Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo revela que Deus chama, continuamente, pessoas para serem
testemunhas no mundo do seu projeto de salvação. Não interessa se essas pessoas
são frágeis e limitadas; a força de Deus revela-se através da fraqueza e da
fragilidade desses instrumentos humanos que Deus escolhe e envia.
A
primeira leitura apresenta-nos um extrato do relato da vocação de Ezequiel. A
vocação profética é aí apresentada como uma iniciativa de Javé que chama um
“filho de homem”, isto é, um homem “normal”, com os seus limites e
fragilidades) para ser, no meio do seu Povo, a voz de Deus. Foi Deus que chamou
Ezequiel e que o designou para o seu serviço. A sua missão é apresentar a esse
Povo as propostas de Deus. O que é importante é que o profeta seja, no meio do
Povo, a voz que indica os caminhos de Deus.
Os
“profetas” não são um grupo humano extinto há muitos séculos, mas são uma
realidade com que Deus continua a contar para intervir no mundo e para recriar
a história. Quem são, hoje, os profetas? Onde estão eles?
No
Batismo, fomos ungidos como profetas, à imagem de Cristo. Cada um de nós tem a
sua história de vocação profética: de muitas formas Deus entra na nossa vida,
desafia-nos para a missão, pede uma resposta positiva à sua proposta.
O
profeta é o homem que vive de olhos postos em Deus e de olhos postos no mundo,
numa mão a Bíblia, na outra, o cotidiano, a realidade. Vivendo em comunhão com
Deus e intuindo o projeto que Ele tem para o mundo, e confrontando esse projeto
com a realidade humana, o profeta percebe a distância que vai do sonho de Deus
à realidade. É aí que ele intervém, em nome de Deus, para denunciar, avisar,
corrigir, anunciar a Boa Nova.
Na
segunda leitura, Paulo assegura aos cristãos de Corinto, recorrendo ao seu
exemplo pessoal, que Deus atua e manifesta o seu poder no mundo através de
instrumentos débeis, finitos e limitados. Na ação do apóstolo – ser humano,
vivendo na condição de finitude, de vulnerabilidade, de debilidade –
manifesta-se ao mundo e aos homens e mulheres a força e a vida de Deus.
Assim,
Paulo garante-nos que é na fraqueza que se revela a força de Deus. Precisamos
de aprender a ver o mundo, os homens e as coisas com os olhos de Deus e a
descobrir esse Deus que, na debilidade, na simplicidade, na pobreza, na
fragilidade, vem ao nosso encontro e nos indica os caminhos da vida.
Neste
texto de Paulo, como, aliás, em quase todos os textos do apóstolo, transparece
a atitude de vida de um cristão para quem Cristo é, verdadeiramente, o centro
da própria existência e que só vive em função de Cristo… Nada mais lhe
interessa senão anunciar as propostas de Cristo e dar testemunho da graça
salvadora de Cristo.
O
Evangelho, ao mostrar como Jesus foi recebido pelos seus conterrâneos em
Nazaré, reafirma uma ideia que aparece também nas outras duas leituras deste
domingo: Deus manifesta-Se aos homens e mulheres na fraqueza e na fragilidade.
Quando os homens e mulheres se recusam a entender esta realidade, facilmente
perdem a oportunidade de descobrir o Deus que vem ao seu encontro e de acolher
os desafios que Deus lhes apresenta.
Os
ensinamentos de Jesus na sinagoga, naquele sábado, deixam impressionados os
habitantes de Nazaré, como já tinham deixado impressionados os fiéis da
sinagoga de Cafarnaum (cf. Mc 1,21-28). No entanto, os de Cafarnaum, depois de
ouvir Jesus, reconheceram a sua autoridade mais do que divina e que, segundo
eles, era diferente da autoridade dos doutores da Lei; os de Nazaré vão chegar
a conclusões distintas.
Depois
de escutarem Jesus, na sinagoga, os seus conterrâneos traduzem a sua
perplexidade através de várias perguntas… Duas das questões postas dizem
respeito à origem e à qualidade dos ensinamentos de Jesus: “de onde lhe vem
tudo isto? Que sabedoria é esta que lhe foi dada?”; uma outra questão refere-se
à qualificação das ações de Jesus: “e os prodigiosos milagres feitos por suas
mãos?”
Numa
espécie de contraponto à impressão que Jesus lhes deixou, eles recordam o seu
ofício e a “normalidade” da sua família… Para eles, Jesus é “o carpinteiro”:
não é um “rabbi”, nunca estudou as Escrituras com nenhum mestre conceituado e
não tem qualificações para dizer as coisas que diz. Por outro lado, eles
conhecem a identidade da família de Jesus e não descobrem nela nada de
extraordinário: Ele é o “filho de Maria” e os seus irmãos e irmãs são gente
“normal”, que toda a gente conhece em Nazaré e que nunca revelaram qualidades
excepcionais. Portanto, parece claro que o papel assumido por Jesus e as ações
que Ele realizou são humanamente inexplicáveis. Ele põe em causa a religião
tradicional, quando ensina coisas diferentes e de forma diferente dos mestres
reconhecidos. Conclusão: Ele está fora da instituição judaica; o seu
ensinamento não pode, portanto, vir de Deus, mas do diabo. Os conterrâneos de
Jesus não conseguem reconhecer a presença de Deus naquilo que Jesus diz e faz.
Jesus
responde aos seus concidadãos citando um conhecido provérbio, mas que Ele
modifica, em parte, o original devia soar mais ou menos assim: “nenhum profeta
é respeitado no seu lugar de origem, nenhum médico faz curas entre os seus
conhecidos”. Nessa resposta, Jesus assume-Se como profeta – isto é, como um
enviado de Deus, que atua em nome de Deus e que tem uma mensagem de Deus para
oferecer aos homens e mulheres. Os ensinamentos que Jesus propõe não vêm dos
mestres judaicos, mas do próprio Deus; a vida que Ele oferece é a vida plena e
verdadeira que Deus quer propor aos homens e mulheres.
A
recusa generalizada da proposta que Jesus traz coloca-o na linha dos grandes
profetas de Israel. O Povo teve sempre dificuldade em reconhecer o Deus que
vinha ao seu encontro na palavra e nos gestos proféticos. O fato de as
propostas apresentadas por Jesus serem rejeitadas pelos líderes, pelo povo da
sua terra, pelos seus “irmãos e irmãs” e até pelos da sua casa não invalida,
portanto, a sua verdade e a sua procedência divina.
Porque
é que Jesus “não podia ali fazer qualquer milagre”? Deus oferece aos homens e
mulheres, através de Jesus, perspectivas de vida nova e eterna… No entanto,
homens e mulheres são livres; se eles se mantêm fechados nos seus esquemas e
preconceitos egoístas e rejeitam a vida que Deus lhes oferece, Jesus não pode
fazer nada. Marcos observa, apesar de tudo, que Jesus “curou alguns doentes
impondo-lhes as mãos”. Provavelmente, estes “doentes” são aqueles que
manifestam uma certa abertura a Jesus mas que, de qualquer forma, não têm a
coragem de cortar radicalmente com os mecanismos religiosos do judaísmo para
descobrir a novidade radical do Reino que Jesus anuncia.
Marcos
nota ainda a “surpresa” de Jesus pela falta de fé dos seus concidadãos.
Esperava-se que, confrontados com a proposta nova de liberdade e de vida plena
que Jesus apresenta, os seus interlocutores renunciassem à escravidão para
abraçar com entusiasmo a nova realidade… No entanto, eles estão de tal forma
acomodados e instalados, que preferem a vida velha da escravidão à novidade
libertadora de Jesus. Este fato decepcionante não impede, contudo, que Jesus
continue a propor a Boa Nova do Reino a todos os homens e mulheres. Deus
oferece, sem interrupção, a sua vida; aos homens e mulheres, resta acolher ou
não esse oferecimento.
O
texto do Evangelho repete uma ideia que aparece também nas outras duas leituras
deste domingo: Deus manifesta-Se na fraqueza e na fragilidade. Normalmente, Ele
não se manifesta na força, no poder, nas qualidades que o mundo acha brilhantes
e que os homens admiram e endeusam; mas, muitas vezes, Ele vem ao nosso
encontro na fraqueza, na simplicidade, na debilidade, na pobreza, nas situações
mais simples e banais, nas pessoas mais humildes e despretensiosas… É preciso
que interiorizemos a lógica de Deus, para que não percamos a oportunidade de O
encontrar, de perceber os seus desafios, de acolher a proposta de vida que Ele
nos faz…
Para
os habitantes de Nazaré Jesus era apenas “o carpinteiro” da terra, que nunca
tinha estudado com grandes mestres e que tinha uma família conhecida de todos,
que não se distinguia em nada das outras famílias que habitavam na vila; por
isso, não estavam dispostos a conceder que esse Jesus – perfeitamente
conhecido, julgado e catalogado – lhes trouxesse qualquer coisa de novo e de
diferente… Isto deve fazer-nos pensar nos preconceitos com que, por vezes,
abordamos os nossos irmãos, os julgamos, os catalogamos e etiquetamos…
Jesus
assume-Se como um profeta, isto é, alguém a quem Deus confiou uma missão e que
testemunha no meio dos seus irmãos as propostas de Deus. A nossa identificação
com Jesus faz de nós continuadores da missão que o Pai Lhe confiou.
Apesar
da incompreensão dos seus concidadãos, Jesus continuou, em absoluta fidelidade
aos planos do Pai, a dar testemunho no meio de homens e mulheres do Reino de
Deus. Rejeitado em Nazaré, Ele foi, como diz o nosso texto, percorrer as
aldeias dos arredores, ensinando a dinâmica do Reino. O testemunho que Deus nos
chama a dar cumpre-se, muitas vezes, no meio das incompreensões e oposições…
Frequentemente, os discípulos de Jesus sentem-se desanimados e frustrados
porque o seu testemunho não é entendido nem acolhido … A atitude de Jesus
convida-nos a nunca desanimar nem desistir: Deus tem os seus projetos e sabe
como transformar um fracasso num êxito.
Desta
forma, a missão profética dos batizados, declara que estes últimos recebem
todos o sentido da fé e a graça da palavra, a fim de que brilhe na sua vida quotidiana
a força do Evangelho. Os cristãos não devem esconder este testemunho e esta
palavra no segredo do seu coração, mas devem exprimi-lo também através das
estruturas da vida do mundo. Eis a nossa missão profética! Assim seja! Amém.
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