Irmãos
e irmãs,
A
Solenidade que hoje celebramos não é um convite a decifrar o mistério que se
esconde por detrás de "um Deus em três pessoas"; mas é um convite a
contemplar o Deus que é amor, que é família, que é comunidade e que criou homens
e mulheres para os fazer comungar nesse mistério de amor.
Na
primeira leitura, Javé revela-se como o Deus da relação, empenhado em
estabelecer comunhão e familiaridade com o seu Povo. É um Deus que vem ao
encontro de homens e mulheres, que lhes fala, que lhes indica caminhos seguros
de liberdade e de vida, que está permanentemente atento aos problemas dos
homens, que intervém no mundo para nos libertar de tudo aquilo que nos oprime e
para nos oferecer perspectivas de vida plena e verdadeira.
Toda
a história da relação entre Deus e Israel é uma extraordinária história de
relação, na qual se manifesta o amor de um Deus empenhado em estabelecer
comunhão e familiaridade com o seu Povo. Javé escolheu Israel de entre todos os
povos da terra, veio ao seu encontro, falou-lhe ao coração e realizou gestos
destinados a trazer ao Povo ao encontro da vida. De mil formas, Deus fez ouvir
a sua voz, indicou caminhos, conduziu o seu Povo da escravidão para a
liberdade.
A
segunda leitura confirma a mensagem da primeira: o Deus em quem acreditamos não
é um Deus distante e inacessível, que se demitiu do seu papel de Criador e que
assiste com indiferença e impassibilidade aos dramas de homens e mulheres; mas
é um Deus que acompanha com paixão a caminhada da humanidade e que não desiste
de oferecer aos homens a vida plena e definitiva.
Os
membros da comunidade cristã, que pelo Batismo aderiram ao projeto de salvação
que Deus apresentou em Jesus e cuja caminhada é animada pelo Espírito, integram
a família de Deus. O fim último da nossa caminhada é a pertença à família
trinitária.
O
crente que acolhe a proposta de salvação que Deus faz em Jesus vive "no
Espírito". Aceitar essa proposta de vida é aceitar uma vida de relação e
de comunhão com Deus. Nessa relação, o crente é alimentado com a vida de Deus. Os
que aceitam receber a vida de Deus e vivem "no Espírito" são
"filhos de Deus": A condição de "filhos" equipara os
crentes com Cristo. Eles tornam-se, assim, "herdeiros de Deus e herdeiros
com Cristo". É a vida plena e definitiva, que Deus oferece àqueles que
aceitaram a proposta de Cristo e percorreram com Ele o caminho do amor, da
doação, da entrega da vida.
Assim,
o nosso Deus é, de acordo com a catequese de Paulo, o Deus da relação, apostado
em vir ao encontro de homens e mulheres, em oferecer-lhes vida, em integrá-los
na sua família, em amá-los com amor de Pai, em torná-los herdeiros da vida
plena e definitiva. Esta "vocação" deve expressar-se na nossa vida
comunitária. A nossa relação com os irmãos deve refletir o amor, a ternura, a
misericórdia, a bondade, o perdão, o serviço, que são as consequências práticas
do nosso compromisso com a comunidade trinitária.
No
Evangelho, Jesus dá a entender que ser seu discípulo é aceitar o convite para
se vincular com a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Os
discípulos de Jesus recebem a missão de testemunhar a sua proposta de vida no
meio do mundo e são enviados a apresentar, a todos os homens e mulheres, sem
exceção, o convite de Deus para integrar a comunidade trinitária.
Este
texto que descreve o encontro final entre Jesus e os discípulos divide-se em
duas partes:
Na
primeira, descreve-se o encontro. Jesus, vivo e ressuscitado, revela-se aos
discípulos; e os discípulos reconhecem-n'O como "o Senhor" e
adoram-n'O. Ao reconhecimento e à adoração dos discípulos, segue-se uma
manifestação do mistério de Jesus, que reflete a fé da comunidade de Mateus:
Jesus é que possui todo o poder sobre o mundo e sobre a história; Jesus é
"o mestre", cujo ensinamento será sempre uma referência para os discípulos;
Jesus é o "Deus conosco", que acompanhará, a par e passo, a
caminhada dos discípulos pela história.
Na
segunda, Mateus descreve o envio dos discípulos em missão pelo mundo. A Igreja
de Jesus é, essencialmente, uma comunidade missionária, cuja missão é
testemunhar no mundo a proposta de salvação e de libertação que Jesus veio
trazer aos homens e mulheres e que deixou nas mãos e no coração dos discípulos.
A primeira referência do envio e do mandato que Jesus dá aos discípulos é a da
universalidade da missão dos discípulos destina-se a "todas as
nações".
A
segunda referência dá conta das duas fases da iniciação cristã, conhecidas da
comunidade de Mateus: o ensino e o batismo. Começava-se pela catequese, cujo
conteúdo eram as palavras e os gestos de Jesus, o discípulo começava sempre
pelo catecumenato, que lhe dava as bases da proposta de Jesus. Quando os
discípulos estavam informados da proposta de Jesus, vinha o batismo - que
selava a íntima vinculação do discípulo com o Pai, o Filho e o Espírito Santo, era
a adesão à proposta anteriormente feita.
Uma
última referência: Jesus estará sempre com os discípulos, "até ao fim dos
tempos". Esta afirmação expressa a convicção - que todos os crentes da
comunidade mateana possuíam - que Jesus ressuscitado estará sempre com a sua
Igreja, acompanhando a comunidade dos discípulos na sua marcha pela história,
ajudando-a a superar as crises e as dificuldades da caminhada.
Este
texto é escolhido para o dia da Santíssima Trindade, pois, nele aparece uma
fórmula trinitária usada no batismo cristão: "em nome do Pai, do Filho e
do Espírito Santo". O nosso texto sugere, antes de mais, que ser batizado
é estabelecer uma relação pessoal com a comunidade trinitária… No dia em que fomos batizados,
comprometemo-nos com Jesus e vinculamo-nos com a comunidade do Pai, do Filho e
do Espírito Santo.
Quem
acolheu o convite de Deus (apresentado em Jesus) para integrar a comunidade
trinitária, torna-se testemunha, no meio de homens e mulheres, dessa vida nova
que Deus oferece. O papel dos discípulos é continuar a missão de Jesus,
testemunhar o amor de Deus e convidar todos (as) a integrar a família de Deus.
A
missão que Jesus confiou aos discípulos - introduzir todos na família de Deus -
é uma missão universal: as fronteiras, as raças, a diversidade de culturas, não
podem ser obstáculo para a presença da proposta libertadora de Jesus no mundo.
Todos os homens e mulheres, sem exceção, têm lugar na família de Deus. "Eu
estarei convosco até ao fim dos tempos". Esta certeza deve alimentar a
coragem com que testemunhamos aquilo em que acreditamos.
A
celebração da Solenidade da Trindade não pode ser a tentativa de compreender e
decifrar este mistério de "um em três". Mas deve ser, sobretudo, a
contemplação de um Deus que é amor e que é, portanto, comunidade. Dizer que há
três pessoas em Deus, como há três pessoas numa família - pai, mãe e filho - é
afirmar três deuses e é negar a fé; inversamente, dizer que o Pai, o Filho e o
Espírito são três formas diferentes de apresentar o mesmo Deus, como três
fotografias do mesmo rosto, é negar a distinção das três pessoas e é também
negar a fé. A natureza divina de um Deus amor, de um Deus família, de um Deus
comunidade, expressa-se na nossa linguagem imperfeita das três pessoas. O Deus
família torna-Se trindade de pessoas distintas, porém unidas. Chegados aqui,
temos de parar, porque a nossa linguagem finita e humana não consegue
"dizer" o indizível, não consegue definir cabalmente o mistério de
Deus.
Trindade,
Movimento de Amor! Com efeito, a grande revelação que Cristo veio trazer, é que
"Deus é Amor". O Ser de Deus é o Amor em estado puro, mais
precisamente ainda, é amar. Deus nada pode fazer senão amar. Ora, o amor não
existe se não for movimento, reciprocidade, dom e acolhimento. Deus, Aquele que
Jesus chama "Abba", só pode existir como fonte de amor. O Pai é a
fonte que Se dá, eternamente, gratuitamente. O Filho surge deste dom como a
perfeita Imagem do Pai. Quanto ao Espírito, Ele é este mesmo Movimento de Amor
que liga eternamente o Pai e o Filho. O Espírito é o "peso" que,
brotando do Coração do Pai, O faz "abanar" no dom total de Si mesmo
ao Filho. Isto só se pode aceitar na fé, proclamando um Deus que só é Amor e
nada mais. É neste Movimento que são mergulhados os batizados. A vida dos
cristãos não é uma realidade estática, nem simples conformidade aos
mandamentos. É movimento de amor, aberto aos outros, no próprio movimento de
amor que é Deus. "Assim como Eu vos amei, amai-vos uns aos outros".
Pois, a Solenidade da Santíssima Trindade é, antes de mais, um convite a
descobrir o verdadeiro rosto de Deus. Assim seja! Amém.
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