domingo, 9 de fevereiro de 2014

Deus é luz, somos "luz"


Irmãos e irmãs,
Neste Santo Domingo, a Palavra de Deus convida-nos a refletir sobre o compromisso cristão. Aqueles que foram interpelados pelo desafio do “Reino” não podem remeter-se a uma vida cômoda e instalada, nem refugiar-se numa religião ritual e feita de gestos vazios; mas têm de viver de tal forma comprometidos com a transformação do mundo que se tornem uma luz que brilha na noite do mundo e que aponta no sentido desse mundo de plenitude que Deus prometeu a humanidade – o mundo do “Reino”.

A primeira leitura sugere que o Povo pratica certas formas de piedade sem ter em conta as suas exigências profundas. Pois, a multiplicidade de ritos, de orações solenes, de celebrações, por si só nada vale, se não tem a devida correspondência na vida de relação com os irmãos. Assim, Isaías apresenta-nos as condições necessárias para “ser luz”: é uma “luz” que ilumina o mundo, não quem cumpre ritos religiosos estéreis e vazios, mas quem se compromete verdadeiramente com a justiça, com a paz, com a partilha, com a fraternidade. A verdadeira religião não se fundamenta numa relação “platônica” com Deus, mas num compromisso concreto que leva-nos a ser um sinal vivo do amor de Deus no meio dos seus irmãos.
Para Deus, a atitude de dependência, de humildade, de entrega, tem de se traduzir numa vida em consonância com as propostas de Deus. O culto tem de ter tradução em atitudes concretas. Para Deus, não é um culto formalista, rico de gestos estrondosos e de ritos solenes mas estéril e vazio quanto aos sentimentos, que faz do Povo de Deus a “luz” do mundo; o Povo será uma luz que anuncia Deus no mundo, se testemunhar o amor e a misericórdia em gestos concretos de libertação, de partilha, de amor e de paz. A relação com Deus (expressa nos gestos cultuais) só é verdadeira se se traduz em gestos que anunciem e testemunhem a misericórdia e o amor de Deus no meio dos irmãos e irmãs.

Na segunda leitura, Paulo avisa-nos que ser “luz” não é colocar a sua esperança de salvação em esquemas humanos de sabedoria, mas é identificar-se com Cristo e interiorizar a “loucura da cruz” que é dom da vida. É na fragilidade e na debilidade que Deus Se manifesta: o exemplo de Paulo – um homem frágil e pouco brilhante – demonstra-o.
Desta forma, Paulo apresenta-se na dupla condição de evangelizador e de homem. Como evangelizador, Paulo não se apresentou com palavras grandiosas, com discursos sublimes, com filosofias elaboradas e coerentes; mas apresentou-se com toda a simplicidade para anunciar esse paradoxo de um Deus, que morreu numa cruz rejeitado por todos. Apesar de tudo, em Corinto nasceu uma comunidade cristã cheia de força e de fé. Como homem, Paulo apresentou-se em Corinto consciente da sua fraqueza, assustado e cheio de temor. Não foi, portanto, pela sedução da sua personalidade arrebatadora, pelas suas “brilhantes” qualidade do pregador, nem pelo brilho e coerência da sua exposição que os coríntios se sentiram atraídos por Jesus e pelo Evangelho. Assim,
a força de Deus se impõe, muito para além dos limites do profeta que apresenta a proposta ou do ouvinte que a escuta. O Espírito de Deus está sempre presente e age no coração dos que creem, de forma a que eles não se fiquem pelos esquemas da sabedoria humana, mas se deixem tocar pela sabedoria de Deus, pois, somos todos instrumentos humildes, através dos quais Deus concretiza o seu projeto de salvação para o mundo… Para além do nosso esforço, da nossa entrega, da nossa doação, das nossas técnicas, está o Espírito de Deus que potencializa e torna eficaz a Palavra que anunciamos.

No Evangelho, Mateus revela-nos que Jesus exorta os seus discípulos a não se instalarem na mediocridade, no comodismo, no “deixa andar”; e pede-lhes que sejam o sal que dá sabor ao mundo e que testemunha a perenidade e a eternidade do projeto salvador de Deus; também os exorta a serem uma luz que aponta no sentido das realidades eternas, que vence a escuridão do sofrimento, do egoísmo, do medo e que conduz ao encontro de um “Reino” de liberdade e de esperança.
O texto que nos é proposto reúne duas parábolas – a do sal e a da luz – destinadas a pôr em relevo o papel do novo Povo de Deus no mundo e a definir a missão daqueles que aceitam viver no espírito das bem-aventuranças. Assim, depois de apresentar a nova Lei - “bem-aventuranças”, Jesus define a missão do novo Povo de Deus.
A primeira comparação é a do sal. O sal é, em primeiro lugar, o elemento que se mistura na comida e que dá sabor aos alimentos. Também é um elemento que assegura a conservação dos alimentos e a sua pureza. Simboliza, nesta linha, aquilo que é inalterável… No Antigo Testamento, o sal é usado para significar o valor durável de um contrato; nesse contexto, falar de uma “aliança de sal” é falar de um compromisso permanente, perene.
Dizer que os discípulos são “o sal” significa, portanto, que os discípulos são chamados a trazer ao mundo essa “qualquer coisa mais” que o mundo não tem e que dá sabor à vida das pessoas; significa também, que da fidelidade dos discípulos ao programa enunciado por Jesus, as “bem-aventuranças”, depende a perenidade da aliança entre Deus e a humanidade e a permanência do projeto salvador e libertador de Deus no mundo e na história.
A referência à perda do sabor, “se o sal perder o sabor… já não serve para nada”, destina-se a alertar os discípulos para a necessidade de um compromisso efetivo com o testemunho do “Reino”: se os discípulos de Jesus recusarem ser sal e se demitirem das suas responsabilidades, o mundo guiar-se-á por critérios de egoísmo, de injustiça, de violência, de perversidade, e estará cada vez mais distante da realidade do “Reino” que Jesus veio propor. Nesse caso, a vida dos discípulos terá sido inútil.
A segunda comparação é a da luz. Para a explicar, Jesus utiliza duas imagens. A primeira imagem, a da cidade situada sobre um monte,  leva-nos ao profeta Isaías, onde se fala da “luz” de Deus que devia brilhar sobre Jerusalém e, a partir de lá, iluminar todos os povos. A interpretação de Isaías aplicava a frase a Israel: o Povo de Deus devia ser o reflexo da luz libertadora e salvadora de Javé diante de todos os povos da terra. A segunda imagem, a da lâmpada colocada sobre o candelabro, a fim de iluminar todos os que estão em casa, repete e explicita a mensagem da primeira: os que aderem ao “Reino” devem ser uma luz que ilumina e desafia o mundo.
Então, a verdade é que, na perspectiva de Jesus, essa presença da “luz” de Deus para alumiar as nações dar-se-á, doravante, nos discípulos, isto é, naqueles que aceitaram o apelo do “Reino” e aderiram à nova Lei, as “bem-aventuranças”, proposta por Jesus. Eles são a “nova Jerusalém”, ou o novo “Servo de Javé” de onde a proposta libertadora de Deus irradia e a partir de onde ela transforma e ilumina a vida de todos os homens e mulheres.
Portanto, a missão das testemunhas do “Reino” deve levá-las a dar testemunho, a questionar o mundo, a ser uma interpelação profética, a ser um reflexo da luz de Deus; e que não devem esconder-se, demitir-se da sua missão, fugir às suas responsabilidades. Essas “boas obras” que os discípulos devem praticar, e que serão um testemunho do “Reino” para homens e mulheres, são, provavelmente, aquelas que Mateus apresenta na segunda parte das “bem-aventuranças”: a “misericórdia”, um coração capaz de compadecer-se, de amar, de perdoar, de se comover, de se deixar tocar pelos sofrimentos e angústias dos irmãos; a “pureza de coração”, a honestidade, a lealdade, a verdade, a verticalidade; a defesa firme da paz, a recusa da violência e da lei do mais forte a luta pela reconciliação e da justiça. É desse labor dos discípulos que nascerá o mundo novo, o mundo do “Reino”.
A missão dos discípulos é, portanto, a de “dar sabor” ao mundo, garantir a homens e mulheres a perenidade da “aliança” e iluminar o mundo com a “luz” de Deus. Eles são as testemunhas dessa realidade nova que nasce da oferta da salvação e da vivência das “bem-aventuranças”. Neles tem de estar presente essa realidade nova, que Jesus chamava “Reino”. Desta forma, ser cristão é ser um reflexo da luz de Deus acesa na noite do mundo, apontando os caminhos da vida, da liberdade, do amor, da fraternidade… É Deus que é “a luz” e que, através da nossa fragilidade, apresenta a sua proposta de libertação e de vida nova ao mundo. Assim, somos "luz", a imagem e semelhança do Pai,  não devemos preocupar-se em atrair sobre nós o olhar; mas preocupar-nos em conduzir o olhar e o coração de homens e mulheres para Deus e para o “Reino”. Assim seja! Amém.

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