Irmãos
e irmãs,
Neste
Santo Domingo de Páscoa, celebramos a ressurreição, garantindo que a vida em
plenitude resulta de uma existência feita dom e serviço em favor dos irmãos. A
ressurreição de Cristo é o exemplo concreto que confirma tudo isto.
A
primeira leitura apresenta o exemplo de Cristo que “passou pelo mundo fazendo o
bem” e que, por amor, Se deu até à morte; por isso, Deus ressuscitou-O. Os
discípulos, testemunhas desta dinâmica, devem anunciar este “caminho” a todos.
Assim,
a ressurreição de Jesus não é apresentada como um fato isolado, mas como o
culminar de uma vida vivida na obediência ao Pai e na doação. Depois de Jesus
ter passado pelo mundo “fazendo o bem e libertando todos os que eram
oprimidos”; depois de Ele ter morrido na cruz como consequência desse
“caminho”, Deus ressuscitou-O. A vida nova e plena que a ressurreição
significa, parece ser o ponto de chegada de uma existência posta ao serviço do
projeto salvador e libertador de Deus. Por outro lado, esta vida vivida na
entrega e no dom é uma proposta transformadora que, uma vez acolhida, liberta
da escravidão do egoísmo e do pecado.
Portanto,
os discípulos, aqueles que aderiram a Jesus e que acolheram a sua proposta
libertadora, identificando-se com vida de Jesus, eles estão a “ressuscitar”, isto
é, a renascer para a vida nova e plena. Além disso, eles são as testemunhas de
tudo isto, é absolutamente necessário que esta proposta de ressurreição, de
vida plena, de vida transfigurada, chegue a todos. Trata-se de uma proposta de
salvação universal que, através dos discípulos, deve atingir, todos os povos da
terra, sem distinção.
A
segunda leitura convida os cristãos, revestidos de Cristo pelo batismo, a
continuarem a sua caminhada de vida nova até à transformação plena, que
acontecerá quando, pela morte, tivermos ultrapassado a última barreira da nossa
finitude.
Paulo
apresenta-nos como ponto de partida e base da vida cristã, a união com Cristo
ressuscitado, na qual o cristão é introduzido pelo batismo. Ao ser batizado, o
cristão morreu para o pecado e renasceu para uma vida nova, que terá a sua
manifestação gloriosa quando ultrapassarmos, pela morte, as fronteiras da nossa
vida terrena. Enquanto caminhamos ao encontro desse objetivo último, a nossa
vida tem de tender para Cristo. Em concreto, isso significa despojarmo-nos do
“homem velho” por um processo de conversão que nunca está acabado, e o
revestirmo-nos, cada dia mais profundamente, da imagem de Cristo, de forma a
que nos identifiquemos com Ele pelo amor e pela entrega da vida.
No
texto de Paulo está bem presente a ideia de que temos que viver com os pés na
terra, mas com a mente e o coração no céu: é lá que estão os bens eternos e a
nossa meta definitiva, “afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra”.
O
Evangelho coloca-nos diante de duas atitudes face à ressurreição: a do
discípulo obstinado, que se recusa a aceitá-la porque, na sua lógica, o amor
total e a doação da vida nunca podem ser geradores de vida nova; e a do discípulo
ideal, que ama Jesus e que, por isso, entende o seu caminho e a sua proposta, a
esse não o escandaliza nem o espanta que da cruz tenha nascido a vida plena, a
vida verdadeira.
O
nosso texto começa com uma indicação aparentemente cronológica, mas que deve
ser entendida sobretudo em chave teológica: “no primeiro dia da semana”. Significa
que começou um novo ciclo, o da nova criação, o da Páscoa definitiva. Aqui
começa um novo tempo, do Novo Homem e da Nova Mulher que nasce a partir da
doação de Jesus.
A
primeira personagem em cena é Maria Madalena, ela é a primeira a dirigir-se ao
túmulo de Jesus, ainda o sol não tinha nascido, na manhã do “primeiro dia da
semana”. Ela representa a nova comunidade que nasceu da ação criadora e
vivificadora do Messias; essa nova comunidade, testemunha da cruz, acredita,
inicialmente, que a morte triunfou e vai procurar Jesus no sepulcro; é uma
comunidade perdida, desorientada, insegura, desamparada, que ainda não
conseguiu descobrir que a morte foi derrotada; mas, diante do sepulcro vazio, a
nova comunidade apercebe-se de que a morte não venceu e que Jesus continua
vivo.
Na
sequência, João apresenta uma catequese sobre a dupla atitude dos discípulos
diante do mistério da morte e da ressurreição de Jesus. Essa dupla atitude é
expressa no comportamento de dois discípulos que, na manhã da Páscoa, correm ao
túmulo de Jesus: Simão Pedro e um “outro discípulo” não identificado, mas que
parece ser esse “discípulo amado”, apresentado como modelo ideal do discípulo.
João
coloca, aliás, estas duas figuras lado a lado em várias circunstâncias, na
última ceia, é o “discípulo amado” que percebe quem está do lado de Jesus e quem
O vai trair; na paixão, é ele que consegue estar perto de Jesus no átrio do
sumo sacerdote, enquanto Pedro O trai; é ele que está junto da cruz quando
Jesus morre; é ele quem reconhece Jesus ressuscitado nesse vulto que aparece
aos discípulos no lago de Tiberíades. Nas outras vezes, o “discípulo amado”
levou sempre vantagem sobre Pedro. Aqui, isso irá acontecer outra vez: o “outro
discípulo” correu mais e chegou ao túmulo primeiro que Pedro, o fato de se
dizer que ele não entrou logo, pode querer significar a sua deferência e o seu
amor, que resultam da sua sintonia com Jesus; e, depois de ver, “acreditou”, o
mesmo não se diz de Pedro).
Assim,
Pedro e o discípulo amado, representam o impacto produzido nos discípulos pela
morte de Jesus e as diferentes disposições existentes entre os membros da
comunidade cristã. Em geral Pedro representa, nos Evangelhos, o discípulo
obstinado, para quem a morte significa fracasso e que se recusa a aceitar que a
vida nova passe pela humilhação da cruz. Ao contrário, o “outro discípulo” é o
“discípulo amado”, que está sempre próximo de Jesus, que faz a experiência do
amor de Jesus; por isso, corre ao seu encontro de forma mais decidida e
“percebe”, porque só quem ama muito percebe certas coisas que passam
despercebidas aos outros – que a morte não pôs fim à vida.
Esse
“outro discípulo” é, portanto, a imagem do discípulo ideal, que está em
sintonia total com Jesus, que corre ao seu encontro com um total empenho, que
compreende os sinais e que descobre, porque o amor leva à descoberta, que Jesus
está vivo. Ele é o paradigma do Homem Novo e da Nova Mulher, recriados por
Jesus.
A
lógica humana vai na linha da figura representada por Pedro, o amor partilhado
até à morte, o serviço simples e sem pretensões, a entrega da vida, só conduzem
ao fracasso e não são um caminho sólido e consistente para chegar ao êxito, ao
triunfo, à glória; da cruz, do amor radical, da doação de si, não pode resultar
realização, felicidade, vida plena. A figura de Pedro pode também representar,
aqui, essa velha prudência dos responsáveis institucionais da Igreja, que os
impede de ir à frente da caminhada do Povo de Deus, de arriscar, de aceitar os
desafios, de aderir ao novo, ao desconcertante, ao incompreensível. O Evangelho
de hoje sugere que é, precisamente nesta ação que, tantas vezes, se revela o
mistério de Deus e se encontram ecos de ressurreição e de vida nova.
De
outra forma, a ressurreição de Jesus prova, precisamente, que a vida plena, a
vida total, a transfiguração total da nossa realidade finita e das nossas
capacidades limitadas passa pelo amor que se dá, com radicalidade, até às
últimas consequências. Pela fé, pela
esperança, pelo seguimento de Cristo e pelos sacramentos, a semente da
ressurreição, o próprio Jesus, é depositada na realidade do homem/corpo.
Revestidos de Cristo, somos nova criatura, estamos, a ressuscitar, até
atingirmos a plenitude, a maturação plena, a vida total, quando ultrapassarmos a
barreira da morte física. Aqui começa, pois, a nova humanidade.
Portanto,
a ressurreição de Jesus é a consequência de uma vida gasta a “fazer o bem e a
libertar os oprimidos”. Isso significa que, sempre que alguém, na linha de
Jesus, se esforça por vencer o egoísmo, a mentira, a injustiça e por fazer
triunfar o amor, está a ressuscitar; significa que, sempre que alguém, como
Jesus, se dá aos outros e manifesta, em gestos concretos, a sua entrega aos
irmãos, está a construir vida nova e plena. Eu estou a ressuscitar, porque
caminho pelo mundo fazendo o bem e libertando os oprimidos.
A
ressurreição de Jesus significa, também, que o medo, a morte, o sofrimento, a
injustiça, deixam de ter poder sobre aquele que ama, que se dá, que partilha a
vida. Ele tem assegurada a vida plena, essa vida que os poderes do mundo não
podem destruir, atingir ou restringir. Ele pode, assim, enfrentar o mundo com a
serenidade que lhe vem da fé. Assim, aos
discípulos pede-se que sejam as testemunhas da ressurreição. Nós não vimos o
sepulcro vazio; mas fazemos, todos os dias, a experiência do Senhor
ressuscitado, que está vivo e que caminha ao nosso lado nos caminhos da história.
No entanto, o nosso testemunho será vazio, se o nosso testemunho não for comprovado
pelo amor e pela doação, as marcas da vida nova de Jesus. Desta forma, a nossa missão é testemunhar essa
realidade, como fizeste o discípulo que viu e acreditou, pois, em Cristo ressuscitamos para um Tempo Pascal Feliz e Pleno. Assim seja! Amém.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Palavra em mim agradece, pois seu comentário é muito importante para a nossa caminhada dialógica.
Obrigado!