Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo propõe-nos, de novo, a reflexão sobre a nossa relação com os bens
deste mundo… Convida-nos a vê-los, não como algo que nos pertence de forma
exclusiva, mas como dons que Deus colocou nas nossas mãos, para que os
administremos e partilhemos, com gratuidade e amor.
Na
primeira leitura, o profeta Amós denuncia violentamente uma classe dirigente
ociosa, que vive no luxo à custa da exploração dos pobres e que não se preocupa
minimamente com o sofrimento e a miséria dos humildes. É evidente que Deus não
está disposto a pactuar com isto. A classe dominante da Samaria está a
infringir gravemente os mandamentos da “aliança” e Deus não aceita ser cúmplice
daqueles que mantêm um elevado nível de vida à custa do sangue e das lágrimas
dos pobres. Assim, o profeta anuncia que
Deus não vai pactuar com esta situação, pois, este sistema de egoísmo e
injustiça não tem nada a ver com o projeto que Deus sonhou para os homens e
para o mundo.
A
segunda leitura traça o perfil do “homem de Deus”: deve ser alguém que ama os
irmãos, que é paciente, que é brando, que é justo e que transmite fielmente a
proposta de Jesus. Poderíamos, também, acrescentar que é alguém que não vive
para si, mas que vive para partilhar tudo o que é e que tem com os irmãos?
O
verdadeiro “homem de Deus” tem de distinguir-se por uma vida santa, enraizada
na fé e no amor aos irmãos. Em concreto, o “homem de Deus” deve cultivar a
justiça, a piedade, a fé, o amor, a perseverança, a doçura. Tem de ser paciente
e manso, diante das dificuldades que o serviço apostólico levanta. Deve guardar
“o mandamento do Senhor” – isto é, a verdade da fé que lhe foi transmitida pela
tradição apostólica. No que diz respeito ao perfil do “homem de Deus”, tudo se
resume no amor para com os irmãos, no entusiasmo pelo ministério e na
capacidade de transmitir a verdadeira doutrina, herdada dos apóstolos.
O
Evangelho apresenta-nos, através da parábola do rico e do pobre Lázaro, uma verdadeira
catequese sobre a posse dos bens… Na perspectiva de Lucas, a riqueza é sempre
um pecado, pois, supõe a apropriação, em benefício próprio, de dons de Deus que
se destinam a todos os homens… Por isso, o rico é condenado e Lázaro
recompensado.
A
parábola tem duas partes. Na primeira, Lucas apresenta os dois personagens
fundamentais da história: um rico que vive luxuosamente e que celebra grandes
festas e um pobre, que tem fome, vive miseravelmente e está doente. No entanto,
a morte dos dois muda radicalmente a situação. O que é que, verdadeiramente,
está aqui em causa?
Atentemos
aos dois personagens… Do rico diz-se, apenas, que se vestia de púrpura e linho
fino, e que dava esplêndidas festas. De resto, não se diz se ele era mau ou
bom, se frequentava ou não o templo, se explorava os pobres ou se era totalmente
insensível ao seu sofrimento, aparentemente, isso não é decisivo para o
desfecho; no entanto, quando morreu, foi para um lugar de tormentos. Do pobre
Lázaro diz-se, apenas, que jazia ao portão do rico, que estava coberto de
chagas, que desejava saciar-se das migalhas que caíam da mesa do rico e que os
cães vinham lamber-lhe as chagas; quando morreu, Lázaro foi “levado pelos anjos
ao seio de Abraão”, quer dizer, a um lugar de honra presidido por Abraão.
Trata-se do “banquete do Reino”, onde os eleitos se juntarão – de acordo com o
imaginário judaico – com os patriarcas e os profetas; não se diz, no entanto,
se Lázaro levou na terra uma vida exemplar ou se cometeu más ações, se foi um
modelo de virtudes ou foi um homem carregado de defeitos, se trabalhava
duramente ou se não quis fazer nada para mudar a sua triste situação…
Nesta
história, não parecem ser as ações boas ou más cometidas neste mundo pelos
personagens, a história não faz qualquer referência a isso, que decidem a sorte
deles no outro mundo. Então, porque é que um está destinado aos tormentos e
outro ao “banquete do Reino”?
A
resposta só pode ser uma: o que determina a diferença de destinos é a riqueza e
a pobreza. O rico conhece os “tormentos” porque é rico; o pobre conhece o
“banquete do Reino” porque é pobre. Mas então, a riqueza será pecado? Aqueles
que acumularam riquezas sem defraudar ninguém serão culpados de alguma coisa?
Ser rico equivale a ser mau e, portanto, a estar destinado aos “tormentos”?
Na
perspectiva de Lucas, a riqueza – legítima ou ilegítima – é sempre culpada. Os
bens não pertencem a ninguém em particular, nem sequer àqueles que trabalharam
duramente para se apossar de uma fatia gorda dos bens que Deus colocou no
mundo; mas são dons de Deus, postos à disposição de todos os seus filhos, para
serem partilhados e para assegurarem uma vida digna a todos… Quem se apossa –
ainda que legitimamente – desses bens em benefício próprio, sem os partilhar,
está a defraudar o projeto de Deus. Quem usa os bens para ter uma vida luxuosa
e sem cuidados, esquecendo-se das necessidades dos outros homens, está a
defraudar os seus irmãos que vivem na miséria. Nesta história, Jesus ensina que
não somos donos dos bens que Deus colocou nas nossas mãos, ainda que os
tenhamos adquirido de forma legítima: somos apenas administradores,
encarregados de partilhar com os irmãos aquilo que pertence a todos. Esquecer
isto é viver de forma egoísta e, por isso, estar destinado aos “tormentos”.
Na
segunda parte do nosso texto, insiste-se em que a Escritura – na qual os fariseus
eram peritos – apresenta o caminho seguro para aprender e assumir a atitude
correta em relação aos bens. O rico ficou surdo às interpelações da Palavra de
Deus - “Moisés e os Profetas” - e isso é
que decidiu a sua sorte: ele não quis escutar as interpelações da Palavra e não
se deixou transformar por ela. O versículo final expressa perfeitamente a
mensagem contida nesta segunda parte: até mesmo os milagres mais espetaculares
são inúteis, quando o homem não acolheu no seu coração a Palavra de Deus. Só a
Palavra de Deus pode fazer com que o homem corrija as opções erradas, saia do
seu egoísmo, aprenda a amar e a partilhar.
Anuncia-se,
desta forma, que o projeto de Deus passa por um “Reino” de fraternidade, de
amor e de partilha. Quem recusa esse projeto e escolhe viver fechado no seu
egoísmo e autossuficiência, não pode fazer parte desse mundo novo de fraternidade, que Deus quer propor a homens e mulheres. Portanto, a opção pelos pobres é a
razão de ser comunidade cristã, partilhando sempre com gratuidade e amor. Assim seja! Amém.
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