domingo, 26 de junho de 2016

Feito para o Reino!


Irmãos e irmãs,
Este Santo Domingo sugere que Deus conta conosco para intervir no mundo, para transformar e salvar o mundo; e convida-nos a responder a esse chamamento com disponibilidade e com radicalidade, no dom total de nós mesmos às exigências do “Reino”.

A primeira leitura apresenta-nos um Deus que, para atuar no mundo e na história, pede a ajuda dos homens; Eliseu, discípulo de Elias, é o homem que escuta o chamamento de Deus, corta radicalmente com o passado e parte generosamente ao encontro dos projetos que Deus tem para ele.
O gesto de Eliseu significa, o abandono da vida antiga, a renúncia à antiga profissão, a ruptura com a própria família e a entrega total à missão profética. Exprime a radicalidade da sua entrega ao serviço de Deus.
É preciso ter em conta que, muitas vezes, o desafio de Deus nos chega através da palavra ou da interpelação de um irmão; e que, muitas vezes, é preciso contar com o apoio de alguém para discernir o caminho e ser capaz de enfrentar os desafios da vocação.
O relato da “vocação” de Eliseu não é o relato de uma situação excepcional, que só acontece a alguns privilegiados, eleitos entre todos por Deus para uma missão no mundo; mas é a história de cada um de nós e dos apelos que Deus nos faz, no sentido de nos disponibilizarmos para a missão que Ele nos quer confiar, quer no mundo, quer na nossa comunidade cristã. 

A segunda leitura diz ao “discípulo” que o caminho do amor, da entrega, do dom da vida, é um caminho de libertação. Responder ao chamamento de Cristo, identificar-se com Ele e aceitar dar-se por amor, é nascer para a vida nova da liberdade.
Para Paulo, a verdadeira liberdade consiste em viver no amor. O que nos escraviza nos limita e nos impede de alcançar a vida em plenitude, “salvação”, é o egoísmo, o orgulho, a auto-suficiência; mas superar esse fechamento em nós próprios e fazer da nossa vida um dom de amor torna-nos verdadeiramente livres. Só é autenticamente livre aquele que se libertou de si próprio e vive para se dar aos outros. Assim, falar de uma comunidade formada por pessoas livres em Cristo implica falar de uma comunidade voltada para o amor, para a partilha, para as necessidades e carências dos irmãos que estão à sua volta. 

O Evangelho apresenta o “caminho do discípulo” como um caminho de exigência, de radicalidade, de entrega total e irrevogável ao “Reino”. Sugere, também, que esse “caminho” deve ser percorrido no amor e na entrega, mas sem fanatismos nem fundamentalismos, no respeito absoluto pelas opções dos outros.
Na primeira parte do texto, Lucas apresenta a lição de Jesus ao longo desta “caminhada” que vai para a atitude que os discípulos devem assumir face ao “ódio” do mundo. Que fazer quando o mundo tem uma atitude de rejeição face à proposta de Jesus? Tiago e João pretendem uma resposta agressiva, que retribua na mesma moeda, face à hostilidade manifestada pelos samaritanos; mas Jesus avisa-os que o seu “caminho” não passa nem passará nunca pela imposição da força, pela resposta violenta, pela prepotência, no seu horizonte próximo continua a estar apenas a cruz e a entrega da vida por amor: é no dom da vida e não na prepotência e na morte que se realizará a sua missão. Isto é algo que os discípulos nunca devem esquecer, se estão interessados em percorrer o “caminho” de Jesus.
Jesus recusa, liminarmente, responder à oposição e à hostilidade do mundo com qualquer atitude de violência, de agressividade, de vingança. No entanto, a Igreja de Jesus, na sua caminhada histórica, tem trilhado caminhos de violência, de fanatismo, de intolerância: as cruzadas, as conversões à força, os julgamentos da “santa” Inquisição, as exigências que criam em tantas consciências escravidão e sofrimento… Diante disto, resta-nos reconhecer que, infelizmente, nem sempre vivemos na fidelidade aos caminhos de Jesus e pedir desculpa aos nossos irmãos pela nossa falta de amor. É preciso, também, continuar a anunciar o Evangelho com fidelidade, com firmeza e com coragem, mas no respeito absoluto por aqueles que querem seguir outros caminhos e fazer outras opções.
Na segunda parte, Lucas apresenta através do diálogo entre Jesus e três candidatos a discípulos, algumas das condições para percorrer, com Jesus, esse “caminho” que leva a Jerusalém, isto é, que leva ao acontecer pleno da salvação. Que condições são essas?
O primeiro diálogo sugere que o discípulo deve despojar-se totalmente das preocupações materiais: para o discípulo, o Reino tem de ser infinitamente mais importante do que as comodidades e o bem-estar material. O segundo diálogo sugere que o discípulo deve despegar-se desses deveres e obrigações que, apesar da sua relativa importância, impedem uma resposta imediata e radical ao Reino. O terceiro diálogo sugere que o discípulo deve despegar-se de tudo, até da própria família, se for necessário, para fazer do Reino a sua prioridade fundamental: nada, nem a própria família, deve adiar e demorar o compromisso com o Reino.
Não podemos ver estas exigências como normativas: em outras circunstâncias, Ele mandou cuidar dos pais; e os discípulos, nomeadamente Pedro, fizeram-se acompanhar das esposas durante as viagens missionárias… O que estes ensinamentos pretendem dizer é que o discípulo é convidado a eliminar da sua vida tudo aquilo que possa ser um obstáculo no seu testemunho quotidiano do Reino.
A nós, discípulos de Jesus, é proposto que O sigamos no “caminho” de Jerusalém, nesse “caminho” que conduz à salvação e à vida plena. Trata-se de um “caminho” que implica a renúncia a nós mesmos, aos nossos interesses, ao nosso orgulho, e um compromisso com a cruz, com a entrega da vida, com o dom de nós próprios, com o amor até as últimas conseqüências. O “caminho do discípulo” é um caminho exigente, que implica um dom total ao “Reino”. Quem quiser seguir Jesus, não pode deter-se a pensar nas vantagens ou desvantagens materiais que isso lhe traz, nem nos interesses que deixou para trás, nem nas pessoas a quem tem de dizer adeus… Então, quem quiser seguir Jesus não pode ter hesitações nem restrições. Para Ele, o tempo urge, tem a ver com a salvação da humanidade, com a vontade do Pai. Se Jesus parece exigente para com aqueles que O querem seguir, é porque Ele mesmo é exigente quanto à sua própria caminhada. É caminhando que Jesus convida a colocarmo-nos a caminho atrás d’Ele. Pois, “Quem tiver lançado as mãos ao arado e olhar para trás não serve para o reino de Deus”. Jesus pede-me para não voltar atrás, porque me diz: “É agora que te amo, é agora que quero encontrar-te, estar contigo”. Se aceito isso, então sou “feito para o Reino!”. Assim seja! Amém.



domingo, 19 de junho de 2016

"Tome a sua cruz todos os dias e siga-Me…”


Irmãos e irmãs,
Este Santo Domingo coloca no centro da nossa reflexão a figura de Jesus: quem é Ele e qual o impacto que a sua proposta de vida tem em nós? A Palavra de Deus que nos é proposta impele-nos a descobrir em Jesus o “messias” de Deus, que realiza a libertação de homens e mulheres através do amor e do dom da vida; e convida cada “cristão” à identificação com Cristo – isto é, a “tomar a cruz”, a fazer da própria vida um dom generoso aos outros.

A primeira leitura apresenta-nos um misterioso profeta “transpassado”, cuja entrega trouxe conversão e purificação para os seus concidadãos. Revela, pois, que o caminho da entrega não é um caminho de fracasso, mas um caminho que gera vida nova para nós e para os outros, identificamos essa misteriosa figura profética com o próprio Cristo.
Esta figura do “transpassado” faz-nos pensar em todos os “profetas” que lutam pela justiça e pela verdade e que são torturados, massacrados por causa do seu testemunho. Fomos constituídos profetas no momento da nossa opção por Cristo no Batismo. A identificação do “transpassado” com o próprio Deus diz-nos que o profeta nunca está só e perdido face ao ódio do mundo, mas que Deus está sempre do seu lado; diz-nos, também, que é de Deus que brota a missão profética, mesmo quando ela incomoda e questiona homens e mulheres. E o testemunho profético – mesmo quando “cumprido” na dor, na dificuldade, no fracasso aos olhos do mundo – resultará sempre a transformação dos corações, a conversão e, portanto, o nascimento de um mundo novo.

Paulo recorda-nos a experiência libertadora que resultou da sua adesão a Cristo. Pelo Batismo, os que crêem foram “revestidos de Cristo” e tornaram-se “filhos de Deus”. Dizer que foram “revestidos de Cristo” significa que entre os batizados e Cristo se estabeleceu uma relação que não é apenas exterior, mas que toca o âmago da existência: pelo Batismo, os cristãos assumiram a existência do próprio Cristo e tornaram-se, como Ele, pessoas que renunciaram à vida velha do egoísmo e do pecado, para viverem a vida nova da entrega a Deus e percorrer o caminho do amor e do dom da vida aos irmãos. 

O Evangelho confronta-nos com a pergunta de Jesus: “e vós, quem dizeis que Eu sou?” Paralelamente, apresenta o caminho messiânico de Jesus, não como um caminho de glória e de triunfos humanos, mas como um caminho de amor e de cruz. “Conhecer Jesus” é aderir a Ele e segui-l’O nesse caminho de entrega, de doação, de amor total. Quem é este Jesus, que se prepara para cumprir a etapa final de uma vida de entrega, de dom, de amor partilhado? E os discípulos estarão dispostos a seguir esse mesmo caminho de doação e de entrega da vida ao “Reino”?
A cena de hoje começa com a indicação da oração de Jesus. A oração é o lugar do reencontro de Jesus com o Pai; depois de rezar, Jesus tem sempre uma mensagem importante – uma mensagem que vem do Pai – para comunicar aos discípulos. A questão importante que, no contexto do episódio de hoje, Jesus tem a comunicar, tem a ver com a questão: “quem é Jesus?”
Aparentemente, Jesus não é considerado pelas multidões “o messias”: o Povo identifica-o, preferentemente, com Elias; talvez a sua postura e a sua mensagem não correspondessem àquilo que se esperava de um rei forte e vencedor. Os discípulos, no entanto, companheiros de “caminho” de Jesus deviam ter uma perspectiva mais elaborada e amadurecida. De fato, é isso que acontece; por isso, Pedro não tem dúvidas em afirmar: “Tu és o messias de Deus”. Pedro representa aqui a comunidade dos discípulos – essa comunidade que acompanhou Jesus, testemunhou os seus gestos e descobriu a sua ligação com Deus. Dizer que Jesus é o “messias” significa reconhecer nele esse “enviado” de Deus, da linha de Davi, que havia de traduzir em realidade essas esperanças de libertação que enchiam o coração de todos. Jesus não discorda da afirmação de Pedro. Ele sabe, no entanto, que os discípulos sonhavam com um “messias” político, poderoso e vitorioso e apressa-se a desfazer possíveis equívocos e a esclarecer as coisas: Ele é o enviado de Deus para libertar o povo; no entanto, não vai realizar essa libertação pelo poder das armas, mas pelo amor e pelo dom da vida. No seu horizonte próximo não está um trono, mas a cruz: é aí, na entrega da vida por amor, que Ele realizará as antigas promessas de salvação feitas por Deus ao seu Povo. A última parte do texto contém palavras destinadas aos discípulos: aos de ontem, de hoje e de amanhã. Todos são convidados a seguir Jesus, isto é, a tomar – como Ele – a cruz do amor e da entrega, a derrubar os muros do egoísmo e do orgulho, a renunciar a si mesmo e a fazer da vida um dom. Isto não deve acontecer em circunstâncias excepcionais, mas na vida quotidiana: “tome a sua cruz todos os dias”. Desta forma fica definida a existência cristã, como um “tomar a cruz” do amor, da doação, da entrega aos irmãos. Assim, somos convidados, chamados a profetizar, anunciar: “…Tome a sua cruz todos os dias e siga-Me…” Assim seja! Amém.

domingo, 12 de junho de 2016

Ungidos pela presença do Cristo em nós!


Irmãos e irmãs,
Este Domingo apresenta-nos um Deus de bondade e de misericórdia, que detesta o pecado, mas ama o pecador; por isso, Ele multiplica “a fundo perdido” a oferta da salvação. Da descoberta de um Deus assim, brota o amor e a vontade de vivermos uma vida nova, integrados na sua família.

A primeira leitura apresenta-nos, através da história do pecador David, um Deus que não pactua com o pecado; mas que também não abandona esse pecador que reconhece a sua falta e aceita o dom da misericórdia. A reflexão fundamental que este texto nos apresenta é à volta da “lógica” de Deus: Ele não pactua com o pecado, mas manifesta uma misericórdia infinita para com o pecador. 
A atitude de David, ao reconhecer humildemente a sua falta, é uma atitude que nos questiona pela sua sinceridade, honestidade e coerência. O exemplo de David convida-nos a assumir, com coerência, as nossas responsabilidades e a ter vontade de remediar as nossas ações erradas; convida-nos, também, ao arrependimento e à conversão – condições essenciais para que o “pecado” desapareça das nossas vidas.

Na segunda leitura, Paulo garante-nos que a salvação é um dom gratuito que Deus oferece, não uma conquista humana. Para ter acesso a esse dom, não é fundamental cumprir ritos e viver na observância escrupulosa das leis; mas é preciso aderir a Jesus e identificar-se com o Cristo do amor e da entrega: é isso que conduz à vida plena.
O texto põe em relevo, em primeiro lugar, a atitude de Deus para com o homem. O nosso Deus não é o Deus que aplica rigorosamente as leis, nesse caso o homem pecador não teria acesso à salvação, mas é o Deus que, de forma gratuita, “justifica” o homem. O acesso à vida em plenitude não é uma conquista humana, mas um dom gratuito, que brota da bondade de Deus. De Deus não podemos exigir nada, mesmo que nos tenhamos “portado bem” e cumprido as regras: de Deus, podemos apenas esperar a graça da salvação como dom gratuito e incondicional. Isto retira-nos qualquer legitimidade para assumir atitudes de arrogância e auto-suficiência, quer em relação a Deus, quer em relação aos nossos irmãos.
É preciso ter consciência de que “Cristo basta”. Cristo é o único essencial. O cristão é aquele que se identifica com Cristo no seu amor e na sua entrega e que, nesse caminho, encontra a verdadeira vida, a vida em plenitude. 

O Evangelho coloca diante dos nossos olhos a figura de uma “mulher da cidade que era pecadora” e que vem chorar aos pés de Jesus. Lucas dá a entender que o amor da mulher resulta de haver experimentado a misericórdia de Deus. O dom gratuito do perdão gera amor e vida nova. Deus sabe isso; é por isso que age assim.
O episódio situa-nos no ambiente de um banquete, em casa de um fariseu chamado Simão, o “banquete” é, neste contexto, o espaço da familiaridade, da irmandade, onde os laços entre as pessoas se estabelecem e se consolidam. 
A perspectiva fundamental deste episódio tem a ver com a definição da atitude de Jesus e, portanto, de Deus para com os pecadores. A personagem central é a mulher a quem Lucas apresenta como “uma mulher da cidade que era pecadora”. Não há qualquer indicação acerca de anteriores contatos entre Jesus e esta mulher, embora possamos supor que a mulher já se tinha encontrado com Jesus e tinha percebido n’Ele uma atitude diferente dos mestres da época, sempre preocupados em evitar os pecadores notórios e em condená-los.
A ação da mulher, o choro, as lágrimas derramadas sobre os pés de Jesus, o enxugar os pés com os cabelos, o beijar os pés e ungi-los com perfume é descrita como uma resposta de gratidão, como conseqüência do perdão recebido. A parábola que Jesus conta, a este propósito, parece significar não que o perdão resulta do muito amor manifestado pela mulher, mas que o muito amor da mulher é o resultado da atitude de misericórdia de Jesus: o amor manifestado pela mulher nasce de um coração agradecido de alguém que não se sentiu excluído nem marginalizado, mas que, nos gestos de Jesus, tomou consciência da bondade e da misericórdia de Deus.
Jesus dá a esta mulher um amor que transfigura os seus gestos ambíguos. Faz deste encontro uma ocasião para manifestar a maneira de agir de Deus para com os pecadores. Jesus não aprova o seu pecado. Mas acolhe esta mulher tal como ela é. Aceita o que ela é capaz de Lhe dar. Se Ele a tivesse afastado, tê-la-ia encerrado no seu pecado. Deixando-a fazer, quer fazer-lhe compreender que não quer tomá-la para Si, como os outros homens que ela encontrava. Dá-lhe um amor que ela nunca tinha recebido, um amor gratuito, para fazer nascer ela própria. Ele transforma a água suja dos seus pecados em fonte purificadora, transfigurada pelo fogo do amor divino. Porque a pecadora recebeu um perdão infinito e gratuito, pôde, por sua vez, mostrar um grande amor, e nascer para a vida. 
A outra figura central deste episódio é Simão, o fariseu. Ele representa aqueles zelosos defensores da Lei que evitavam qualquer contato com os pecadores e que achavam que o próprio Deus não podia acolher nem deixar-Se tocar pelos transgressores notórios da Lei e da moral. Jesus procura fazê-lo entender que só a lógica de Deus – uma lógica de amor e de misericórdia – pode gerar o amor e, portanto, a conversão e a vida nova. Jesus empenha-se em mostrar a Simão que não é marginalizando e segregando que se pode obter uma nova atitude do pecador; mas que é amando e acolhendo que se pode transformar os corações e despertar neles o amor: essa é a perspectiva de Deus. O perdão não se dá a troco de amor, mas dá-se, simplesmente, sem esperar nada em troca. A reação de Jesus não é um caso isolado, mas resulta da missão de que Ele se sente investido por Deus – atitude que Ele procurará manifestar em tantas situações semelhantes: dizer aos proscritos, aos moralmente fracassados, que Deus não os condena nem marginaliza, mas vem ao seu encontro para os libertar, para dar-lhes dignidade, para os convocar para o banquete escatológico do Reino. É esta atitude de Deus que gera o amor e a vontade de começar vida nova, inserida na lógica do Reino.
O texto que nos é proposto termina com uma referência ao grupo que acompanha Jesus: os Doze e algumas mulheres. O fato de o “mestre” Se fazer acompanhar por mulheres era algo insólito, numa sociedade em que a mulher desempenhava um papel social e religioso marginal. No entanto, manifesta a lógica de Deus que não exclui ninguém, mas integra todos – sem exceção – na comunidade do Reino. As mulheres – grupo com um estatuto de subalternidade, cujos direitos sociais e religiosos eram limitados pela organização social da época – também são integradas nessa comunidade de irmãos que é a comunidade do Reino: Deus não exclui nem marginaliza ninguém, mas a todos chama a fazer parte da sua família.
Assim, o nosso texto põe em relevo a atitude de Deus, que ama sempre, mesmo antes da conversão e do arrependimento. É o Deus da bondade e da misericórdia, que ama todos como filhos e que a todos convida a integrar a sua família. É esse Deus que temos de propor aos nossos irmãos e que, de forma especial, temos de apresentar àqueles que a sociedade trata como marginais.
A figura de Simão, o fariseu, representa aqueles que, instalados nas suas certezas e numa prática religiosa feita de ritos e obrigações bem definidos e rigorosamente cumpridos, se acham em regra com Deus e com os outros. Consideram-se no direito de exigir de Deus a salvação e desprezam aqueles que não cumprem escrupulosamente as regras e que não têm comportamentos social e religiosamente corretos. 
A exclusão e a marginalização não geram vida nova; só o amor e a misericórdia interpelam o coração e provocam uma resposta de amor. Freqüentemente fala-se, entre nós, no agravamento das penas previstas para quem infringe as regras sociais, como se fosse a solução mágica para a mudança de comportamentos… A lógica de Deus garante-nos que só o amor e a misericórdia conduzem à vida nova. É isso que Jesus nos convida a viver quando vamos até Ele, sejamos ungidos pela presença do Cristo em nós! Assim seja! Amém.

domingo, 5 de junho de 2016

Profeta de Deus e do povo


Irmãos e irmãs,
A dimensão profética percorre a liturgia da Palavra deste domingo, em Elias, o profeta da esperança e da vida, em Paulo, o profeta do Evangelho recebido de Deus, e, particularmente, em Jesus, o grande profeta que visita o seu povo em atitude de total oblação.

A primeira leitura apresenta-nos a figura da mulher de Sarepta, que significa a perda da esperança e o sentimento de derrota e de procura de um culpado, e a figura do profeta Elias, que acredita no Deus da vida, que não abandona o homem ao poder da morte, ressuscitando o filho da viúva.
A vida vem de Deus. Toda a vida e ação de Elias apontam nesse sentido. Portanto, todos os elementos da mensagem devem ser vistos à luz desta centralidade. Todo o relato, que pode denotar referências mágicas na relação entre pecado e doença, baseia-se na oração de Elias, que deixa clara a sua fé num Deus pessoal, senhor e fonte de vida e, no quanto caminho a fazer para sermos profetas à maneira de Elias…

Na segunda leitura, acolhemos a absoluta gratuidade da conversão de Paulo, para quem o Evangelho é uma força vital e criadora, que produz o que anuncia; a sua força é Deus. É uma força vital, uma dinâmica profética que ele recebeu diretamente de Deus.
O texto de hoje enquadra-se na acentuação muito forte da absoluta gratuidade da conversão de Paulo. A essa luz Paulo prega um Evangelho que não é de origem humana. Para Paulo, o Evangelho é uma força vital e criadora, que produz o que anuncia; a sua força é Deus. É uma força vital, uma dinâmica profética que Paulo recebeu diretamente de Deus. Para Paulo, a sua conversão é obra exclusiva de Deus. Assim, somos convidados a estarmos sempre abertos à revelação de Deus, à autêntica conversão, ao acolhimento do Evangelho vivo de Deus.

No Evangelho, temos a revelação de Deus expressa na atitude de piedade e compaixão de Jesus no milagre da ressurreição do filho da viúva. Deus visita o seu povo em Jesus, “um grande profeta”, realizando o reino pela ressurreição, oferecendo a sua vida e dando-lhe pleno sentido.
Temos aqui o episódio da ressurreição do filho de uma viúva, em paralelismo com o da primeira leitura. O milagre relatado neste texto, assim como o dos versículos anteriores, respondem à pergunta de João de Batista a Jesus: “és Tu que hás de vir ou devemos esperar outro?” Jesus oferece a salvação e mostra o verdadeiro triunfo da vida. Não é o relato em si que é o mais importante, mas o sentido que nos transmite.
Temos aqui uma revelação de Deus. Diante da atitude de piedade e compaixão de Jesus, neste milagre de ressurreição, vemos a exclamação do povo: “Deus visitou o seu povo”. Jesus é “um grande profeta”, não apenas porque transmite a Palavra de Deus e anuncia o reino com palavras, mas, sobretudo porque veio realizar o reino pela ressurreição, oferecendo a sua vida.
Em seguida, vemos aqui o sentido da vida. Jesus veio criar, oferecer a alegria de uma vida aberta com todo o sentido.
Percebemos ainda todo o caráter de sinal presente no milagre. A ressurreição do filho da viúva testemunha Jesus que há de vir, cuja vida triunfa plenamente sobre a morte. Significa que para nós hoje,  Deus Se encontra onde há o sentido da piedade, do amor vivificante. Significa ainda que, seguindo Jesus, só podemos também suscitar vida, ter piedade dos que sofrem, oferecer a nossa ajuda, ter uma atitude de oblação. Das duas, uma: ou fazemos da nossa vida um cortejo de morte, dos sem esperança, que acompanham o cadáver, em atitude de choro, de luto, de desespero; ou fazemos do nosso peregrinar um caminho de esperança, de ressurreição, de transformação do choro e da morte em sentido de vida. Podemos escolher, é certo. Mas se somos seguidores de Cristo e nos deixamos visitar por este grande profeta, não temos alternativa!
Desta forma, é preciso revisitar o sentido da profecia para os tempos atuais. Descobrir e propor o projeto de Deus para o mundo e para os homens e mulheres. O profeta é homem/mulher do seu tempo, marcado pelas descobertas, conquistas, contradições e esperanças dos homens e mulheres do seu tempo… É também alguém com uma fé profunda, com uma consciência muito forte da presença de Deus na própria vida. A vida de união e de comunhão com Deus vai impregnando a vida do profeta, de modo que vai aprendendo a interpretar todos os acontecimentos políticos, sociais e religiosos à luz de Deus e do seu projeto. Só deste modo ele pode apresentar o projeto de Deus para os homens e mulheres de hoje. Escutar, aprender, receber, acolher… o Deus do povo e o povo de Deus, sendo Profeta de Deus e do povo. Assim seja! Amém.


domingo, 29 de maio de 2016

"...Dizei uma palavra e serei salvo"


Irmãos e irmãs,
Este Santo Domingo dá-nos conta da expansão da fé, não mais confinada ao território histórico de Israel, mas sim a anunciar o Evangelho em todo o mundo.

Na primeira leitura, Salomão invoca o Senhor, pedindo que escute as orações que os estrangeiros lhe dirigirem no Templo de Jerusalém, de modo que o Senhor seja conhecido para lá das fronteiras de Israel e todos os povos possam prestar culto ao Deus de Israel.
Este pedaço da oração de Salomão é basicamente um pedido a Deus para que escute a oração que um estrangeiro Lhe dirigir no Templo que se está a dedicar. Antes de mais, este trecho da oração ajuda a esclarecer o significado do Templo para Salomão e para a teologia de Israel: o Templo é o lugar onde se invoca a Deus, mas não a morada de Deus que é nos céus.

Na segunda leitura, Paulo apresenta-se como guardião do verdadeiro Evangelho de Cristo que é anunciado também aos pagãos, reclamando a falsidade de qualquer outra mensagem que negue que a salvação de Deus vem pela fé em Jesus Cristo, de quem ele recebeu o Evangelho que agora transmite. Assim, o “seu” Evangelho não é de origem humana, mas divina, de Jesus Cristo, por revelação divina. O apóstolo deixa claro que há um único Evangelho, o de Cristo, e que corresponde ao conteúdo do seu anúncio e do “seu” Evangelho. 

O Evangelho mostra-nos a grande fé de um estrangeiro, um oficial romano, que coloca toda a sua confiança na misericórdia de Jesus e na sua Palavra, enquanto pede a cura de um seu servo. Jesus acede à sua súplica e mostra admiração pela grande fé deste homem estrangeiro.
O nosso texto de hoje coloca-nos diante de uma situação em que Jesus exaltará a fé de um estrangeiro, um centurião romano, mostrando a sua misericórdia para com este homem com um alto cargo, mas com a capacidade de se abaixar, entrando na lógica do Evangelho de Jesus: os últimos serão os primeiros. 
Assim, o episódio da cura do servo do centurião romano centra-se no valor da fé deste homem que é um pagão, apesar de se ter mostrado favorável aos judeus e de lhes ter construído a sinagoga, conforme as palavras dos mensageiros judeus É verdade que esta é uma história de uma cura, conforme é dado pela situação inicial “um servo que estava doente, quase a morrer” – e no resultado final, “os enviados encontraram o servo de perfeita saúde”. No entanto, o grande objetivo do texto é a exaltação da grande fé de um pagão, a ponto de Jesus reconhecer: “Nem mesmo em Israel encontrei tão grande fé”. De fato, grande parte do texto centra-se a contar os procedimentos não da cura, mas da súplica do centurião romano: manda mensageiros judeus e pede que Jesus venha a casa; mostra-se a insistência dos mensageiros judeus, exaltando as características deste oficial pagão; apesar de Jesus ter acedido ao pedido dos primeiros mensageiros, este homem manda novos emissários, a declarar a sua indignidade e falta de mérito para que Jesus venha a sua casa. Tudo isto resulta na declaração de Jesus sobre a fé deste homem.
Esta declaração de Jesus abre a fé aos estrangeiros que, por estatuto, não teriam outro modo para se aproximar do credo de Israel, senão convertendo-se e, conseqüentemente, abraçando todas as tradições israelitas. Apesar dos merecimentos deste homem, bem evidenciados pelos mensageiros dos anciãos judeus, é bem claro que ele não fazia parte da comunidade judaica oficial.
Mas este episódio de Lucas, sendo uma sucessão de súplicas, conforme já se mostrou, vem de encontro a uma caracterização da oração cristã. Notamos antes de mais que o servo que está doente não vai ao encontro de Jesus, mas é o seu patrão, o centurião, a interessar-se por ele. Por sua vez, o centurião faz-se valer de mensageiros que por ele falam a Jesus. Por outro lado, notamos que os primeiros a abeirar-se de Jesus, os anciãos dos judeus, além da insistência com que suplicam, fazem-se valer dos méritos deste homem no modo de suplicar: “ele merece”. O texto deixa claro que Jesus não se opõe a este raciocínio, acompanhando-os. Mas a admiração de Jesus pela fé do oficial romano vem da mensagem enviada pelos amigos, onde o homem se faz despir de todos os méritos: “Eu não mereço que entres em minha casa, nem me julguei digno de ir ter contigo”. Mais forte ainda é a súplica cheia de fé e confiança que causa admiração: “Diz uma palavra e o meu servo será curado”. Há, por assim dizer, uma progressividade da fé manifestada na oração: este oficial romano dá conta que, para realizar o seu desejo, não fazem falta méritos, nem posses ou subalternos, porque o que conta é a misericórdia de Deus, manifestada em Jesus, que é totalmente gratuita.
Este milagre de Jesus dispensa o toque e mesmo a proximidade física de Jesus. Pelas palavras do centurião, entendemos o valor da palavra de Jesus, que se aliará à fé daquele que suplica, independentemente de haver méritos ou não. É bem que se note que já no relato da cura de um paralítico tinha sido a fé a impressionar Jesus e instigá-lo ao milagre: “Vendo a fé daquela gente”, se bem que aí Jesus estava próximo do doente a curar. Neste caso, apesar da distância, é a palavra de Jesus, que expressa a sua grande misericórdia em favor dos que estão oprimidos por qualquer tipo de mal; e a misericórdia precisa apenas da fé do orante. A sucessão narrativa, que coloca a notícia da cura miraculosa depois de ter dado conta da admiração de Jesus pela fé do centurião, é uma forma implícita de reconhecer o que será reconhecido explicitamente noutras curas, que é a fé a salvar.
Temos aqui uma relação muito estreita e concreta entre a fé e a palavra de Jesus, que se enche de admiração pela fé deste homem a ponto de dizer que nem em Israel encontrou tão grande fé. E tudo na infinita misericórdia e compaixão de Jesus para com o servo e o seu senhor. Este centurião, homem de grande fé, para mais estrangeiro à raça de Israel e aos seus cultos, aponta-nos o sentido da nossa fé, sempre em profunda intimidade com a Palavra e na atenção dedicada a quem precisa do nosso amor.
Às vezes pergunto-me se nós, cristãos de hoje, que andamos enfarinhados nas coisas de Deus, nas liturgias bem aprumadas e em longas orações, assumimos a causa de Deus na liturgia quotidiana da nossa vida. Pergunto-me se basta a Palavra para a fé, ou ainda procuramos outros sinais que podem parecer importantes mas não essenciais. Pergunto-me se andamos no único Evangelho que conta, o de Jesus Cristo, ou navegamos noutros evangelhos; assim nos provoca Paulo na segunda leitura. Pergunto-me se habitamos e conhecemos o nome de Deus e lhe oramos com plena escuta do nosso ser ou entretemo-nos com outros nomes e repetidas orações que apenas passam pelo ouvido; assim nos interpela a primeira leitura.
Toda a liturgia deste domingo nos coloca nesta centralidade em Jesus que a todos se dá, sem exceção e sem olhar a quem, exigindo a adesão plena à sua Pessoa a quem o quiser seguir como discípulo missionário. Uma adesão de fé centrada no amor misericordioso de Deus em Jesus Cristo, que há três dias celebramos na Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo e que na próxima semana vamos intensamente viver na Solenidade do Sagrado Coração. 
“Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo”: são as palavras do centurião que dizemos antes de comungarmos em cada Eucaristia que celebramos. É profundamente eucarístico este encontro entre o centurião que acredita sem mais em Jesus, sem o ver, e a palavra de Jesus, proclamada também sem ver o centurião. A Eucaristia, celebrada, adorada e quotidianamente vivida, é um encontro como este. Assim seja! Amém.

domingo, 8 de maio de 2016

Ascensão, por um novo céu e uma nova terra!

Irmãos e irmãs,
A Solenidade da Ascensão de Jesus que celebramos neste Santo Domingo indica que, ao final de um caminho percorrido no amor e na doação, está a vida definitiva, em comunhão com Deus. Sugere, também, que Jesus nos deixou o testemunho e que somos agora nós, seus seguidores, que devemos continuar a realizar o projeto libertador de Deus para os homens, mulheres e para o mundo.

Na primeira leitura, repete-se a mensagem essencial desta festa: Jesus, depois de ter apresentado ao mundo o projeto do Pai, entrou na vida definitiva da comunhão com Deus – a mesma vida que espera todos os que percorrem o mesmo caminho de Jesus. Quanto aos discípulos: eles não podem ficar a olhar para o céu, numa passividade alienante, mas têm de ir para o meio do povo continuar o projeto de Jesus.
Depois da apresentação inicial, vem o tema da despedida de Jesus. O autor começa por fazer referência aos “quarenta dias” que mediaram entre a ressurreição e a ascensão, durante os quais Jesus falou aos discípulos “a respeito do Reino de Deus”. Aqui define, portanto, o tempo simbólico de iniciação ao ensinamento do Ressuscitado.
As palavras de despedida de Jesus sublinham dois aspectos: a vinda do Espírito e o testemunho que os discípulos vão ser chamados a dar “até aos confins do mundo”. Temos aqui resumida a experiência missionária da comunidade de Lucas: o Espírito irá derramar-se sobre a comunidade dos que creem dará a força para testemunhar Jesus em todo o mundo, o testemunho e a pregação da Igreja estão entroncados no próprio Jesus e são impulsionados pelo Espírito.
O último tema é o da ascensão. Evidentemente, esta passagem necessita de ser interpretada para que, através da roupagem dos símbolos, a mensagem apareça com toda a claridade. Temos, em primeiro lugar, a elevação de Jesus ao céu. Não estamos a falar de uma pessoa que, literalmente, descola da terra e começa a elevar-se; estamos a falar de um sentido teológico, a ascensão é uma forma de expressar simbolicamente que a exaltação de Jesus é total e atinge dimensões supra-terrenas; é a forma literária de descrever o culminar de uma vida vivida para Deus, que agora reentra na glória da comunhão com o Pai. Céu e terra, presença e ausência, sombra e luz, divino e humano, são dimensões aqui sugeridas a propósito de Cristo ressuscitado, elevado à glória do Pai, mas que continua a caminhar com os discípulos. Temos, ainda, os discípulos a olhar para o céu. Significa a expectativa dessa comunidade que espera ansiosamente a segunda vinda de Cristo, a fim de levar ao seu termo o projeto de libertação do mundo; convidando aos discípulos no mundo, animados pelo Espírito, a obra libertadora de Jesus; agora, é a comunidade dos discípulos que tem de continuar, na história, a obra de Jesus, embora com a esperança posta na segunda e definitiva vinda do Senhor. O sentido fundamental da ascensão não é que fiquemos a admirar a elevação de Jesus; mas é convidar-nos a seguir o caminho de Jesus, olhando para o futuro e entregando-nos à realização do seu projeto de salvação no meio do mundo.
A segunda leitura convida os discípulos a terem consciência da esperança a que foram chamados, a vida plena de comunhão com Deus. Devem caminhar ao encontro dessa esperança de mãos dadas com os irmãos – membros do mesmo “corpo” – e em comunhão com Cristo, a “cabeça” desse “corpo”. Cristo reside nesse “corpo”.
Na nossa peregrinação pelo mundo, convém termos sempre presente “a esperança a que fomos chamados”. A ressurreição de Cristo é a garantia da nossa própria ressurreição. Formamos com Ele um “corpo”, destinados à vida plena. Esta perspectiva tem de dar-nos a força de enfrentar a história e de avançar – apesar das dificuldades – nesse caminho do amor e da entrega total que Cristo percorreu.
Significa que temos a obrigação de testemunhar Cristo, de torná-l’O presente no mundo, de levar à plenitude o projeto de libertação que Ele começou em favor dos homens. Essa tarefa só estará acabada quando, pelo testemunho e pela ação dos que creem Cristo for “um em todos”.

O Evangelho apresenta-nos as palavras de despedida de Jesus que definem a missão dos discípulos no mundo. Faz, também, referência à alegria dos discípulos: essa alegria resulta do reconhecimento da presença no mundo do projeto salvador de Deus e resulta do fato de a ascensão de Jesus ter acrescentado à vida dos crentes um novo sentido.
O nosso texto está dividido em duas partes: despedida dos discípulos e ascensão. Na primeira parte temos, portanto, as palavras de despedida de Jesus. Os discípulos que fizeram a experiência do encontro pessoal com Jesus ressuscitado são agora convocados para a missão: Jesus envia-os como testemunhas, a pregar a conversão e o perdão dos pecados. Para esta tarefa ingente, os discípulos contam com a ajuda e a assistência do Espírito. Temos também, aqui, todos os elementos daquilo que será a futura missão da Igreja. O testemunho apostólico terá como tema central a morte e ressurreição de Jesus, o Messias libertador anunciado pelas escrituras. Desde Jerusalém, esta proposta deve ser anunciada a todas as nações. 
Na segunda parte, Lucas descreve a ascensão, situada em Betânia. Há duas indicações de Lucas que importa realçar. A primeira é a bênção que Jesus dá aos discípulos antes de ir para junto do Pai: essa bênção sugere um dom que vem de Deus e que afeta positivamente toda a vida e toda a ação dos discípulos, capacitados para a missão pela força de Deus. A segunda é a alegria dos discípulos: a alegria é o grande sinal messiânico e escatológico; indica que o mundo novo já começou, pois, o projeto salvador e libertador de Deus está em marcha.
A ressurreição/ascensão de Jesus convida-nos a ver a vida com outros olhos – os olhos da esperança. Diz-nos que o sofrimento, a perseguição, o ódio, a morte, não são a última palavra para definir o quadro do nosso caminho; diz-nos que no final de um caminho percorrido na doação, na entrega, no amor vivido até às últimas consequências, está a vida definitiva, a vida de comunhão com Deus. Esta esperança permite-nos enfrentar o medo, os nossos limites humanos, o fanatismo, o egoísmo dos fazedores de pecado e permite-nos olhar com serenidade para esse qualquer coisa de novo que nos espera, para esse futuro de vida plena que é o nosso destino final.
A alegria que brilha nos olhos e nos corações desses discípulos que testemunham a entrada definitiva de Jesus na vida de Deus tem de ser uma realidade que transparece na nossa vida. Os seguidores de Jesus, iluminados pela fé, têm de testemunhar, com a sua alegria, a certeza de que os espera, no final do caminho, a vida em plenitude; e têm de testemunhar, com a sua alegria, a certeza de que o projeto salvador e libertador de Deus está a atuar no mundo, está a transformar os corações e as mentes, está a fazer nascer, dia a dia, o Homem Novo e a Mulher Nova.
A ascensão de Jesus e, sobretudo, as palavras finais de Jesus, que convocam os discípulos para a missão, sugerem a nossa responsabilidade na construção desse mundo novo onde habita a justiça e a paz; sugerem que a proposta libertadora que Jesus fez a todos (as) está agora nas nossas mãos e que é nossa responsabilidade torná-la realidade; sugerem que nós, os seguidores de Jesus, temos de construir, com o esforço de todos os dias, o novo céu e a nova terra. Ressuscitando, fez entrar todos estes desejos no mundo do amor infinito. É desse céu que se trata hoje, para lá de tudo o que possamos imaginar ou desejar. Em cada Eucaristia, acolhemos em nós a presença de Jesus ressuscitado que vem alimentar e fazer crescer o germe da vida eterna. E, no dia da nossa morte, Jesus far-nos-á entrar no “além”, no “céu”, no mundo do amor sem qualquer limite…A ressurreição/ascensão de Jesus garante-nos que uma vida vivida na fidelidade aos projetos do Pai é uma vida destinada à glorificação, à comunhão definitiva com Deus. Quem percorre o mesmo caminho de Jesus subirá, como Ele, à vida plena. Que na ascensão emerja um novo céu e uma nova terra! Animados pela Presença do Espírito Santo e "neste dia" das Mães, por Maria Santíssima, Mãe de Deus e Mãe da Igreja! Assim seja! Amém.

domingo, 1 de maio de 2016

“Quem Me ama guardará a minha palavra e meu Pai o amará..."


Irmãos e irmãs,
Neste Santo Domingo sobressai a promessa de Jesus de acompanhar de forma permanente a caminhada da sua comunidade em marcha pela história: não estamos sozinhos; Jesus ressuscitado vai sempre ao nosso lado.

A primeira leitura apresenta-nos a Igreja de Jesus a confrontar-se com os desafios dos novos tempos. Animados pelo Espírito os que creem aprendem a discernir o essencial do acessório e atualizam a proposta central do Evangelho, de forma que a mensagem libertadora de Jesus possa ser acolhida por todos os povos.
A questão de cumprir ou não os ritos da Lei de Moisés é uma questão ultrapassada, que hoje não preocupa nenhum cristão; mas este episódio vale, sobretudo, pelo seu valor exemplar. Faz-nos pensar, por exemplo, em rituais ultrapassados, em práticas de piedade vazias e estéreis, em fórmulas obsoletas, que exprimiram num certo contexto, mas já não exprimem o essencial da proposta cristã. Faz-nos pensar na imposição de esquemas culturais – ocidentais, por exemplo – que muitas vezes não têm nada a ver com a forma de expressão de certas culturas… O essencial do cristianismo não pode ser vivido sem o concretizar em formas determinadas, humanas e, por isso, condicionadas e finitas. Mas é necessário distinguir o essencial do acessório; o essencial deve ser preservado e o acessório deve ser constantemente atualizado. 
Assim é necessário ter presente que o essencial é Cristo e a sua proposta de salvação. Essa é a proposta revolucionária que temos para apresentar ao mundo. O resto são questões cuja importância não nos deve distrair do essencial. Devemos também ter consciência da presença do Espírito na caminhada da Igreja de Jesus. É preciso ainda aprender com a forma como os Apóstolos responderam aos desafios dos tempos: com audácia, imaginação, liberdade, desprendimento e, acima de tudo, com a escuta do Espírito. É assim que a Igreja de Jesus deve enfrentar hoje os desafios do mundo.

Na segunda leitura, apresenta-se mais uma vez a meta final da caminhada da Igreja: a “Jerusalém messiânica”, essa cidade nova da comunhão com Deus, da vida plena, da felicidade total. É, ainda, a imagem da “nova Jerusalém que desce do céu” que nos é apresentada. Já vimos na passada semana que falar de Jerusalém é falar do lugar onde irá irromper a salvação definitiva, o lugar do encontro definitivo entre Deus e o seu Povo.
A Igreja em marcha pela história não é, ainda, essa comunidade messiânica da vida plena de que fala esta leitura; mas tem de apontar nesse sentido e procurar ser, apesar do pecado e das limitações dos homens, um anúncio e uma prefiguração dessa comunidade escatológica da salvação, que dá testemunho da utopia e que acende no mundo a luz de Deus. A humanidade necessita desse testemunho.
Ainda que esta realidade de vida plena, de felicidade total, só aconteça na “nova Jerusalém”, ela tem de começar a ser construída desde já nesta terra. Deve ser esta e tarefa que nos motiva, que nos empenha e que nos compromete: a construção de um mundo de justiça, de amor e de paz, que seja cada vez mais um reflexo do mundo futuro que nos espera.

No Evangelho, Jesus diz aos discípulos como se hão-se manter em comunhão com Ele e reafirma a sua presença e a sua assistência através do “paráclito” – o Espírito Santo. Estamos contexto da “ceia de despedida”. Jesus, que acaba de fundar a sua comunidade, dando-lhe por estatuto o mandamento do amor, vai agora explicar como é que essa comunidade manterá, após a sua partida, a relação com Ele e com o Pai.
Para manter esta relação com o Pai, é preciso seguir o “caminho”, que é amar Jesus e guardar a sua Palavra. Quem ama Jesus e O escuta, identifica-se com Ele, isto é, vive como Ele, na entrega da própria vida em favor do homem… Ora, viver nesta dinâmica é estar continuamente em comunhão com Jesus e com o Pai. O Pai e Jesus, que são um, estabelecerão a sua morada no discípulo; viverão juntos, na intimidade de uma nova família.
Para que os discípulos possam continuar a percorrer esse “caminho” no tempo da Igreja, o Pai enviará o “paráclito”, isto é, o Espírito Santo. A palavra “paráclito” pode traduzir-se como “advogado”, “auxiliador”, “consolador”, “intercessor”. A função do “paráclito” é “ensinar” e “recordar” tudo o que Jesus propôs. Trata-se, portanto, de uma presença dinâmica, que auxiliará os discípulos trazendo-lhes continuamente à memória os ensinamentos de Jesus e ajudando-os a ler as propostas de Jesus à luz dos novos desafios que o mundo lhes colocar. Assim, os que creem poderão continuar a percorrer, na história, o “caminho” de Jesus, numa fidelidade dinâmica às suas propostas. O Espírito garante, dessa forma, que o crente possa continuar a percorrer esse “caminho” de amor e de entrega, unido a Jesus e ao Pai. A comunidade cristã, cada homem e mulher tornam-se a morada de Deus: na ação dos que creem revela-se o Deus libertador, que reside na comunidade e no coração de cada crente e que tem um projeto de salvação para todos (as).
A última parte do texto que nos é proposto contém a promessa da “paz”. Desejar a “paz” era a saudação habitual à chegada e à partida. No entanto, neste contexto, a saudação não é uma despedida trivial, pois, Jesus não vai estar ausente. O que Jesus pretende é inculcar nos discípulos apreensivos a serenidade e evitar-lhes o temor. São palavras destinadas a tranquilizar os discípulos e a assegurar-lhes que os acontecimentos que se aproximam não porão fim à relação entre Jesus e a sua comunidade. As últimas palavras referidas por este texto sublinham que a ausência de Jesus não é definitiva, nem sequer prolongada. De resto, os discípulos devem alegrar-se, pois, a morte não é uma tragédia sem sentido, mas a manifestação suprema do amor de Jesus pelo Pai e pela humanidade.
Neste sentido, os discípulos são convidados a percorrer, com Jesus, esse mesmo “caminho”. Paradoxalmente, dessa entrega, dessa morte para si mesmo, nasce o Ser Novo, na plenitude das suas possibilidades, que desenvolveu até ao extremo todas as suas potencialidades. Na intimidade e a comunhão com Jesus e com o Pai estabelece-se percorrendo o caminho do amor e da entrega, numa doação total aos irmãos. Quem quiser encontrar-se com Jesus e com o Pai, tem de sair do egoísmo e aprender a fazer da sua vida um dom.
É impressionante essa pedagogia de um Deus – o nosso Deus – que nos deixa ser os construtores da nossa própria história, mas não nos abandona. De forma discreta, respeitando a nossa liberdade, Ele encontrou formas de continuar conosco, de nos animar, de nos ajudar a responder aos desafios, de nos recordar que só nos realizaremos plenamente na fidelidade ao “caminho” de Jesus. Recordamos a Palavra evangélica e deixemo-nos transformar por ela. O Espírito Santo ensinar-nos-á, far-nos-á compreender, diz-nos Jesus. Basta estarmos abertos à sua ação! “Quem Me ama guardará a minha palavra e meu Pai o amará; nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada”. Que neste 1.º de Maio, Dia do Trabalho, o Pai Nosso Libertador, Deus dos pobres e oprimidos, ilumine sempre a caminhada dos trabalhadores (as). Assim seja! Amém.