja! Amém.
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