Irmãos e irmãs,
Este Santo
Domingo lembra-nos, mais uma vez, que a lógica de Deus é diferente da lógica do
mundo. Convida-nos a prescindir dos nossos projetos pessoais de poder e de
grandeza e a fazer da nossa vida um serviço aos irmãos. É no amor e na entrega
de quem serve humildemente os irmãos que Deus oferece a vida eterna e
verdadeira.
A primeira
leitura apresenta-nos a figura de um “Servo de Deus”, insignificante e
desprezado, mas através do qual se revela a vida e a salvação de Deus.
Lembra-nos que uma vida vivida na simplicidade, na humildade, no sacrifício, na
entrega e no dom de si mesmo não é, aos olhos de Deus, uma vida maldita,
perdida, fracassada; mas é uma vida fecunda e plenamente realizada, que trará
libertação e esperança ao mundo e aos homens e mulheres.
Conscientes
desta realidade, poderemos perceber a presença de Deus a nosso lado nos
pequenos gestos que todos os dias testemunhamos e que nos dão esperança, nas
coisas simples e banais que nos enchem o coração de paz, nas pessoas humildes
que o mundo despreza e marginaliza, mas que são capazes de gestos
impressionantes de serviço, de partilha, de doação, de entrega… Deus está na
simplicidade do amor que se faz dom, serviço, entrega humilde aos irmãos.
Na
segunda leitura, o autor da Carta aos Hebreus fala-nos de um Deus que ama com
um amor sem limites e que, por isso, está disposto a assumir a fragilidade dos
homens e mulheres, a descer ao seu nível, a partilhar a sua condição. Ele não
Se esconde atrás do seu poder e da sua omnipotência, mas aceita descer ao
encontro homens para lhes oferecer o seu amor.
Na
lógica de Deus, o que é mais importante não é aquele que protege a sua
autoridade e a sua importância através de barreiras intransponíveis, mas é
aquele que é capaz de descer ao encontro dos últimos, dos desclassificados, dos
marginalizados, dos sofredores, para lhes oferecer o seu amor. É esta a lógica
de Deus – lógica que somos chamados a compreender, a assumir e a testemunhar.
No
Evangelho, Jesus convida os discípulos a não se deixarem manipular por sonhos
pessoais de ambição, de grandeza, de poder e de domínio, mas a fazerem da sua
vida um dom de amor e de serviço. Chamados a seguir o Filho do Homem “que não
veio para ser servido, mas para servir e dar a vida”, os discípulos devem dar
testemunho de uma nova ordem e propor, com o seu exemplo, um mundo livre do
poder que escraviza.
Na
primeira parte do nosso texto, apresenta-se a pretensão de Tiago e de João, os
filhos de Zebedeu, no sentido de se sentarem, no Reino que vai ser instaurado,
“um à direita e outro à esquerda” de Jesus. A questão nem sequer é apresentada
como um pedido respeitoso; mas parece mais uma reivindicação de quem se sente
com direito inquestionável a um privilégio. Certamente Tiago e João imaginam o
Reino que Jesus veio propor e querem assegurar nesse Reino poderoso e glorioso,
desde logo, lugares de honra ao lado de Jesus. Para eles, o que é importante é
a realização dos seus sonhos pessoais de autoridade, de poder e de grandeza.
Em
primeiro lugar, Jesus avisa os discípulos de que, para se sentarem à mesa do
Reino, devem estar dispostos a “beber o cálice” que Ele vai beber e a “receber
o batismo” que Ele vai receber; ora, “beber o mesmo cálice” de Jesus significa
partilhar esse destino de entrega e de dom da vida que Jesus vai cumprir. O
“receber o mesmo batismo” evoca a participação e imersão na paixão e morte de
Jesus. Para fazer parte da comunidade do Reino é preciso, portanto, que os
discípulos estejam dispostos a percorrer, com Jesus, o caminho do sofrimento,
da entrega, do dom da vida até à morte. Apesar de Tiago e João manifestarem,
com toda a sinceridade, a sua disponibilidade para percorrer o caminho do dom
da vida, Jesus não lhes garante uma resposta positiva à sua pretensão… Jesus
evita associar o cumprimento da missão e a recompensa, pois o discípulo não pode
seguir determinado caminho ou embarcar em determinado projeto por cálculo ou
por interesse; de acordo com a lógica do Reino, o discípulo é chamado a seguir
Jesus com total gratuidade, sem esperar nada em troca, acolhendo sempre como
graças não merecidas os dons de Deus.
Na
segunda parte do nosso texto, temos a reação dos discípulos à pretensão dos
dois irmãos e uma catequese de Jesus sobre o serviço. A reação indignada dos
outros discípulos ao pedido de Tiago e de João indica que todos eles tinham as
mesmas pretensões. O pedido de Tiago e de João a Jesus aparece-lhes, portanto,
como uma “jogada de antecipação” que ameaça as secretas ambições que todos eles
guardavam no coração.
Jesus
aproveita a ocasião para reafirmar a lógica do Reino. Começa por recordar-lhes
o modelo dos “governantes das nações” e dos grandes do mundo: eles afirmam a
sua autoridade absoluta, dominam os povos pela força e submetem-nos, exigem
honras, privilégios e títulos, promovem-se à custa da comunidade, exercem o
poder de uma forma arbitrária… Ora, este esquema não pode servir de modelo para
a comunidade do Reino. A comunidade do Reino assenta sobre a lei do amor e do
serviço. Os seus membros devem sentir-se “servos” dos irmãos, apostados em servir
com humildade e simplicidade, sem qualquer pretensão de mandar ou de dominar.
Mesmo aqueles que são designados para presidir à comunidade devem exercer a sua
autoridade num verdadeiro espírito de serviço, sentindo-se servos de todos.
Excluindo do seu universo qualquer ambição de poder e de domínio, os membros da
comunidade do Reino darão testemunho de um mundo novo, regido por novos
valores; e ensinarão os homens que com eles se cruzarem nos caminhos da vida a
serem verdadeiramente livres e felizes.
Como
modelo desta nova atitude, Jesus propõe-Se a Si próprio: Ele apresenta-Se como
“o Filho do Homem que não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em
resgate por todos”. De fato, toda a vida de Jesus pode ser entendida em chave
de amor e serviço. Desde o primeiro instante da encarnação, até ao último
momento da sua caminhada nesta terra, Ele pôs-se ao serviço do projeto do Pai e
fez da sua vida um dom de amor aos homens e mulheres. Ele nunca Se deixou
seduzir por projetos pessoais de ambição, de poder, de domínio; mas apenas quis
entregar toda a sua vida ao serviço dos homens, a fim de que os homens pudessem
encontrar a vida plena e verdadeira. Com Ele e por Ele nasce, portanto, uma
comunidade de “servos”, que são testemunhas no mundo de uma ordem nova – a
ordem do Reino.
O
nosso texto convida-nos a repensar a nossa forma de nos situarmos, quer na
família, quer na escola, quer no trabalho, quer na sociedade. A instrução de
Jesus aos discípulos que o Evangelho deste domingo nos apresenta é uma denúncia
dos jogos de poder, das tentativas de domínio sobre aqueles que vivem e
caminham a nosso lado, das manobras patéticas para conquistar honras e
privilégios, da ânsia de protagonismo, da busca desenfreada de títulos, da caça
às posições de prestígio… O cristão tem, absolutamente, de dar testemunho de
uma ordem nova no seu espaço familiar, colocando-se numa atitude de serviço e
não numa atitude de imposição e de exigência; o cristão tem de dar testemunho
de uma nova ordem no seu espaço laboral, evitando qualquer atitude de injustiça
ou de prepotência sobre aqueles que dirige e coordena; o cristão tem sempre de
encarar a autoridade que lhe é confiada como um serviço, cumprido na busca
atenta e coerente do bem comum…
Na
comunidade cristã encontramos também, com muita frequência, a tentação de nos organizarmos
de acordo com princípios de poder, autoridade, predomínio, à boa maneira do
mundo. Sabemos, pela história, que sempre que a Igreja tentou esses caminhos,
afastou-se da sua missão, deu um testemunho pouco credível e tornou-se
escândalo para tantos homens e mulheres bem intencionados… Por outro lado,
testemunhamos todos os dias, nas nossas comunidades cristãs, como os
comportamentos prepotentes criam divisões, rancores, invejas, afastamentos.
Nós, os seguidores de Jesus, não podemos, de forma alguma, pactuar com a lógica
do mundo; e uma Igreja que se organiza e estrutura tendo em conta os esquemas
do mundo não é a Igreja de Jesus. Na comunidade cristã há irmãos iguais, a quem
a comunidade confia serviços diversos em vista do bem de todos. Aquilo que nos
deve mover é a vontade de servir, de partilhar com os irmãos os dons que Deus
nos concedeu.
Quem
escolhe o serviço é elevado por Deus ao lugar de “grande”, Deus dá o primeiro
lugar a quem escolheu o último. Portanto, neste Dia Mundial das Missões
recorda-nos a nossa vocação a sermos servidores do Evangelho… Como rezar? Isso
diz respeito também à qualidade da nossa oração… A maior parte das vezes, somos
como os filhos de Zebedeu: prontos a pedir. Mas se nos esforçamos por amar e
servir como Cristo nos pede, então, melhor que pedir, poderemos oferecer-Lhe
aquilo que, graças a Ele, faremos pelos nossos irmãos. Cabe a nós também seus
discípulos, sermos também servidores da salvação para todos os homens e mulheres!
A nossa Missão é Servir! Assim seja! Amém.
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