Irmãos
e irmãs
Este
Santo Domingo repete, no essencial, a mensagem das leituras do passado domingo.
Assegura-nos que Deus está empenhado em oferecer ao seu Povo o alimento que dá
a vida eterna e definitiva.
A
primeira leitura dá-nos conta da preocupação de Deus em oferecer ao seu Povo,
com solicitude e amor, o alimento que dá vida. A ação de Deus não vai, apenas,
no sentido de satisfazer a fome física do seu Povo; mas pretende também (e
principalmente) ajudar o Povo a crescer, a amadurecer, a superar mentalidades
estreitas e egoístas, a sair do seu fechamento e a tomar consciência de outros
valores.
As
“saudades” que os israelitas sentem do Egito, onde estavam “sentados junto de
panelas de carne” e tinham “pão com fartura”, revelam a realidade de um Povo
acomodado à escravidão, instalado tranquilamente numa vida sem perspectivas e
sem saída, incapaz de arriscar, de enfrentar a novidade, de querer mais, de
aceitar a liberdade que se constrói na luta e no risco. Esta mentalidade de
escravidão continua, bem viva, no nosso mundo… É a mentalidade daqueles que
vivem obcecados pelo “ter” e que são capazes de renunciar à sua dignidade para
acumular bens materiais ... A Palavra de Deus que nos é proposta diz-nos: o
nosso Deus não Se conforma com a resignação, o comodismo, a instalação, a
mediocridade que fazem de nós escravos e que nos impedem de chegar à vida
verdadeira, plenamente vivida e assumida; Ele vem ao nosso encontro,
desafia-nos a ir mais além, aponta-nos caminhos, convida-nos a crescer e a dar passos
firmes e seguros em direção à liberdade e à vida nova… E, durante o caminho,
nunca estaremos sozinhos, pois Ele vai ao nosso lado.
A
ideia de que Deus dá ao seu Povo, dia a dia, o pão necessário para a
subsistência, proibindo “juntar” mais do que o necessário para cada dia, pretende
ajudar o Povo a libertar-se da tentação do “ter”, da ganância, da ambição
desmedida. É um convite, também a nós, a não nos deixarmos dominar pelo desejo
descontrolado de posse dos bens, a libertarmos o nosso coração da ganância que
nos torna escravos das coisas materiais, a não vivermos obcecados e angustiados
com o futuro, a não colocarmos na conta bancária a nossa segurança e a nossa
esperança. Só Deus é a nossa segurança, só n’Ele devemos confiar, pois só Ele,
e não os bens materiais, nos liberta e nos leva ao encontro da vida definitiva.
A
segunda leitura diz-nos que a adesão a Jesus implica o deixar de ser velho
homem e velha mulher e o passar a ser novo homem e nova mulher. Aquele que
aceita Jesus como o “pão” que dá vida e adere a Ele, passa a ser uma outra
pessoa. O encontro com Cristo deve significar, para qualquer pessoa, uma
mudança radical, um jeito completamente diferente de se situar face a Deus,
face aos irmãos, face a si próprio e face ao mundo.
O
cristão é, antes de mais, alguém que encontrou Cristo, que escutou o seu
chamamento, que aderiu à sua proposta. O encontro com Cristo deve significar,
para qualquer pessoa, uma mudança radical, um jeito completamente diferente de
se situar face a Deus, face aos irmãos, face a si próprio e face ao mundo.
Antes de mais devemos tomar consciência de que também nós encontrámos Cristo,
fomos chamados por Ele, aderimos à sua proposta e assumimos com Ele um compromisso.
O momento do nosso Batismo não foi um momento de folclore religioso ou uma
ocasião para cumprir um rito cultural qualquer; mas foi um verdadeiro momento
de encontro com Cristo, de compromisso com Ele e o início de uma caminhada que
Deus nos chama a percorrer, com coerência, pela vida fora, até chegarmos a uma
pessoa nova.
No
Evangelho, Jesus apresenta-Se como o “pão” da vida que desceu do céu para dar
vida ao mundo. Aos que O seguem, Jesus pede que aceitem esse “pão” – isto é,
que escutem as palavras que Ele diz, que as acolham no seu coração, que aceitem
os seus valores, que aderiram à sua proposta.
No
domingo anterior, João contou-nos como Jesus alimentou a multidão com cinco
pães e dois peixes, na “outra” margem do Lago de Tiberíades. Ao “cair da tarde”
desse dia, Jesus e os discípulos voltaram a Cafarnaum. O episódio que o
Evangelho de hoje nos apresenta situa-nos em Cafarnaum, no “dia seguinte” ao
episódio da multiplicação dos pães e dos peixes. Nessa manhã, a multidão que
tinha sido alimentada pelos pães e pelos peixes multiplicados e que ainda
estava do “outro lado” do lago apercebeu-se de que Jesus tinha regressado a
Cafarnaum e dirigiu-se ao seu encontro.
A
cena inicial parece sugerir, à primeira vista, que a pregação de Jesus alcançou
um êxito total: a multidão está entusiasmada, procura Jesus com afã e segue-O
para todo o lado. Aparentemente, a missão de Jesus não podia correr melhor.
Contudo,
Jesus percebe facilmente que a multidão está equivocada e que O procura pelas
razões erradas. Na verdade, a multiplicação dos pães e dos peixes pretendeu
ser, por parte de Jesus, uma lição sobre amor, partilha e serviço; mas a
multidão não foi sensível ao significado profundo do gesto, ficou-se pelas
aparências e só percebeu que Jesus podia oferecer-lhe, de forma gratuita, pão
em abundância. Assim, o facto de a multidão procurar Jesus e Se dirigir ao seu
encontro não significa que tenha aderido à sua proposta; significa, apenas, que
viu em Jesus um modo fácil e barato de resolver os seus problemas materiais.
Na
verdade, o gesto de repartir pela multidão os pães e os peixes gerou um
perigoso equívoco. Jesus está consciente de que é preciso desfazer, quanto
antes, esse mal-entendido. Por isso, nem sequer responde à pergunta inicial que
Lhe põem: “Mestre, quando chegaste aqui?”; mas, mal se encontra diante da
multidão, procura esclarecer coisas bem mais importantes do que a hora da sua
chegada a Cafarnaum… As palavras que Jesus dirige àqueles que O rodeiam põem o
problema da seguinte forma: eles não procuram Jesus, mas procuram a resolução
dos seus problemas materiais. Trata-se de uma procura interesseira e egoísta,
que é absolutamente contrária à mensagem que Jesus procurou passar-lhes. Depois
de identificar o problema, Jesus deixa-lhes um aviso: é preciso esforçar-se por
conseguir, não só o alimento que mata a fome física, mas sobretudo o alimento
que sacia a fome de vida que todo o homem tem. A multidão, ao preocupar-se
apenas com a procura do alimento material, está a esquecer o essencial – o
alimento que dá vida definitiva. Esse alimento que dá a vida eterna é o próprio
Jesus que o traz.
O
que é preciso fazer para receber esse pão? – pergunta-se a multidão. A resposta
de Jesus é clara: é preciso aderir a Jesus e ao seu projeto. Na cena da
multiplicação dos pães, a multidão não aderiu ao projeto de Jesus, que falava de
amor, de partilha, de serviço; apenas correu atrás do profeta milagreiro que
distribuía pão e peixes gratuitamente e em abundância… Mas, para receber o
alimento que dá vida eterna e definitiva, é preciso, que a multidão acolha as
propostas de Jesus e aceite viver no amor que se faz dom, na partilha daquilo
que se tem com os irmãos, no serviço simples e humilde aos outros homens. É
acolhendo e interiorizando esse “pão” que se adquire a vida que não acaba.
Os
interlocutores de Jesus não estão, no entanto, convencidos de que esse “pão”
garanta a vida definitiva. Custa-lhes a aceitar que a vida eterna resulte do
amor, do serviço, da partilha. O que é que garante, perguntam eles, que esse
seja um caminho verdadeiro para a vida definitiva? Qual a prova de que a
realização plena passe pelo dom da própria vida aos demais? Porque é que Jesus
não realiza um gesto espetacular – como Moisés, que fez chover do céu o maná,
não apenas para cinco mil pessoas, mas para todo o Povo e de forma continuada –
para provar que a proposta que Ele faz é verdadeiramente uma proposta geradora
de vida?
Jesus
responde pondo a questão da seguinte forma: o maná foi um dom de Deus para
saciar a fome material do seu Povo; mas o maná não é esse “pão” que sacia a
fome de vida eterna da pessoa. Só Deus dá, de forma contínua, a vida eterna; e
esse dom do Pai não veio ao encontro das pessoas através de Moisés, mas através
de Jesus. Portanto, o importante não é testemunhar gestos espetaculares, que
deslumbram e impressionam mas não mudam nada; mas é acolher a proposta que
Jesus faz e vivê-la nos gestos simples de todos os dias.
A
última frase do nosso texto identifica o próprio Jesus, já não com o “portador”
do pão, mas como o próprio pão que Deus quer oferecer ao seu Povo para lhe
saciar a fome e a sede de vida. “Comê-lo” será escutar a sua Palavra, acolher a
sua proposta, assimilar os seus valores, interiorizar o seu jeito de viver,
fazer da vida, como Jesus fez, um dom total de amor aos irmãos. Seguindo Jesus,
acolhendo a sua proposta no coração e deixando que ela se transforme em gestos
concretos de amor, de partilha, de serviço, a pessoa encontrará essa
“qualidade” de vida que o leva à sua realização plena, à vida eterna.
Jesus
de Nazaré é o “pão de Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo”. É esta a
questão central que o Evangelho deste domingo nos propõe. É em Jesus e através
de Jesus que Deus sacia a fome e a sede e oferece a vida em plenitude. Assim, a
adesão a Jesus é fundamental para ter o Pão do Céu. Aderir a Jesus é escutar o
seu chamamento, acolher a sua Palavra, assumir e interiorizar os seus valores,
segui-l’O no caminho do amor, da partilha, do serviço, da entrega da vida a
Deus e aos irmãos. Trata-se de uma adesão que deve ser consequente e
traduzir-se em obras concretas. A nossa
adesão a Jesus deve partir de uma profunda convicção de que só Ele é o “pão”
que nos dá vida em abundância. Assim seja! Amém.
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