Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo propõe-nos uma reflexão sobre alguns valores que acompanham o
desafio do “Reino”: a humildade, a gratuidade, o amor desinteressado.
A
primeira leitura aconselha-nos a humildade como caminho para ser agradável a
Deus e aos homens, para ter êxito e ser feliz. É a reiteração da mensagem
fundamental que a Palavra de Deus hoje nos apresenta.
O
texto apresenta-se como uma “instrução” que um pai dá ao seu filho. O tema
fundamental desta “instrução” é o da humildade. Pois, a humildade é uma das
qualidades fundamentais que o homem deve cultivar. Garantir-lhe-á estima
perante os homens e “graça diante do Senhor”. Não se trata de uma forma de
estar e de se apresentar reservada aos mais pobres e menos preparados; mas
trata-se de algo que deve ser cultivado por todos, a começar por aqueles que
são considerados mais importantes. É na humildade e na simplicidade que reside
o segredo da “sabedoria”, do êxito, da felicidade.
A
segunda leitura convida aos cristãos instalados numa fé cômoda e sem grandes
exigências, a redescobrir a novidade e a exigência do cristianismo; insiste em
que o encontro com Deus é uma experiência de comunhão, de proximidade, de amor,
de intimidade, que dá sentido à caminhada do cristão. Através desta exigência:
a vida cristã – essa vida que brota do encontro com o amor de Deus – é uma vida
que exige de nós determinados valores e atitudes, entre os quais avultam a
humildade, a simplicidade, o amor que se faz dom.
Assim,
a experiência cristã é, portanto, uma experiência festiva, de verdadeira
alegria. Por essa experiência, os cristãos associaram-se a Deus, o santo, o
juiz do universo, mas também o Deus da bondade e do amor; foram incorporados em
Cristo, o mediador da nova aliança, irmanados com Ele, tornados co-herdeiros da
vida eterna; associaram-se aos anjos, numa existência de festa, de louvor, de ação
de graças, de adoração, de contemplação; associaram-se aos outros justos que
atingiram a vida plena, numa comunhão fraterna de vida e de amor.
O
Evangelho coloca-nos no ambiente de um banquete em casa de um fariseu. O
enquadramento é o pretexto para Jesus falar do “banquete do Reino”. A todos os
que quiserem participar desse “banquete”, Ele recomenda a humildade; ao mesmo
tempo, denuncia a atitude daqueles que conduzem as suas vidas numa lógica de
ambição, de luta pelo poder e pelo reconhecimento, de superioridade em relação
aos outros… Jesus sugere, também, que para o “banquete do Reino” todos os
homens são convidados; e que a gratuidade e o amor desinteressado devem
caracterizar as relações estabelecidas entre todos os participantes do
“banquete”.
O
texto apresenta-nos duas partes. A primeira aborda a questão da humildade; a
segunda trata da gratuidade e do amor desinteressado. Ambas estão unidas pelo
tema do “Reino”: são atitudes fundamentais para quem quiser participar no
banquete do “Reino”.
As
palavras que Jesus dirigiu aos convidados que disputavam os lugares de honra
não são novidade, pois já o Antigo Testamento aconselhava a não ocupar os primeiros
lugares; mas o que aí era uma exortação moral, nas palavras de Jesus converte-se
numa apresentação do “Reino” e da lógica do “Reino”: o “Reino” é um espaço de
irmandade, de fraternidade, de comunhão, de partilha e de serviço, que exclui
qualquer atitude de superioridade, de orgulho, de ambição, de domínio sobre os
outros; quem quiser entrar nele, tem de fazer-se pequeno, simples, humilde e
não ter pretensões de ser melhor, mais justo, ou mais importante que os outros.
Esta é, aliás, a lógica que Jesus sempre propôs aos seus discípulos: Ele
próprio, na “ceia de despedida”, comida com os discípulos na véspera da sua
morte, lavou os pés aos discípulos e constituiu-os em comunidade de amor e de
serviço – avisando que, na comunidade do “Reino”, os primeiros serão os servos
de todos.
Na
segunda parte, Jesus põe em causa – em nome da lógica do “Reino” – a prática de
convidar para o banquete apenas os amigos, os irmãos, os parentes, os vizinhos
ricos. Os fariseus escolhiam cuidadosamente os seus convidados para a mesa. Nas
suas refeições, não convinha haver alguém de nível menos elevado, pois, a
“comunidade de mesa” vinculava o que convinha e não convinha, para estabelecer
obrigatoriamente laços com gente desclassificada e pecadora, por exemplo,
nenhum fariseu se sentava à mesa com alguém pertencente ao “povo da terra”,
desclassificado e pecador. Por outro lado, também os fariseus tinham a
tendência – própria de todas as pessoas, de todas as épocas e culturas – de
convidar aqueles que podiam retribuir da mesma forma. A questão é que, dessa
forma, tudo se tornava um intercâmbio de favores e não gratuidade e amor
desinteressado.
Jesus
denuncia – em nome do “Reino” – esta prática; mas vai mais além e apresenta uma
proposta verdadeiramente subversiva. Segundo Ele, é preciso convidar “os
pobres, os aleijados, os coxos e os cegos”. Os cegos, coxos e aleijados eram
considerados pecadores notórios, amaldiçoados por Deus, e por isso estavam
proibidos de entrar no Templo para não profanar esse lugar sagrado). No
entanto, são esses que devem ser os convidados para o “banquete”. Já percebemos
que, aqui, Jesus já não está simplesmente a falar dessa refeição comida em casa
de um fariseu, na companhia de gente distinta; mas está já a falar daquilo que
esse “banquete” anuncia e prefigura: o banquete do “Reino”.
Jesus
traça aqui, portanto, os contornos do “Reino”. Ele é apresentado como um
“banquete”, onde os convidados estão unidos por laços de familiaridade, de
irmandade, de comunhão. Para esse “banquete”, todos – sem exceção – são
convidados, inclusive àqueles que a cultura social e religiosa tantas vezes
exclui e marginaliza. As relações entre os que aderem ao banquete do “Reino”
não serão marcadas pelos jogos de interesses, mas pela gratuidade e pelo amor
desinteressado; e os participantes do “banquete” devem despir-se de qualquer
atitude de superioridade, de orgulho, de ambição, para se colocarem numa
atitude de humildade, de simplicidade, de serviço.
A
Igreja, fruto do “Reino”, deve ser essa comunidade onde se torna realidade a
lógica do “Reino” e onde se cultivam a humildade, a simplicidade, o amor
gratuito e desinteressado. Assistimos, por vezes, a uma corrida desenfreada na
comunidade cristã pelos primeiros lugares. É uma luta – para alguns de vida ou
de morte – em que se recorre a todos os meios: a intriga, a exibição, a defesa
feroz do lugar conquistado, a humilhação de quem faz sombra ou incomoda… Para
Jesus, as coisas são bastante claras: esta lógica não tem nada a ver com a
lógica do “Reino”; quem prefere esquemas de superioridade, de prepotência, de
humilhação dos outros, de ambição, de orgulho, está a impedir a chegada do
“Reino”. O tipo de relações que unem os membros da comunidade de Jesus não se
baseia em “critérios comerciais”, interesses, negociatas, intercâmbio de
favores, mas sim no amor gratuito e desinteressado. Só dessa forma todos – inclusive
os pobres, os humildes, aqueles que não têm poder nem dinheiro para retribuir
os favores – numa verdadeira comunidade de amor e de fraternidade.
Jesus
pode falar de gratuidade porque a sua vinda à terra é um dom gratuito de Deus,
é uma graça, este amor gratuito, gracioso de Deus. E Deus não nos ama porque merecemos,
mas porque não pode senão amar-nos, pois Ele é Amor. Então, Jesus pede a homens
e mulheres, criado à imagem de Deus, para amar como Deus ama, isto é,
gratuitamente, esperando ser declarado justo na ressurreição dos mortos.
Trata-se de uma verdadeira revolução nas relações entre eles: pôr o dom em
primeiro lugar e ter em resposta apenas a alegria de ter dado. Jesus vai mesmo
ao ponto de declarar felizes aqueles que têm o sentido do gratuito nas suas
relações humanas que se revela na humildade. Que neste início do mês da Bíblia, sejamos capazes de assumir com
humildade, simplicidade e gratuidade a Palavra e a Vida de Jesus em nossas vidas. Assim
seja! Amém.
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