Irmãos
e irmãs.
Este
primeiro Domingo do Tempo da Quaresma garante-nos que Deus está interessado em
destruir o velho mundo do egoísmo e do pecado e em oferecer aos homens e
mulheres um mundo novo de vida plena e de felicidade sem fim.
A
primeira leitura é um extrato da história do dilúvio. Diz-nos que Javé, depois
de eliminar o pecado que escraviza-nos e que corrompe o mundo, depõe o seu
“arco de guerra”, vem ao nosso encontro, faz uma Aliança incondicional de paz.
A ação de Deus destina-se a fazer nascer uma nova humanidade, que percorra os
caminhos do amor, justiça e vida verdadeira.
Evidentemente,
não foi Deus que enviou o dilúvio para castigar a humanidade. Os catequistas de
Israel apenas pegaram na velha lenda mesopotâmica para ensinar que o pecado é
algo incompatível com Deus e com os projetos de Deus para homens e mulheres e
para o mundo; por isso, quando o ódio, a violência, o egoísmo, o orgulho, a
prepotência enchem o mundo e trazem infelicidade, Deus tem de intervir para
corrigir o rumo da humanidade
O
sentido geral do texto que nos é proposto aponta, contudo, no sentido da
esperança. A Aliança que Deus faz com Noé e com toda a humanidade é uma Aliança
totalmente gratuita e incondicional, que não depende do arrependimento do homem
ou das contrapartidas que o mesmo possa oferecer a Deus… Nos termos desta
Aliança revela-se um Deus que abençoa e abraça teu povo, que nos ama mesmo
quando continuamos a trilhar caminhos de pecado e infidelidade. Nesta Quaresma,
somos convidados a fazer esta experiência de um Deus que nos ama apesar das
nossas infidelidades; a deixar que o amor de Deus nos transforme e nos faça
renascer para a vida nova; convida-nos a repensar a nossa forma de abordar a
vida e de tratar os nossos irmãos, é um tempo propício para repensarmos as
nossas atitudes e para nos convertermos à lógica do amor incondicional, à
lógica de Deus.
Na
segunda leitura, o autor da primeira Carta de Pedro recorda que, pelo Batismo,
os cristãos aderiram a Cristo e à salvação que Ele veio oferecer. Comprometeram-se,
portanto, a seguir Jesus no caminho do amor, serviço, dom da vida; e,
envolvidos neste dinamismo de vida e salvação que brota de Jesus, tornaram-se o
princípio de uma nova humanidade.
A
conclusão que o autor da carta sugere-nos o seguinte: se Cristo propiciou,
mesmo aos injustos, a salvação, também os cristãos devem dar a vida e fazer o
bem, mesmo quando são perseguidos e sofrem. Comprometidos com Cristo pelo Batismo,
eles nasceram para uma vida nova; e devem testemunhar esta vida nova diante de
todos, mesmo diante dos maus e dos perseguidores.
No
Evangelho, Jesus mostra-nos como a renúncia a caminhos de egoísmo e de pecado e
a aceitação dos projetos de Deus está na origem do nascimento deste mundo novo
que Deus quer oferecer a todos - o “Reino de Deus”. Aos seus discípulos Jesus
pede para que possam fazer parte da comunidade do “Reino”, a conversão e a
adesão à Boa Nova que Ele próprio veio propor.
O
quadro da “tentação no deserto” diz-nos que Jesus, ao longo do caminho que
percorreu no meio do povo, foi confrontado com opções. Ele teve de escolher
entre viver na fidelidade aos projetos do Pai e fazer da sua vida um dom de
amor, ou frustrar os planos de Deus e enveredar por um caminho de egoísmo, de
poder, de autossuficiência. Jesus escolheu viver de forma total, absoluta, até
ao dom da vida – na obediência às propostas do Pai. Os discípulos de Jesus são
confrontados a todos os instantes com as mesmas opções. Pois, seguir Jesus é
perceber os projetos de Deus e cumpri-los fielmente, fazendo da própria vida
uma entrega de amor e um serviço aos irmãos.
Ao
dispor-se a cumprir integralmente o projeto de salvação que o Pai tinha para homens
e mulheres, Jesus começou a construir um mundo novo, de harmonia, de justiça,
de reconciliação, de amor e de paz. A este mundo novo, Jesus chamava “Reino de
Deus”. Nós aderimos a este projeto e comprometemo-nos com ele, no dia em que
escolhemos ser seguidores de Jesus.
Para
que o “Reino de Deus” se torne uma realidade, o que é necessário fazer? Na
perspectiva de Jesus, o “Reino de Deus” exige, antes de mais, a “conversão”.
“Converter-se” é, antes de mais, renunciar a caminhos de egoísmo e de autossuficiência
e recentrar a própria vida em Deus, de forma a que Deus e os teus projetos
sejam sempre a nossa prioridade máxima. Implica, naturalmente, modificar a
nossa mentalidade, os nossos valores, as nossas atitudes, a nossa forma de
encarar Deus, o mundo e os outros. Exige que sejamos capazes de renunciar ao
egoísmo, ao orgulho, à autossuficiência, ao comodismo e que voltemos a escutar
Deus e as suas propostas. O que é que temos de “converter” – quer em termos
pessoais, quer em termos institucionais – para que se manifeste, realmente,
esse Reino de Deus tão esperado?
De
acordo com a Palavra de Deus que nos é proposta, o “Reino de Deus” exige,
também, o “acreditar” no Evangelho. “Acreditar” é, sobretudo, uma adesão total
à pessoa de Jesus e ao seu projeto de vida. Com a sua pessoa, com as suas
palavras, com os seus gestos e atitudes, Jesus propôs aos homens e mulheres – a
todos – uma vida de amor total, de doação incondicional, de serviço simples e
humilde, de perdão sem limites. Portanto, o “discípulo” é alguém que está
disposto a escutar o chamamento de Jesus, a acolher esse chamamento no coração
e a seguir Jesus no caminho do amor e do dom da vida. O chamamento a integrar a
comunidade do “Reino” não é algo reservado a um grupo especial de pessoas, com
uma missão especial no mundo e na Igreja; mas é algo que Deus dirige a cada homem
e a cada mulher, sem exceção. Todos os batizados são chamados a ser discípulos
de Jesus, a “converter-se”, a “acreditar no Evangelho”, a seguir Jesus neste
caminho de amor e de dom da vida. Esse chamamento é radical e incondicional:
exige que o “Reino” se torne o valor fundamental, a prioridade, o principal
objetivo do discípulo.
O
“Reino” é uma realidade que Jesus começou e que já está, decisivamente,
implantada na nossa história. Não tem fronteiras materiais e definidas; mas
está a acontecer e a concretizar-se através dos gestos de bondade, de serviço,
de doação, de amor gratuito que acontecem à nossa volta - muitas vezes, até
fora das fronteiras institucionais da “Igreja” - e que são um sinal visível do
amor de Deus nas nossas vidas. Não é uma realidade que construímos de uma vez,
mas é uma realidade sempre em construção, sempre a fazer-se, até à sua
realização final, no fim dos tempos, quando o egoísmo e o pecado desaparecerem
para sempre. Em cada dia que passa, temos de renovar o compromisso com o
“Reino” e empenharmo-nos na sua edificação. Pois, “Conversão”
e “adesão ao projeto de Jesus” são duas faces de uma mesma moeda - a construção
de um Homem Novo e uma Nova Mulher, com uma nova mentalidade, com novos
valores, com uma postura vital inteiramente nova. Então, teremos um mundo novo
– o “Reino de Deus”.
A
verdadeira conversão… Quaresma, tempo de penitência, de sacrifícios de toda a
espécie, de resistência às tentações, à imitação de Jesus no deserto… A
verdadeira conversão é, antes de mais, “acreditar na Boa Nova”. E esta Boa Nova
é a manifestação do verdadeiro rosto de Deus em Jesus: um Pai no qual só há
amor, porque Ele é Amor em estado puro, a fonte absoluta do Amor. Às vezes, a
primeira tentação, a mais terrível, consiste em transpor para Deus as nossas
maneiras de amar, de compreender a justiça, o poder. Ora, não é Deus que é à
nossa imagem, nós é que somos à sua imagem. A verdadeira conversão consiste em
mudar todas as nossas concepções de Deus para acolher um Pai que nunca para de
nos amar, que nunca nos rejeita. E quando recusamos o seu amor, Ele só tem um
desejo: manifestar-nos ainda mais o seu amor, até nos dar o seu Filho, para
que, enfim, nós nos deixemos amar. A Quaresma é também tempo para descobrir
este Deus! Assim seja! Amém.
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