Irmãos
e irmãs,
Neste
Santo Domingo, a Palavra de Deus convida-nos a refletir sobre o compromisso
cristão. Aqueles que foram interpelados pelo desafio do “Reino” não podem
remeter-se a uma vida cômoda e instalada, nem refugiar-se numa religião ritual
e feita de gestos vazios; mas têm de viver de tal forma comprometidos com a
transformação do mundo que se tornem uma luz que brilha na noite do mundo e que
aponta no sentido desse mundo de plenitude que Deus prometeu a humanidade – o
mundo do “Reino”.
A
primeira leitura sugere que o Povo pratica certas formas de piedade sem ter em
conta as suas exigências profundas. Pois, a multiplicidade de ritos, de orações
solenes, de celebrações, por si só nada vale, se não tem a devida
correspondência na vida de relação com os irmãos. Assim, Isaías apresenta-nos
as condições necessárias para “ser luz”: é uma “luz” que ilumina o mundo, não
quem cumpre ritos religiosos estéreis e vazios, mas quem se compromete
verdadeiramente com a justiça, com a paz, com a partilha, com a fraternidade. A
verdadeira religião não se fundamenta numa relação “platônica” com Deus, mas
num compromisso concreto que leva-nos a ser um sinal vivo do amor de Deus no
meio dos seus irmãos.
Para
Deus, a atitude de dependência, de humildade, de entrega, tem de se traduzir
numa vida em consonância com as propostas de Deus. O culto tem de ter tradução
em atitudes concretas. Para Deus, não é um culto formalista, rico de gestos
estrondosos e de ritos solenes mas estéril e vazio quanto aos sentimentos, que
faz do Povo de Deus a “luz” do mundo; o Povo será uma luz que anuncia Deus no
mundo, se testemunhar o amor e a misericórdia em gestos concretos de
libertação, de partilha, de amor e de paz. A relação com Deus (expressa nos
gestos cultuais) só é verdadeira se se traduz em gestos que anunciem e
testemunhem a misericórdia e o amor de Deus no meio dos irmãos e irmãs.
Na
segunda leitura, Paulo avisa-nos que ser “luz” não é colocar a sua esperança de
salvação em esquemas humanos de sabedoria, mas é identificar-se com Cristo e
interiorizar a “loucura da cruz” que é dom da vida. É na fragilidade e na
debilidade que Deus Se manifesta: o exemplo de Paulo – um homem frágil e pouco
brilhante – demonstra-o.
Desta
forma, Paulo apresenta-se na dupla condição de evangelizador e de homem. Como
evangelizador, Paulo não se apresentou com palavras grandiosas, com discursos
sublimes, com filosofias elaboradas e coerentes; mas apresentou-se com toda a
simplicidade para anunciar esse paradoxo de um Deus, que morreu numa cruz
rejeitado por todos. Apesar de tudo, em Corinto nasceu uma comunidade cristã
cheia de força e de fé. Como homem, Paulo apresentou-se em Corinto consciente
da sua fraqueza, assustado e cheio de temor. Não foi, portanto, pela sedução da
sua personalidade arrebatadora, pelas suas “brilhantes” qualidade do pregador,
nem pelo brilho e coerência da sua exposição que os coríntios se sentiram
atraídos por Jesus e pelo Evangelho. Assim,
a
força de Deus se impõe, muito para além dos limites do profeta que apresenta a
proposta ou do ouvinte que a escuta. O Espírito de Deus está sempre presente e
age no coração dos que creem, de forma a que eles não se fiquem pelos esquemas
da sabedoria humana, mas se deixem tocar pela sabedoria de Deus, pois, somos
todos instrumentos humildes, através dos quais Deus concretiza o seu projeto de
salvação para o mundo… Para além do nosso esforço, da nossa entrega, da nossa
doação, das nossas técnicas, está o Espírito de Deus que potencializa e torna
eficaz a Palavra que anunciamos.
No
Evangelho, Mateus revela-nos que Jesus exorta os seus discípulos a não se
instalarem na mediocridade, no comodismo, no “deixa andar”; e pede-lhes que
sejam o sal que dá sabor ao mundo e que testemunha a perenidade e a eternidade
do projeto salvador de Deus; também os exorta a serem uma luz que aponta no
sentido das realidades eternas, que vence a escuridão do sofrimento, do
egoísmo, do medo e que conduz ao encontro de um “Reino” de liberdade e de
esperança.
O
texto que nos é proposto reúne duas parábolas – a do sal e a da luz –
destinadas a pôr em relevo o papel do novo Povo de Deus no mundo e a definir a
missão daqueles que aceitam viver no espírito das bem-aventuranças. Assim,
depois de apresentar a nova Lei - “bem-aventuranças”, Jesus define a missão do
novo Povo de Deus.
A
primeira comparação é a do sal. O sal é, em primeiro lugar, o elemento que se
mistura na comida e que dá sabor aos alimentos. Também é um elemento que
assegura a conservação dos alimentos e a sua pureza. Simboliza, nesta linha,
aquilo que é inalterável… No Antigo Testamento, o sal é usado para significar o
valor durável de um contrato; nesse contexto, falar de uma “aliança de sal” é
falar de um compromisso permanente, perene.
Dizer
que os discípulos são “o sal” significa, portanto, que os discípulos são
chamados a trazer ao mundo essa “qualquer coisa mais” que o mundo não tem e que
dá sabor à vida das pessoas; significa também, que da fidelidade dos discípulos
ao programa enunciado por Jesus, as “bem-aventuranças”, depende a perenidade da
aliança entre Deus e a humanidade e a permanência do projeto salvador e
libertador de Deus no mundo e na história.
A
referência à perda do sabor, “se o sal perder o sabor… já não serve para nada”,
destina-se a alertar os discípulos para a necessidade de um compromisso efetivo
com o testemunho do “Reino”: se os discípulos de Jesus recusarem ser sal e se
demitirem das suas responsabilidades, o mundo guiar-se-á por critérios de
egoísmo, de injustiça, de violência, de perversidade, e estará cada vez mais
distante da realidade do “Reino” que Jesus veio propor. Nesse caso, a vida dos
discípulos terá sido inútil.
A
segunda comparação é a da luz. Para a explicar, Jesus utiliza duas imagens. A
primeira imagem, a da cidade situada sobre um monte, leva-nos ao profeta Isaías, onde se fala da
“luz” de Deus que devia brilhar sobre Jerusalém e, a partir de lá, iluminar
todos os povos. A interpretação de Isaías aplicava a frase a Israel: o Povo de
Deus devia ser o reflexo da luz libertadora e salvadora de Javé diante de todos
os povos da terra. A segunda imagem, a da lâmpada colocada sobre o candelabro,
a fim de iluminar todos os que estão em casa, repete e explicita a mensagem da
primeira: os que aderem ao “Reino” devem ser uma luz que ilumina e desafia o
mundo.
Então,
a verdade é que, na perspectiva de Jesus, essa presença da “luz” de Deus para
alumiar as nações dar-se-á, doravante, nos discípulos, isto é, naqueles que
aceitaram o apelo do “Reino” e aderiram à nova Lei, as “bem-aventuranças”,
proposta por Jesus. Eles são a “nova Jerusalém”, ou o novo “Servo de Javé” de
onde a proposta libertadora de Deus irradia e a partir de onde ela transforma e
ilumina a vida de todos os homens e mulheres.
Portanto,
a missão das testemunhas do “Reino” deve levá-las a dar testemunho, a
questionar o mundo, a ser uma interpelação profética, a ser um reflexo da luz
de Deus; e que não devem esconder-se, demitir-se da sua missão, fugir às suas
responsabilidades. Essas “boas obras” que os discípulos devem praticar, e que
serão um testemunho do “Reino” para homens e mulheres, são, provavelmente,
aquelas que Mateus apresenta na segunda parte das “bem-aventuranças”: a
“misericórdia”, um coração capaz de compadecer-se, de amar, de perdoar, de se
comover, de se deixar tocar pelos sofrimentos e angústias dos irmãos; a “pureza
de coração”, a honestidade, a lealdade, a verdade, a verticalidade; a defesa firme
da paz, a recusa da violência e da lei do mais forte a luta pela reconciliação
e da justiça. É desse labor dos discípulos que nascerá o mundo novo, o mundo do
“Reino”.
A
missão dos discípulos é, portanto, a de “dar sabor” ao mundo, garantir a homens
e mulheres a perenidade da “aliança” e iluminar o mundo com a “luz” de Deus.
Eles são as testemunhas dessa realidade nova que nasce da oferta da salvação e
da vivência das “bem-aventuranças”. Neles tem de estar presente essa realidade
nova, que Jesus chamava “Reino”. Desta forma, ser cristão é ser um reflexo da
luz de Deus acesa na noite do mundo, apontando os caminhos da vida, da
liberdade, do amor, da fraternidade… É Deus que é “a luz” e que, através da nossa
fragilidade, apresenta a sua proposta de libertação e de vida nova ao mundo. Assim, somos "luz", a imagem e semelhança do Pai, não devemos preocupar-se em atrair sobre nós o olhar; mas preocupar-nos em conduzir o olhar e o coração de homens e mulheres para Deus e
para o “Reino”. Assim seja! Amém.
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