Irmãos
e irmãs,
A
Palavra de Deus, neste último domingo do ano litúrgico, convida-nos a tomar consciência
da realeza de Jesus. Deixa claro, no entanto, que essa realeza não pode ser
entendida à maneira dos reis deste mundo: é uma realeza que se exerce no amor,
no serviço, no perdão, no dom da vida.
A
primeira leitura apresenta-nos o momento em que David se tornou rei de todo o
Israel. Com ele, iniciou-se um tempo de felicidade, de abundância, de paz, que
ficou na memória de todo o Povo de Deus. Nos séculos seguintes, o Povo sonhava
com o regresso a essa era de felicidade e com a restauração do reino de David;
e os profetas prometeram a chegada de um descendente de David que iria realizar
esse sonho. A realeza de David aparecerá, assim, como algo querido por Deus,
decidido por Deus – uma espécie de extensão da realeza de Deus: doravante, o
rei David será considerado o instrumento através do qual Deus apascenta o seu
Povo.
A
segunda leitura apresenta um hino que celebra a realeza e a soberania de Cristo
sobre toda a criação; além disso, põe em relevo o seu papel fundamental como
fonte de vida para o homem.
O
texto que nos é proposto começa com um convite à ação de graças, porque Deus
livrou os colossenses “do poder das trevas” e transferiu-os “para o Reino do
seu filho que muito ama”.
Paulo
apresenta um hino no qual celebra a supremacia absoluta de Cristo na criação na
redenção: o hino afirma e celebra a soberania de Cristo sobre toda a criação,
afirma que Cristo é a “imagem de Deus invisível”. Ele é, em tudo, igual ao Pai,
no ser e no agir, e que n’Ele reside a plenitude da divindade. Jesus é “o
primogênito de toda a criatura”, pois, Cristo, tem a supremacia e a autoridade
sobre toda a criação, “n’Ele, por Ele e para Ele foram criadas todas as
coisas”.
Cristo
tem a primazia e a soberania sobre a comunidade cristã; é Ele quem comunica a
vida aos membros do corpo e que os une num conjunto vital e harmônico. Cristo é
o “princípio, o primogênito de entre os mortos”. Ele foi o primeiro a
ressuscitar, é a fonte de vida que vai provocar a nossa própria ressurreição, em
Cristo reside “toda a plenitude”. Por isso, pode-se concluir que, por Cristo,
foram reconciliadas com Deus todas as criaturas na terra e nos céus: por
Cristo, a criação inteira, marcada pelo pecado, recebeu a oferta da salvação e
pôde voltar a inserir-se na família de Deus.
O
Evangelho apresenta-nos a realização dessa promessa: Jesus é o Messias/Rei
enviado por Deus, que veio tornar realidade o velho sonho do Povo de Deus e
apresentar aos homens o “Reino”; no entanto, o “Reino” que Jesus propôs não é
um Reino construído sobre a força, a violência, a imposição, mas sobre o amor,
o perdão, o dom da vida. O
quadro que Lucas nos apresenta é, portanto, dominado pelo tema da realeza de
Jesus… Como é que se define e apresenta essa realeza?
Presidindo
à cena, dominando-a de alto a baixo, está a famosa inscrição que define Jesus
como “rei dos judeus”. É uma indicação que, face à situação em que Jesus Se encontra,
parece irônica: Ele não está sentado num trono, mas pregado numa cruz; não
aparece rodeado de súditos fiéis que O incensam e adulam, mas dos chefes dos
judeus que O insultam e dos soldados que O escarnecem; Ele não exerce
autoridade de vida ou de morte sobre milhões de homens, mas está pregado numa
cruz, indefeso, condenado a uma morte infamante… Não há aqui qualquer sinal que
identifique Jesus com poder, com autoridade, com realeza terrena.
Contudo,
a inscrição da cruz – irônica aos olhos dos homens – descreve com precisão a
situação de Jesus, na perspectiva de Deus: Ele é o “rei” que preside, da cruz,
a um “Reino” de serviço, de amor, de entrega, de dom da vida. Neste quadro,
explica-se a lógica desse “Reino de Deus” que Jesus veio propor aos homens.
O
quadro é completado por uma cena bem significativa para entender o sentido da
realeza de Jesus… Ao lado de Jesus estão dois “malfeitores”, crucificados como
Ele. Enquanto um O insulta - este representa aqueles que recusam a proposta do
“Reino”, o outro pede: “Jesus, lembra-Te de mim quando vieres com a tua
realeza”. A resposta de Jesus a este pedido é: “hoje mesmo estarás comigo no
paraíso”. Jesus é o Rei que apresenta-nos uma proposta de salvação e que, da
cruz, oferece a vida. O “estar hoje no paraíso” não expressa um dado
cronológico, mas indica que a salvação definitiva, o “Reino”, começa a fazer-se
realidade a partir da cruz. Na cruz manifesta-se plenamente a realeza de Jesus
que é perdão, renovação do homem, vida plena; e essa realeza abarca a todos –
mesmo os condenados – que acolhem a salvação.
Toda
a vida de Jesus foi dominada pelo tema do “Reino”. Ele começou o seu ministério
anunciando que “o Reino chegou”. As suas palavras e os seus gestos sempre
mostraram que Ele tinha consciência de ter sido enviado pelo Pai para anunciar
o “Reino” e para trazer aos homens uma era nova de felicidade e de paz. Os
discípulos depressa perceberam que Jesus era o “Messias”) – um título que O
ligava às promessas proféticas e a esse reino ideal de David com que o Povo
sonhava. Contudo, Jesus nunca assumiu com clareza o título de “Messias”, a fim
de evitar equívocos: numa Palestina em ebulição, o título de “Messias” tinha
algo de ambíguo, por estar ligado a perspectivas nacionalistas e a sonhos de
luta política contra o ocupante romano. Jesus não quis acrescentar mais lenha
para a fogueira da esperança messiânica, pois, o seu messianismo não passava
por um trono, nem por esquemas de autoridade, de poder, de violência. Jesus é o
Messias/rei, sim; mas é rei na lógica de Deus – isto é, veio para presidir a um
“Reino” cuja lei é o serviço, o amor, o dom da vida. A afirmação da sua
dignidade real passa pelo sofrimento, pela morte, pela entrega de Si próprio. O
seu trono é a cruz, expressão máxima de uma vida feita amor e entrega. É neste
sentido que o Evangelho de hoje nos convida a entender a realeza de Jesus.
Assim seja! Amém.
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