Este Santo Domingo
revela-nos mais uma vez um Deus comprometido com a vida e a felicidade,
continuamente acreditando em renovar, em transformar, em recriar, de modo a
fazê-lo atingir a vida plena.
A
primeira leitura mostra que o Povo de Deus exilado na Babilónia, mostra-se
abatido e incapaz de sair, por si só, da sua triste situação. Não tem
perspectivas de futuro e não vê qualquer razão para ter esperança. Então, o
profeta dirige-se aos exilados e anuncia-lhes a iminência da libertação.
Javé
está prestes a vir ao encontro do seu Povo para libertar e para conduzi-lo à
sua terra. Pois, Deus não esquece de seu Povo. E o encontro com o Deus
libertador e salvador transformará o Povo, dar-lhe-á de novo a liberdade, a
alegria, a coragem para enfrentar o caminho, a vida em abundância. Será uma
peregrinação festiva, uma procissão solene, feita na alegria e na festa. Será
um novo êxodo, onde se repetirão as maravilhas operadas pelo Deus libertador.
Na
segunda leitura, Tiago dirige-se àqueles que acolheram a proposta de Jesus e se
comprometeram a segui-l’O no caminho do amor, da partilha, da doação.
Convida-os a não discriminar ou marginalizar qualquer irmão e a acolher com
especial bondade os pequenos e os pobres. Pois, são os que mais necessitam de
ser libertados e salvos; são os mais disponíveis para acolher o dom do reino.
Não é que o reino de Deus seja uma opção de classe e que os ricos e poderosos
não possam ter acesso ao reino; mas os ricos, os poderosos, com o coração cheio
de orgulho e de auto-suficiência, não estão disponíveis para acolher a novidade
revolucionária e libertadora do reino… São os “pobres”, na sua simplicidade,
humildade e despojamento, na sua ânsia de libertação, que estão preparados para
acolher o dom de Deus que se torna presente em Jesus e nos seu projeto.
Portanto,
quem aderiu a Jesus Cristo e procura, com coerência, segui-l’O, tem de assumir
os mesmos valores; por isso, não pode marginalizar ninguém ou aceitar qualquer
sistema que crie discriminação. Desta forma, a comunidade cristã não pode
acolher e tratar de forma diferente o rico e o pobre, aquele que é conhecido e
famoso e aquele que é humilde e passa despercebido; todos são iguais e dignos
de consideração e de respeito, ainda que desempenhem funções diferentes e
serviços diversos. Para os seguidores de Jesus, a acepção de pessoas por razões
ligadas à riqueza, ao poder, à fama, à posição social, é um esquema perverso,
absolutamente incompatível com a fé em Cristo.
No
Evangelho, Marcos revela-nos Jesus, cumprindo o mandato que o Pai Lhe confiou,
abre os ouvidos e solta a língua de um surdo-mudo… No gesto de Jesus, revela-se
esse Deus que não Se conforma quando o homem se fecha no egoísmo e na
auto-suficiência, rejeitando o amor, a partilha, a comunhão. O encontro com
Cristo leva o homem a sair do seu isolamento e a estabelecer laços familiares
com Deus e com todos os irmãos.
Marcos
descreve com detalhes, como Jesus curou o doente e lhe deu a possibilidade de
comunicar. Desvela para nós a missão de Jesus e sobre o papel que Ele
desenvolve no sentido de fazer nascer um Novo Homem e uma Nova Mulher. Se a
linguagem é um meio privilegiado de comunicar, de estabelecer relação, o
surdo-mudo é um homem que tem dificuldade em estabelecer laços, em partilhar, em
dialogar, em comunicar.
Toadavia,
num universo religioso que considera as enfermidades físicas como consequência
do pecado, o surdo-mudo representa um “impuro”, um pecador, à margem da
salvação, incapaz de estabelecer uma relação verdadeira com Deus, de escutar a
Palavra de Deus e de viver de forma coerente com os desafios de Deus. Para
Marcos, este surdo-mudo representa também todos aqueles que vivem fechados no
seu mundo, na sua pobre auto-suficiência, de ouvidos fechados às propostas de
Deus e de coração fechado à relação com os outros.
Portanto,
o encontro com Jesus transforma radicalmente a vida desse surdo-mudo. Jesus
abre-lhe os ouvidos e solta-lhe a língua, tornando-o capaz de comunicar, de
escutar, de falar, de partilhar, de entrar em comunhão. Para este surdo-mudo,
Marcos apresenta a missão de Jesus, que veio para abrir os ouvidos e os
corações dos homens, quer à Palavra e às propostas de Deus, quer à relação e ao
diálogo com os outros. Jesus é efetivamente o Deus que veio ao encontro da
humanidade, a fim de libertar das cadeias do egoísmo, do comodismo, da
auto-suficiência, dos preconceitos religiosos que impedem a relação, o diálogo,
a comunhão com Deus e com os outros.
No
relato, aparentemente, não é o surdo-mudo que tem a iniciativa de se encontrar
com Jesus: “trouxeram-Lhe um surdo que mal podia falar”; “suplicaram-Lhe que
lhe impusesse as mãos sobre ele”. O surdo-mudo, acomodado a essa vida sem
relação, não sente grande necessidade de abrir as janelas do seu coração ao encontro
e comunhão com Deus e com os irmãos. É preciso que alguém o traga, que o
apresente a Jesus, que o empurre para essa vida nova de amor e de comunhão. É
esse o papel da comunidade cristã… Os que já descobriram Jesus, que se deixaram
transformar pela sua Palavra, que aceitaram segui-l’O, devem dar testemunho
dessa experiência e desafiar outros irmãos para o encontro libertador com
Jesus.
Jesus
com o surdo-mudo realiza gestos significativos: mete-lhe os dedos nos ouvidos,
faz saliva e toca-lhe com ela a língua. Tocar com o dedo significava transmitir
poder; a saliva transmitia, pensava-se, a própria força ou energia vital - equivale
ao sopro de Deus que transformou o barro inerte do primeiro homem num ser dotado
de vida divina. Assim, Jesus transmitiu ao surdo-mudo a sua própria energia
vital, dotando-o da capacidade de ser um Homem Novo, aberto à comunhão e
relação com Deus e com os outros. E o gesto de Jesus de levantar os olhos ao
céu deve ser entendido como um gesto de invocação de Deus. Para Jesus, os
grandes momentos de decisão e de testemunho são sempre antecedidos de um
diálogo com o Pai. Dessa forma, torna-se evidente a ligação estreita entre
Jesus e o Pai, entre a ação que Jesus cumpre no meio dos homens e os projetos
do Pai, de salvação e vida nova para a humanidade.
Ainda,
conforme Marcos, Jesus teria pronunciado a palavra “effathá” - “abre-te”,
quando abriu os ouvidos e desatou a língua do surdo-mudo. Não se trata de uma palavra
ou fórmula mágica, com poder curativo… É um convite para quem está fechado no
seu mundo pessoal, a abrir o coração à vida nova da relação com Deus e com os
irmãos. É um convite ao surdo-mudo a sair do seu fechamento, do seu comodismo,
para fazer da sua vida uma história de comunhão com Deus e de partilha com os
irmãos.
A
transformação do surdo-mudo em Novo Homem não é um processo em que só Jesus age
e onde o homem assume uma atitude de passividade; mas é um ação-reflexão que
exige o compromisso ativo e livre do homem. Jesus faz as propostas, lança desafios,
oferece o seu Espírito que transforma e renova o coração de homens e mulheres;
mas temos que acolher a proposta, optar por Jesus e abrir o coração aos
desafios de Deus. Neste sentido, a ação de Jesus no sentido de abrir o coração
de homens e mulheres à comunhão com Deus e ao amor dos irmãos é uma nova
criação. Dessa ação nasce um Novo Homem e uma Nova Mulher, uma nova humanidade.
Essa nova humanidade é a “admirável” criação de Deus, o homem e mulher na
plenitude das suas potencialidades, criado para a vida eterna e verdadeira –
sementes e flores de vida nova - que recebe o convite: abre-te a nova criação -
Jesus. Assim seja! Amém.
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