Irmãos
e irmãs,
A
primeira leitura apresenta-nos, precisamente, o testemunho dos discípulos sobre
Jesus. Depois de terem mostrado, em gestos concretos, que Jesus está vivo e
continua a oferecer a salvação, Pedro e João convidam os seus interlocutores a
acolherem a proposta de vida que Jesus lhes faz.
Para
os cristãos, Jesus não é uma figura do passado, que a morte venceu e que ficou
sepultado no museu da história; mas é alguém que continua vivo, sempre presente
nos caminhos do mundo, oferecendo uma proposta de vida verdadeira, plena,
eterna. Como é que os nossos irmãos que caminham ao nosso lado podem descobrir
que Jesus está vivo e fazer uma experiência de encontro com Cristo
ressuscitado?
Para
o autor, o fator decisivo para que os homens e mulheres descubram que Cristo
está vivo é o testemunho dos discípulos. Jesus está vivo e apresenta-se aos
homens e mulheres do nosso tempo nos gestos de amor, de partilha, de
solidariedade, de perdão, de acolhimento que os cristãos são capazes de fazer;
Jesus está vivo e atua hoje no mundo, quando os cristãos se comprometem na luta
pela paz, pela justiça, pela liberdade, pelo nascimento de um mundo mais
humano, mais fraterno, mais solidário; Jesus está vivo e continua a realizar
aqui e agora o projeto de salvação de Deus, quando os seus cristãos oferecem
aos que vivem nas trevas a capacidade de encontrar a luz e a verdade, oferecem
aos excluídos a possibilidade de ter voz e de decidir livremente o seu futuro. Assim,
a proposta que Jesus veio apresentar é uma proposta geradora de vida, apesar de
passar pelo aparente fracasso da cruz. É de vida vivida na doação, na entrega,
no amor total a Deus e aos irmãos.
A
segunda leitura lembra que o cristão, depois de encontrar Jesus e de aceitar a
vida que Ele oferece, tem de viver de forma coerente com o compromisso que
assumiu. Esta coerência deve manifestar-se no reconhecimento da debilidade e da
fragilidade que fazem parte da realidade humana e num esforço de fidelidade aos
mandamentos de Deus.
A
coerência deve manifestar-se, também, na identificação entre a fé e a vida. A nossa
religião não é uma bela teoria, separável da nossa vida concreta. É uma mentira
dizer que se ama Deus e, na vida concreta, desprezar as suas propostas e
conduzir a vida de acordo com valores que contradizem de forma absoluta a
lógica de Deus. Um crente que diz amar Deus e, no dia a dia, cria à sua volta
injustiça, conflito, opressão, sofrimento; um crente que diz "conhecer
Deus" e fomenta uma lógica de guerra, de ódio, de intransigência, de
intolerância, está bem distante de Deus; um crente que diz ter "a sua
fé" e recusa o amor, a partilha, o serviço, a comunidade, está muito longe
dos caminhos onde se revela a vida e a salvação de Deus.
O
Evangelho assegura-nos que Jesus está vivo e continua a ser o centro à volta do
qual se constrói a comunidade dos discípulos. É precisamente nesse contexto
eclesial - no encontro comunitário, no diálogo com os irmãos que partilham a
mesma fé, na escuta comunitária da Palavra de Deus, no amor partilhado em
gestos de fraternidade e de serviço - que os discípulos podem fazer a
experiência do encontro com Jesus ressuscitado. Depois desse
"encontro", os discípulos são convidados a dar testemunho de Jesus
diante dos outros homens e mulheres.
Na
sua catequese, Lucas procura deixar claro que a ressurreição de Jesus foi um
fato real, incontornável que, contudo, os discípulos descobriram e
experimentaram só após um caminho longo, difícil, penoso, carregado de dúvidas
e de incertezas; apresentados como um grupo desconfiado, crítico, exigente, que
só acabou por reconhecer Jesus vivo e ressuscitado depois de um caminho mais ou
menos longo, mais ou menos difícil. No final desse caminho - que, como caminho
pessoal, para uns demorou mais e para outros demorou menos - eles
experimentaram, sem margem para dúvidas, que Jesus estava vivo, que caminhava
com eles pelos caminhos da história e que continuava a oferecer-lhes a vida de
Deus. Fizeram a experiência de encontro com Cristo vivo e chegaram à certeza da
ressurreição.
Na
catequese de Lucas há elementos que merecem destaque que são descritos a
seguir:
Ao
longo da sua caminhada de fé, os discípulos descobriram a presença de Jesus,
vivo e ressuscitado, no meio da sua comunidade. Perceberam que Ele continua a
ser o centro à volta do qual a comunidade se constrói e se articula. Entenderam
que Jesus derrama sobre a sua comunidade em marcha pela história a paz. Este
Jesus, vivo e ressuscitado, é o filho de Deus que, após caminhar com os homens,
reentrou no mundo de Deus. O "espanto" e o "medo" com que
os discípulos acolhem Jesus são, no contexto bíblico, a reação normal e
habitual do homem diante da divindade - Jesus não é um homem reanimado para a
vida que levava antes, mas o Deus que reentrou definitivamente na esfera
divina; as dúvidas dos discípulos dão conta dessa dificuldade que eles sentiram
em percorrer o caminho da fé, até ao encontro pessoal com o Senhor
ressuscitado. A ressurreição não foi, para os discípulos, um fato imediatamente
evidente, mas uma caminhada de amadurecimento da própria fé, até chegar à
experiência do Senhor ressuscitado;
Certos
elementos mais "sensíveis" e materiais, a insistência no
"tocar" em Jesus para ver que Ele não era um fantasma - a indicação
de que Jesus teria comido "uma posta de peixe assado" - são, antes de mais, uma forma de ensinar que a
experiência de encontro dos discípulos com Jesus ressuscitado não foi uma
ilusão ou um produto da imaginação, mas uma experiência muito forte e marcante,
quase palpável. São, ainda, uma forma de dizer que esse Jesus que os discípulos
encontraram, embora diferente e irreconhecível, é o mesmo que tinha andado com eles,
anunciando-lhes e propondo-lhes a salvação de Deus - Jesus ressuscitado não
está ausente e distante, definitivamente longe do mundo em que os discípulos
têm de continuar a caminhar; mas Ele continua, pelo tempo fora, a sentar-Se à
mesa com os discípulos, a estabelecer laços de familiaridade e de comunhão com
eles, a partilhar os seus sonhos, as suas lutas, as suas esperanças, as suas
dificuldades, os seus sofrimentos.
Jesus
ressuscitado desvela aos discípulos o sentido profundo das Escrituras. A
Escritura não só encontra em Jesus o seu cumprimento, mas também o seu
intérprete. A comunidade de Jesus que caminha pela vida deve, continuamente,
reunir-se à volta de Jesus ressuscitado para escutar a Palavra que alimenta e
que dá sentido à sua caminhada histórica; os discípulos, alimentados por essa
Palavra, recebem de Jesus a missão de dar testemunho diante de "todas as
nações, começando por Jerusalém". O anúncio dos discípulos terá como tema
central a morte e ressurreição de Jesus, o libertador anunciado por Deus desde
sempre. A finalidade da missão da Igreja de Jesus - os discípulos - é pregar o
arrependimento e o perdão dos pecados a todos os homens e mulheres,
propondo-lhes a opção pela vida nova de Deus, pela salvação, pela vida eterna.
Pode-se
afirmar que com a sua catequese, Lucas diz-nos que nós, como os primeiros
discípulos, temos de percorrer o nem sempre claro caminho da fé, até chegarmos
à certeza da ressurreição. Não se chega lá através de deduções lógicas ou
através de construções de carácter intelectual; mas chega-se ao encontro com o
Senhor ressuscitado inserindo-nos nesse contexto em que Jesus Se revela - no
encontro comunitário, no diálogo com os irmãos que partilham a mesma fé, na
escuta comunitária da Palavra de Deus, no amor partilhado em gestos de
fraternidade e de serviço. É nesse "caminho" que vamos encontrando
Cristo vivo, atuante, presente na nossa vida e na vida do mundo. Cristo
continua presente no meio da sua comunidade em marcha pela história. Quando a
comunidade se reúne para escutar a Palavra, Ele está presente e explica aos
seus discípulos o sentido das Escrituras.
Jesus
ressuscitado reentrou no mundo de Deus; mas não desapareceu da nossa vida e não
se alheou da vida da sua comunidade. Através da imagem do "comer em
conjunto" - que, para o Povo bíblico, significa estabelecer laços
estreitos, laços de comunhão, de familiaridade, de fraternidade - Lucas
garante-nos que o Ressuscitado continua a "sentar-se à mesa" com os
seus discípulos, a estabelecer laços com eles, a partilhar as suas
inquietações, anseios, dificuldades e esperanças, sempre solidário com a sua
comunidade. Podemos descobrir este Jesus ressuscitado que se senta à mesa com
os homens e mulheres sempre que a comunidade se reúne à mesa da Eucaristia,
para partilhar esse pão que Jesus deixou e que nos faz tomar consciência da
nossa comunhão com Ele e com os irmãos.
Jesus
lembra aos discípulos: "vós sois as testemunhas de todas estas
coisas". Isto significa, que Cristo nos pede, mais do que pelas palavras.
Jesus vem, hoje, ao encontro dos homens e oferece-lhes a salvação através dos
nossos gestos de acolhimento, de partilha, de serviço, de amor sem limites. São
esses gestos que testemunham, diante dos nossos irmãos, que Cristo está vivo e
que Ele continua a sua obra de libertação dos homens e do mundo.Assim seja! Amém.
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