Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo, último da Quaresma convida-nos a contemplar este Deus que, por
amor, desceu ao nosso encontro, partilhou a nossa humanidade, fez-Se servo,
deixou-Se matar para que o egoísmo e o pecado fossem vencidos. A cruz, que a
liturgia deste domingo coloca no horizonte próximo de Jesus, apresenta-nos a
lição suprema, o último passo desse caminho de vida nova que, em Jesus, Deus
nos propõe: a doação da vida por amor.
A
primeira leitura apresenta-nos um profeta, chamado por Deus a testemunhar no
meio das nações a Palavra da salvação. Apesar do sofrimento e da perseguição, o
profeta confiou em Deus e concretizou, com teimosa fidelidade, os projetos de
Deus. Os primeiros cristãos viram neste “servo” a figura de Jesus.
Jesus
é a Palavra de Deus feita carne, que oferece a sua vida para trazer a
salvação/libertação aos homens… A vida de Jesus realiza plenamente esse destino
de dom e de entrega da vida em favor de todos; e a sua glorificação mostra que
uma vida vivida deste jeito não termina no fracasso, mas na ressurreição que
gera vida nova. Jesus, o “servo” sofredor que faz da sua vida um dom por amor,
mostra aos seus seguidores o caminho: a vida, quando é posta ao serviço da
libertação dos pobres e dos oprimidos, não é perdida mesmo que pareça, em
termos humanos, fracassada e sem sentido.
A
segunda leitura apresenta-nos o exemplo de Cristo. Ele prescindiu do orgulho e
da arrogância, para escolher a obediência ao Pai e o serviço aos homens, até ao
dom da vida. É esse mesmo caminho de vida que a Palavra de Deus nos propõe.
Paulo
tem consciência de que está a pedir aos seus cristãos algo realmente difícil;
mas é algo que é fundamental, à luz do exemplo de Cristo. Também a nós é
pedido, nestes últimos dias antes da Páscoa, um passo em frente neste difícil
caminho da humildade, do serviço, do amor:
Os
acontecimentos que, nesta semana, vamos celebrar garantem-nos que o caminho do
dom da vida não é um caminho de “perdedores” e fracassados: o caminho do dom da
vida conduz ao sepulcro vazio da manhã de Páscoa, à ressurreição. É um caminho
que garante a vitória e a vida plena.
O
Evangelho convida-nos a contemplar a paixão e morte de Jesus: é o momento
supremo de uma vida feita dom e serviço, a fim de libertar homens e mulheres de
tudo aquilo que gera egoísmo e escravidão. Na cruz, revela-se o amor de Deus –
este amor que não guarda nada para si, mas que se faz dom total.
A
morte de Jesus é a consequência lógica do anúncio do “Reino”: resultou das
tensões e resistências que a proposta do “Reino” provocou entre os que
dominavam o mundo. Podemos, também, dizer que a morte de Jesus é o culminar da
sua vida; é a afirmação última, porém mais radical e mais verdadeira, porque
marcada com sangue, daquilo que Jesus pregou com palavras e com gestos: o amor,
o dom total, o serviço.
Na
cruz, vemos aparecer o Homem Novo e a Nova Mulher, o protótipo de quem ama
radicalmente e que faz da sua vida um dom para todos. Porque ama, este Homem
Novo e Nova Mulher, vai assumir como missão a luta contra o pecado – isto é,
contra todas as causas objetivas que geram medo, injustiça, sofrimento,
exploração e morte. Assim, a cruz mantém o dinamismo de um mundo novo – o
dinamismo do “Reino”.
Contemplar
a cruz onde se manifesta o amor e a entrega de Jesus significa assumir a mesma
atitude que Ele assumiu e solidarizar-Se com aqueles que são crucificados neste
mundo: os que sofrem violência, os que são explorados, os que são excluídos, os
que são privados de direitos e de dignidade… Olhar a cruz de Jesus significa
denunciar tudo o que gera ódio, divisão, medo, em termos de estruturas,
valores, práticas, ideologias; significa evitar que os homens continuem a
crucificar outros homens; significa aprender com Jesus a entregar a vida por
amor… Viver deste jeito pode conduzir à morte; mas o cristão sabe que amar como
Jesus é viver a partir de uma dinâmica que a morte não pode vencer: o amor gera
vida nova e introduz na nossa carne os dinamismos da ressurreição.
Um
dos elementos mais destacados no relato marciano da paixão é a forma como Jesus
Se comporta ao longo de todo o processo que conduz à sua morte… Ele nunca Se
descontrola, nunca recua, nunca resiste, mas mantém-Se sempre sereno e digno,
enfrentando o seu destino de cruz. Tal não significa que Jesus seja um herói
inconsciente a quem o sofrimento e a morte não assustam, ou que Ele Se coloque
na pele de um fraco que desistiu de lutar e que aceita passivamente aquilo que
os outros Lhe impõem… A atitude de Jesus é a atitude de quem sabe que o Pai Lhe
confiou uma missão e está decidido a cumprir essa missão, custe o que custar.
A
“angústia” e o “pavor” de Jesus diante da morte, o seu lamento pela solidão e
pelo abandono, tornam-n’O muito “humano”, muito próximo das nossas debilidades
e fragilidades. Desta forma, é mais fácil identificarmo-nos com Ele, confiar
n’Ele, segui-l’O no seu caminho do amor e da entrega. A humanidade de Jesus
mostra-nos, também, que o caminho da obediência ao Pai não é um caminho
impossível, reservado a super-heróis ou a deuses, mas é um caminho de homens
frágeis, chamados por Deus a percorrerem, com esforço, o caminho que conduz à
vida definitiva.
A
solidão de Jesus diante do sofrimento e da morte anuncia já a solidão do
discípulo que percorre o caminho da cruz. Quando o discípulo procura cumprir o
projeto de Deus, recusa os valores do mundo, enfrenta as forças da opressão e
da morte, recebe a indiferença e o desprezo do mundo e tem de percorrer o seu
caminho na mais dramática solidão. O discípulo tem de saber, no entanto, que o
caminho da cruz, apesar de difícil, doloroso e solitário, não é um caminho de
fracasso e de morte, mas é um caminho de libertação e de vida plena.
Portanto,
celebrar a paixão e a morte de Jesus é abismar-se na contemplação de um Deus a
quem o amor tornou frágil… Por amor, Ele veio ao nosso encontro, assumiu os
nossos limites e fragilidades, experimentou a fome, o sono, o cansaço, conheceu
a mordedura das tentações, experimentou a angústia e o pavor diante da morte;
e, estendido no chão, esmagado contra a terra, atraiçoado, abandonado,
incompreendido, continuou a amar. Desse amor resultou vida plena, que Ele quis
repartir conosco “até ao fim dos tempos”: esta é a mais espantosa história de
amor que é possível contar; ela é a boa notícia que enche de alegria o coração
dos que creem. Que esta semana seja “santa” nos momentos quotidianos de
encontro com Jesus Cristo: “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor!
Bendito o Reino que vem! Hosana no mais alto dos céus! ” ... Chegou o tempo do
silêncio que permite acolher o mistério, o mistério do Amor. Assim seja! Amém.
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