Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo recorda-nos que Deus atua no mundo através dos homens e mulheres
que Ele chama e envia como testemunhas do seu projeto de salvação. Esses
“enviados” devem ter como grande prioridade a fidelidade ao projeto de Deus.
A
primeira leitura apresenta-nos o exemplo do profeta Amós. Escolhido, chamado e
enviado por Deus, o profeta vive para propor aos homens e mulheres – com verdade
e coerência – os projetos e os sonhos de Deus para o mundo. Atuando com total
liberdade, o profeta não se deixa manipular pelos poderosos nem amordaçar pelos
seus próprios interesses pessoais.
Neste
texto – como em tantos outros textos proféticos – transparece a absoluta
convicção de que o profeta é um homem de Deus, escolhido por Deus, chamado por
Deus, enviado por Deus, legitimado por Deus. Deus está na origem da vocação
profética. O profeta é um homem livre,
que não se amedronta nem se dobra face aos interesses dos poderosos. Por isso,
o profeta não pode calar-se perante a injustiça, a opressão, a exploração, tudo
o que rouba a vida e impede a realização plena do de cada ser. Assim, a Igreja,
para poder exercer com fidelidade a sua missão profética, tem de evitar
colar-se aos poderosos e depender deles, sob pena de ser infiel à missão que
Deus lhe confiou. Uma Igreja que está preocupada em não incomodar o poder para
manter privilégios fiscais, ou para continuar a receber dinheiro para as
instituições que tutela, será uma Igreja escrava, de mãos atadas, dependente,
que está longe de Jesus Cristo e da sua proposta libertadora.
A
segunda leitura garante-nos que Deus tem um projeto de vida plena, verdadeira e
total para cada homem e para cada mulher – um projeto que desde sempre esteve
na mente do próprio Deus. Esse projeto, apresentado através de Jesus Cristo,
exige de cada um de nós uma resposta decidida, total e sem subterfúgios.
De
acordo com o nosso texto, Deus “elegeu-nos… para sermos santos e
irrepreensíveis”. Afirma ainda a
centralidade de Cristo nesta história de amor que Deus quis viver conosco…
Jesus veio ao nosso encontro, cumprindo com radicalidade a vontade do Pai e
oferecendo-Se até à morte para nos ensinar a viver no amor.
No
Evangelho, Jesus envia os discípulos em missão. Essa missão – que está no
prolongamento da própria missão de Jesus – consiste em anunciar o Reino e em
lutar objetivamente contra tudo aquilo que escraviza o homem e que o impede de
ser feliz. Antes da partida dos discípulos, Jesus dá-lhes algumas instruções
acerca da forma de realizar a missão… Convida-os especialmente à pobreza, à
simplicidade, ao despojamento dos bens materiais.
O
nosso texto é uma autêntica catequese sobre a missão dos discípulos de Jesus no
meio do mundo. As instruções postas aqui na boca de Jesus conservam o seu
sentido e valor para os discípulos de todo o tempo e lugar.
Marcos
começa por deixar claro que a iniciativa do chamamento dos discípulos é de Jesus:
Ele “chamou-os”. Depois, Marcos aponta o
número dos discípulos que são enviados (“doze”). Porquê exatamente “doze”?
Trata-se de um número simbólico, que lembra as doze tribos que formavam o
antigo Povo de Deus. Estes “doze” discípulos representam simbolicamente a
totalidade do Povo de Deus, do novo Povo de Deus. É a totalidade do Povo de
Deus que é enviada em missão.
Os
“doze” são enviados “dois a dois”. É provável que o envio “dois a dois” tenha a
ver com o costume judaico de viajar acompanhado, para ter ajuda e apoio em caso
de necessidade; pode também pensar-se que esta exigência de partir em missão
“dois a dois” tenha a ver com as exigências da lei judaica, de acordo com a
qual eram necessárias duas testemunhas para dar credibilidade a um qualquer
anúncio. Em qualquer caso, a exigência de partir em missão “dois a dois” sugere
também que a evangelização tem sempre uma dimensão comunitária. Os discípulos
nunca devem trabalhar sós, à margem do resto da comunidade; não devem anunciar as
suas ideias, mas a fé da Igreja. Quem anuncia o Evangelho, anuncia-o em nome da
comunidade; e o seu anúncio deve estar em sintonia com a fé da comunidade.
Em
seguida, Marcos define a missão que Jesus lhes confiou: “deu-lhes poder sobre
os espíritos impuros. Os espíritos impuros representam aqui tudo aquilo que
escravizam homens e mulheres e que impede de chegar à vida em plenitude. A
missão dos discípulos é, pois, lutar contra tudo aquilo – seja de caráter
físico, seja de caráter espiritual – que destrói a vida e a felicidade, podemos
dizer que a missão dos discípulos é lutar contra o “pecado”. É da ação
libertadora dos discípulos, que atuam por mandato de Jesus, que nasce um mundo
novo, de homens e mulheres livres – o mundo do “Reino”.
Em
seguida, vêm as instruções para a missão. Na perspectiva de Jesus, os
discípulos devem partir para a missão, num despojamento total de todos os bens
e seguranças humanas… Podem levar um cajado; mas não devem levar nem pão, nem
alforge, nem moedas, nem duas túnicas. Os discípulos devem ser totalmente
livres e não estar amarrados a bens materiais; caso contrário, a preocupação
com os bens materiais pode roubar-lhes a liberdade e a disponibilidade para a
missão. Por outro lado, essa atitude de pobreza e de despojamento ajudará
também os discípulos a perceber que a eficácia da missão não depende da
abundância dos bens materiais, mas sim da ação de Deus. Finalmente, a
sobriedade e o desapego são sinais de que o discípulo confia em Deus e
contribuem para dar credibilidade ao testemunho.
Um
outro género de instruções refere-se ao comportamento dos discípulos diante da
hospitalidade que lhes for oferecida. Quando forem acolhidos numa casa, devem
aí permanecer algum tempo, seguramente para formar uma comunidade e não devem
saltar de um lugar para o outro, ao sabor das amizades, dos interesses próprios
ou alheios ou das suas próprias conveniências pessoais. Quando não forem
recebidos num lugar, devem “sacudir o pó dos pés” ao abandonar esse lugar:
trata-se de um gesto que os judeus praticavam quando regressavam do território
pagão e que simboliza a renúncia à impureza. Aqui, deve significar o repúdio
pelo fechamento às propostas libertadoras de Deus.
Finalmente,
Marcos descreve a realização da missão dos discípulos: pregavam a conversão, isto
é, uma mudança radical de mentalidade, de valores, de atitudes, um voltar-se
para Jesus Cristo e um acolher o seu projeto, expulsavam demônios, curavam os
doentes. Trata-se de continuar a missão de Jesus: libertar de tudo aquilo que o
oprime e lhe rouba a vida, para fazer aparecer um mundo de homens e mulheres
livres e salvos - “Reino de Deus”.
O
anúncio que é confiado aos discípulos é o anúncio que Jesus fazia - o “Reino”;
os gestos que os discípulos são convidados a fazer para anunciar o “Reino” são
os mesmos que Jesus fez. Ao apresentar a missão dos discípulos em paralelo e em
absoluta continuidade com a missão de Jesus, Jesus convida a Igreja, os
discípulos, a continuar na história a obra libertadora que Ele começou em favor
da humanidade.
A
missão dos discípulos é lutar objetivamente contra tudo aquilo que escraviza e
que impede de ser feliz. Hoje há estruturas que geram guerra, violência,
terror, morte: a missão dos discípulos de Jesus é contestá-las e desmontá-las;
hoje há “valores”, apresentados como o “último grito” da moda, do avanço
cultural ou científico, que geram escravidão, opressão, sofrimento: a missão
dos discípulos de Jesus é recusá-los e denunciá-los; hoje há esquemas de
exploração, disfarçados de sistemas econômicos geradores de bem estar, que
geram miséria, marginalização, debilidade, exclusão: a missão dos discípulos de
Jesus é combatê-los.
Decididamente,
o servo não é maior do que o seu mestre, e o enviado faz sempre referência
àquele que o envia. Hoje, o Testemunho do “nós” (envio dos dois discípulos) é o
da Igreja. Oxalá ela possa contar apenas com Deus, fazer-se peregrina,
apresentar-se pobre, respeitar a liberdade de homens e mulheres… Testemunhas do
amor de Deus… É sempre válido para todos os batizados cuja missão é serem
testemunhas da Boa Nova no coração do mundo! Assim seja! Amém.
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