Irmãos e irmãs,
Em comunidade de fé, celebramos a nossa páscoa dominical, renovando
nossa adesão a Jesus Cristo e sempre mais nos revestindo dele e da sua graça.
A primeira leitura fala da vocação de Jeremias.
Deus, prevendo as dificuldades que enfrentaria, exorta-o a permanecer firme,
como uma coluna de ferro, como uma muralha de bronze. Tudo leva a crer que,
apesar de ser muito jovem, percebe o chamado de Deus para ser profeta. Aliás,
assim ele ouve a Palavra do Senhor: “Antes de formar-te no seio de tua mãe, eu
já te conhecia, antes de saíres do ventre, eu te consagrei e te fiz profeta
para as nações”.
Deus o escolheu para uma missão difícil e arriscada:
anunciar a sua Palavra aos reis, aos governadores, aos sacerdotes e a todo o
povo. Por isso, sua vida será uma sequência de fracassos. É estranha a vida do
profeta! É mais do que estranha: É dolorosa e desafiadora, - bem o sabemos –
são sempre colocados à margem. Quem poderá confirmar tudo são os “próprios
profetas de ontem”, e os que ainda são vivíssimos hoje e sempre no coração de
todos nós: Jesus Cristo, Dom Helder, Dom Oscar Romero, Pe. Josimo, e tantos
leigos e leigas, cujos nomes, propositalmente nem sempre aparecem. “Quando dou
pão aos pobres, todos me chamam de santo. Quando mostro que os pobres não têm
pão, me chamam de comunista e subversivo” (Dom Helder Câmara).
Mas por que é assim? Porque o
profeta contempla o mundo, morada de Deus, com os olhos de Deus. A sua
sensibilidade é semelhante ao coração de Deus. Ele sente quando o projeto
divino é afrontado e negado pelo projeto dos homens, vencendo, portanto, a
morte sobre a vida. Então não consegue mais conter a sua indignação, não pode
mais calar-se. Porém, permanece palavras
de esperança e o conforto do Pai, pois, assim diz o Senhor: “Serás atacado, mas
não conseguirão vencer-te, pois estarei ao teu lado para proteger-te”.
A segunda leitura fala do carisma do amor.
Recomenda o apóstolo São Paulo: “Aspirai aos dons mais elevados”, o dom do
amor. Como batizados, por isso, cristãos, somo profetas e, mais, chamados a
acolher a salvação como dom de Deus, salvação disponibilizada a todos e a
todas.
Conforme já foi visto na leitura do domingo próximo
passado, em Corinto havia discórdias e invejas por causa dos carismas. Depois
de ter afirmado que todos os dons provêm do Espírito e se destinam a edificação
da comunidade, o Apóstolo Paulo indica para os cristãos um caminho: a caridade.
O que ele nos quer ensinar é que alguém pode ser dotado de excelentes
qualidades, tomar retumbantes iniciativas; mas se não for movido pelo amor
totalmente gratuito e desinteressado, se for dominado pela vaidade e pelo
desejo de promover a si mesmo, não possui a “caridade”.
No Evangelho de hoje, Lucas nos apresenta Jesus, o
profeta martirizado, do qual celebramos a prática libertadora e a vitória sobre
a morte. Por isso, é impossível que se entenda celebrar a Eucaristia sem a
consciência devida a respeito da adesão a Jesus, o profeta rejeitado e morto.
Caso contrário, seria pura alienação. Ou seja, se não há a devida consciência
de que somos interpelados pelo Espírito a um envolvimento com o projeto
libertador, em prol de tudo aquilo que promove a justiça, descaracterizamos o
sentido pleno da Eucaristia.
Estamos na sequência do episódio que a liturgia de
domingo passado nos apresentou. Jesus foi a Nazaré, entrou na sinagoga, foi
convidado a ler um trecho dos Profetas e a fazer o respectivo comentário… Leu
uma citação de Is 61,1-2 e “atualizou-o”, aplicando o que o profeta dizia, a Si
próprio e à sua missão: “cumpriu-se hoje mesmo este trecho da Escritura que
acabais de ouvir”. O Evangelho de hoje apresenta a reação dos habitantes de
Nazaré à ação e às palavras de Jesus.
“E a evocação dos fatos tirados do ciclo de Elias e
Eliseu estabelece um paralelo entre Israel e Nazaré. Nazaré passa a ser o
protótipo da rejeição de Jesus por Israel”. Jesus é um profeta, sim, não
somente porque ele sabe-se enviado, mas porque é rejeitado. Eis o critério que
permite verificar a autenticidade de sua vocação: “... nenhum profeta é aceito
na sua própria terra”. O povo de Nazaré se perde, perdendo para sempre a possibilidade
de estar em contato com o libertador e salvador, excluindo-se do “hoje” do Deus
que age na história.
“Nenhum profeta é bem recebido na sua terra”. Os
habitantes de Nazaré julgam conhecer Jesus, viram-n’O crescer, sabem
identificar a sua família e os seus amigos mas, na realidade, não perceberam a
profundidade do seu mistério. Trata-se de um conhecimento superficial, teórico,
que não leva a uma verdadeira adesão à proposta de Jesus. Na realidade, é uma
situação que pode não nos ser totalmente estranha: lidamos todos os dias com
Jesus, somos capazes de falar algumas horas sobre Ele; mas a sua proposta tem
impacto em nós e transforma a nossa existência?
Rejeição a Jesus, por quê? O primeiro motivo é a encarnação: “Não é este
o filho de José?”. O povo espera um
messias espetacular, capaz de ações mágicas. O segundo motivo é a busca de
milagre: “Faze também aqui, em tua terra, tudo o que ouvimos dizer que fizeste
em Cafarnaum”. Jesus se recusa a cumprir sinais em benefício próprio. Esta é a
atitude de quem procura Jesus para ver o seu espetáculo ou para resolver os
seus problemazinhos pessoais. Supõe a perspectiva de um Deus comerciante, de
quem nos aproximamos para fazer negócio. Qual é o nosso Deus? O Deus de quem
esperamos espetáculo em nosso favor, ou o Deus que em Jesus nos apresenta uma
proposta séria de salvação que é preciso concretizar na vida do dia a dia?
O projeto de Jesus é libertar os oprimidos e
marginalizados. No entanto, esse “caminho” não vai ser entendido e aceite pelo
povo judeu (isto é, os “da sua terra”), que estão mais interessados num Messias
milagreiro e espetacular. Os “seus” rejeitarão a proposta de Jesus e tentarão
eliminá-l’O (anúncio da morte na cruz); mas a liberdade de Jesus vence os
inimigos (alusão à ressurreição) e a evangelização segue o seu caminho
(“passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho”), até atingir os que estão
verdadeiramente dispostos a acolher a salvação/libertação (alusão a Elias e
Eliseu que se dirigiram aos pagãos porque o seu próprio povo não estava
disponível para escutar a Palavra de Deus). Assim, a rejeição à Jesus e seu
programa de vida começa em Nazaré e culmina em Jerusalém, onde ele é julgado
por um tribunal iníquo, crucificado e morto, graças aos seus opositores.
Nazaré negou todas as possibilidades de acolher a
libertação, recusando totalmente o Filho de Deus e seu Plano de Amor. Mas quem disse que possível deter o processo
de libertação? “Jesus, porém, passando pelo meio deles, continuou o seu
caminho”.
Jesus não deixa ninguém indiferente. Os seus
compatriotas admiram-se, espantam-se com o seu ensino, ficam furiosos, tentam
expulsá-los da cidade… Mas é em Nazaré que Jesus inicia a sua pregação. As
pessoas sabem quem Ele é, conhecem a sua profissão, a sua família, mas ignoram
o seu mistério. Como poderiam imaginar que Ele vem de Deus, que é o Filho de
Deus? É necessário o tempo de provação para que os seus olhos se abram, os
olhos da fé postos à prova pela morte e ressurreição do seu compatriota. E,
vemo-lo bem ao longo de todo o Evangelho, são aqueles que nunca ninguém
imaginou que vão fazer ato de fé e beneficiar das palavras e dos gestos de
salvação do Filho de Deus. Como os profetas Elias e Eliseu, Jesus manifesta que
Deus ama todos os homens; a salvação que veio trazer é oferecida a toda a
humanidade. Desta, sejamos profetas, anunciando sempre e em todo lugar a
presença do Cristo Salvador. Assim seja! Amém.
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