Irmãos
e irmãs,
Neste
Segundo Domingo da Quaresma, a Palavra de Deus define o caminho que o
verdadeiro discípulo deve seguir para chegar à vida nova: é o caminho da escuta
atenta de Deus e dos seus projetos, o caminho da obediência total e radical aos
planos do Pai.
Na
primeira leitura apresenta-se a figura de Abraão como paradigma de uma certa
atitude diante de Deus. Abraão é o homem de fé, que vive numa constante escuta
de Deus, que aceita os apelos de Deus e que lhes responde com a obediência
total, mesmo quando os planos de Deus parecem ir contra os seus sonhos e
projetos pessoais. Nesta perspectiva, Abraão é o modelo do crente que percebe o
projeto de Deus e o segue de todo o coração.
Na
vida do homem do nosso tempo, contudo, nem sempre Deus ocupa o lugar central
que Lhe é devido. Com frequência, o dinheiro, o poder, a carreira profissional,
o reconhecimento social, o sucesso, ocupam o lugar de Deus e condicionam as
nossas opções, os nossos interesses, os valores que nos orientam. Abraão, o
crente para quem Deus é a coordenada fundamental à volta da qual toda a vida se
constrói convida-nos, nesta Quaresma, a rever as nossas prioridades e a dar a
Deus o lugar que Ele merece.
Na
sua relação com Deus, o crente Abraão manifesta uma vasta gama de “qualidades”
– a reverência, o respeito, a humildade, a disponibilidade, a obediência, a
confiança, o amor, a fé – que o definem como o crente “ideal”, o modelo para os
crentes de todas as épocas. Neste tempo de preparação para a Páscoa, são estas
“qualidades” que nos são propostas, também. É preciso que realizemos um caminho
de conversão que nos torne cada vez mais atentos e disponíveis para acolher e
para viver na fidelidade aos planos de Deus. Fazer de Deus o centro da própria
existência e renunciar aos próprios critérios e interesses para cumprir os
planos de Deus não é uma escravidão, mas um caminho que nos garante, a nós e
aos nossos irmãos, o acesso à vida plena e verdadeira.
A
segunda leitura lembra que Deus nos ama com um amor imenso e eterno. A melhor
prova desse amor é Jesus Cristo, o Filho amado de Deus que morreu para ensinar
ao homem o caminho da vida verdadeira. Sendo assim, o cristão nada tem a temer
e deve enfrentar a vida com serenidade e esperança.
Para
Paulo, há uma constatação incrível, que não cessa de o espantar: Deus ama-nos
com um amor profundo, total, radical, que nada nem ninguém consegue apagar ou
eliminar. Esse amor veio ao nosso encontro em Jesus Cristo, atingiu a nossa
existência e transformou-a, capacitando-nos para caminharmos ao encontro da
vida eterna. Ora, antes de mais, é esta descoberta que Paulo nos convida a
fazer… Nos momentos de crise, de desilusão, de perseguição, de orfandade,
quando parece que todo o mundo está contra nós e que não entende a nossa luta e
o nosso compromisso, a Palavra de Deus grita: “não tenhais medo; Deus ama-vos”.
Descobrir
esse amor dá-nos a coragem necessária para enfrentar a vida com serenidade, com
tranquilidade e com o coração cheio de paz. O crente é aquele homem ou mulher
que não tem medo de nada porque está consciente de que Deus o ama e que lhe
oferece, aconteça o que acontecer, a vida em plenitude. Pode, portanto,
entregar a sua vida como dom, correr riscos na luta pela paz e pela justiça,
enfrentar os poderes da opressão e da morte, porque confia no Deus que o ama e
que o salva.
O
Evangelho relata a transfiguração de Jesus. o Filho amado de Deus, que vai
concretizar o seu projeto libertador em favor dos homens através do dom da
vida. Aos discípulos, desanimados e assustados, Jesus diz: o caminho do dom da
vida não conduz ao fracasso, mas à vida plena e definitiva. Segui-o, vós
também.
O
episódio da transfiguração, esta manifestação de Deus, constitui uma palavra de
ânimo para os discípulos e para o povo em geral, pois, nela manifesta-se a
glória de Jesus e atesta-se que Ele é – apesar da cruz que se aproxima – o
Filho amado de Deus. Os discípulos recebem, assim, a garantia de que o projeto
que Jesus apresenta é um projeto que vem de Deus; e, apesar das suas próprias
dúvidas, recebem um complemento de esperança que lhes permite “embarcar” e
apostar neste projeto.
A
questão fundamental expressa no episódio da transfiguração está na revelação de
Jesus como o Filho amado de Deus, que vai concretizar o projeto salvador e
libertador do Pai em favor de homens e mulheres através do dom da vida, da
entrega total de Si próprio por amor. Pela transfiguração de Jesus, Deus
demonstra aos povos de todas as épocas e lugares que uma existência feita dom
não é fracassada – mesmo se termina na cruz. A vida plena e definitiva espera,
no final do caminho, todos aqueles que, como Jesus, forem capazes de pôr a sua
vida ao serviço dos irmãos e irmãs.
Na
verdade, homens e mulheres do nosso tempo têm alguma dificuldade em perceber
esta lógica… Para muitos dos nossos irmãos e irmãs, a vida plena não está no
amor levado até às últimas consequências, até ao dom total da vida, mas sim na
preocupação egoísta com os seus interesses pessoais, com o seu orgulho, com o
seu pequeno mundo privado; não está no serviço simples e humilde em favor dos irmãos,
sobretudo dos mais débeis, dos mais marginalizados, dos mais infelizes; mas no
assegurar para si próprio uma dose generosa de poder, de influência, de
autoridade, de domínio, que dê a sensação de pertencer à categoria dos
vencedores; não está numa vida vivida como dom, com humildade e simplicidade,
mas numa vida feita um jogo complicado de conquista de honras, de glórias, de
êxitos.
Por
vezes somos tentados pelo desânimo, porque não percebemos o alcance dos
esquemas de Deus; ou então, parece que, seguindo a lógica de Deus, seremos
sempre perdedores e fracassados, que nunca integraremos a elite dos senhores do
mundo e que nunca chegaremos a conquistar o reconhecimento daqueles que
caminham ao nosso lado… A transfiguração de Jesus grita-nos, do alto daquele
monte: não desanimeis, pois, a lógica de Deus não conduz ao fracasso, mas à
ressurreição, à vida definitiva, à felicidade sem fim.
Os
três discípulos, testemunhas da transfiguração, parecem não ter muita vontade
de “descer à terra” e enfrentar o mundo e os problemas dos homens. Representam
todos aqueles que vivem de olhos postos no céu, alheados da realidade concreta
do mundo, sem vontade de intervir para o renovar e transformar. No entanto, ser
seguidor de Jesus obriga a “regressar ao mundo” para testemunhar aos homens –
mesmo contra a corrente – que a realização autêntica está no dom da vida;
obriga a atolarmo-nos no mundo, nos seus problemas e dramas, a fim de dar o
nosso contributo para o aparecimento de um mundo mais justo e mais feliz. A
religião não é um ópio que nos adormece, mas um compromisso com Deus, que se
faz compromisso de amor com o mundo e com os homens e mulheres.
Jesus
encontra-Se com o seu Pai. O monte é o lugar de encontro com Deus: Moisés e
Elias encontram Deus no monte Horeb, Jesus retira-Se muitas vezes para o monte
para rezar. Naquele dia, Deus toma a palavra para reconhecer Jesus como seu
Filho bem-amado, e pede para O escutar. Jesus encontra-Se com Moisés e Elias,
estes porta-vozes cheios do poder de Deus libertador junto do seu povo. A sua
presença no monte da transfiguração revela que Jesus veio cumprir tudo o que os
profetas tinham anunciado. Enfim, Jesus encontra-Se no monte das Oliveiras com
as testemunhas adormecidas da Paixão. E se Jesus Se transfigura a seus olhos, é
para lhes fazer ver a glória que Lhe vem de seu Pai. Mas para conhecer esta
glória, é preciso passar pelo sofrimento e pela morte. Ainda não chegou o
momento para nos sentarmos, é preciso retomar o caminho para “passar” com o
Mestre. A Quaresma é Tempo de Transfigurar-se, manifestando Deus a todos (as). Assim seja! Amém.
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