Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo, Quinto Domingo da Quaresma, garante-nos que o desígnio de Deus é a
comunicação de uma vida que ultrapassa definitivamente a vida biológica: é a
vida definitiva que supera a morte.
Na
primeira leitura, Javé oferece ao seu Povo exilado, desesperado e sem futuro,
condenado à morte, uma vida nova. Essa vida vem pelo Espírito, que irá recriar
o coração do Povo e inseri-lo numa dinâmica de obediência a Deus e de amor aos
irmãos.
A
situação de desespero em que estão os exilados é uma situação de morte, não veem
no horizonte quaisquer perspectivas de futuro. O texto define esta situação de
ausência total de esperança como “estar no túmulo”. No entanto, Javé vai
transformar a morte em vida, o desespero em esperança, a escravidão em
libertação. Em termos concretos, Javé promete ao Povo o regresso à sua terra,
restaurando a esperança dos exilados num futuro de felicidade e de paz… Mas
Deus vai fazer ainda mais: vai derramar o seu Espírito sobre o Povo condenado à
morte.
O
Espírito é a vida divina que transforma completamente, fazendo com que os
corações de pedra – duros, insensíveis, autossuficientes – se transformem em
corações de carne, sensíveis e bons, capazes de amar Deus e os irmãos. Então,
com um coração de carne capaz de compreender o amor, o Povo reconhecerá a
bondade de Deus, a sua fidelidade à Aliança e às promessas que fez ao seu Povo.
É o Deus da vida, que encontra sempre formas de transmitir vida ao seu Povo. Em
cada instante da história Ele está presente, recriando o seu Povo,
transformando-o, renovando-o, encaminhando-o para a vida plena.
A
segunda leitura lembra aos cristãos que, no dia do seu batismo, optaram por
Cristo e pela vida nova que Ele veio oferecer. Convida-os, portanto, a ser coerentes
com essa escolha, a fazerem as obras de Deus e a viverem “segundo o Espírito”.
Pois, o batizado é alguém que escolheu identificar-se com Cristo – isto é,
alguém que escolheu viver na obediência aos planos do Pai e no dom da vida em
favor dos irmãos.
Paulo
recorda que o cristão, no dia do seu batismo, optou pela vida do Espírito. A
partir daí, vive sob o domínio do Espírito – isto é, vive aberto a Deus, recebe
vida de Deus, torna-se “filho de Deus”. Identifica-se, portanto, com Cristo; e
assim como Cristo – depois de uma vida vivida “no Espírito”, presente naqueles
que renunciaram à vida da “carne”, isto é, depois de uma vida de renúncia ao
egoísmo e ao pecado e de opção por Deus e pelas suas propostas, ressuscitou,
transforma em Novo Ser e que os leva em direção à glória do Pai, na órbita de
Deus, pautada pelos valores da caridade, alegria, paz e fidelidade, assim o
cristão está destinado à vida nova, plena e eterna.
O
texto que hoje nos é proposto do Evangelho Segundo João, ‘Livro dos Sinais”, refere-se
a quinta catequese, da vida, trata-se de uma narração única, que não tem
paralelo nos outros três Evangelhos. A
cena situa-nos em Betânia e coloca-nos diante de um episódio, um
triste episódio familiar, a morte. A família mencionada, constituída por três
pessoas, Marta, Maria e Lázaro, é conhecida de Jesus; diz-se que Jesus amava
Marta, a sua irmã Maria e Lázaro. A visita de Jesus a casa desta família é,
aliás, mencionada em outro Evangelho. É uma família amiga de Jesus, que Jesus
conhece e que conhece Jesus, que ama Jesus e que é amada por Jesus, que recebe
Jesus em sua casa. João
tem o cuidado de observar que a Maria, aqui retratada, é a mesma que tinha
ungido o Senhor com perfume e lhe tinha enxugado os pés com os cabelos. Além
disso, João insiste no grau de parentesco que une os três: são “irmãos”. A
palavra “irmão” será a palavra usada por Jesus, após a ressurreição, para
definir a comunidade dos discípulos; e este apelativo será comum entre os
membros da comunidade cristã primitiva.
Um
fato abala a vida desta família, um irmão, Lázaro, está gravemente doente. As
“irmãs” mostram o seu interesse, preocupação e solidariedade para com o “irmão”
doente e informam Jesus. A relação de Jesus com Lázaro é de afeto e amizade;
mas Jesus não vai imediatamente ao seu encontro; parece, que Jesus deixa que a
morte física do “amigo” se consume; significa que Jesus não veio para alterar o
ciclo normal da vida física do homem, libertando-o da morte biológica; veio,
sim, para dar um novo sentido à morte física e para oferecer ao homem a vida
eterna.
Depois
de dois dias, Jesus resolve dirigir-se à Judeia ao encontro do “amigo”. Os
discípulos tentam dissuadi-l’O, eles não entenderam, ainda, que o plano do Pai
é que Jesus dê vida ao amigo enfermo, mesmo que para isso corra riscos e tenha
de oferecer a sua própria vida. Jesus é o pastor que desafia o perigo por amor.
Sua preocupação única é realizar o plano do Pai no sentido de dar vida ao
homem. Ao chegar a Betânia, Jesus encontrou o “amigo” sepultado há já quatro
dias. De acordo com a mentalidade judaica, a morte era considerada definitiva a
partir do terceiro dia. Quando Jesus chega, Lázaro está, pois, verdadeiramente
morto. Jesus não elimina a morte física; mas, para quem é “amigo” de Jesus, a
morte física não é mais do que um sono, do qual se acorda para descobrir a vida
definitiva.
Por
esta altura, entram em cena as “irmãs” de Lázaro. Marta é a primeira. Vem ao
encontro de Jesus e diz que Jesus podia ter evitado a morte do amigo, se
tivesse estado presente, pois, onde Ele está reina a vida. No entanto, mesmo
agora, Jesus poderá interceder junto de Deus e devolverá a vida física a
Lázaro. Marta acredita em Deus; acredita que Jesus é um profeta, através de
quem Deus atua no mundo; mas ainda não tem consciência de que Jesus é a vida do
Pai e que Ele próprio dá a vida. Jesus inicia a sua catequese dizendo-lhe: “teu
irmão ressuscitará”. Marta pensa que as palavras de Jesus são uma consolação
banal e que Ele se refere à crença, segundo a qual os mortos haveriam de
reviver, no final dos tempos, quando se registasse a última intervenção de Deus
na história humana.
Jesus,
no entanto, não fala da ressurreição no final dos tempos. O que Ele diz é que,
para quem é amigo de Jesus, não há morte, sequer. Jesus é “a ressurreição e a
vida”. Para os seus amigos, a morte física é apenas a passagem desta vida para
a vida plena. Jesus não evita a morte física; mas Ele oferece essa vida que se
prolonga para sempre. Para que essa vida definitiva possa chegar é necessário, que
O siga, num caminho de amor e de dom da vida, “todo aquele que vive e acredita
em mim, nunca morrerá”. E é essa vida verdadeira que Jesus quer oferecer. Assim
Jesus pergunta: “acreditas nisto?”, Marta manifesta a sua adesão ao que Jesus
diz e professa a sua fé no Senhor que dá a vida - “acredito, Senhor, que Tu és
o Messias, o Filho de Deus que havia de vir ao mundo”.
Maria,
a outra irmã, tinha ficado em casa. Está imobilizada, paralisada pela dor, sem
esperança. Marta que falara com Jesus e encontrara n’Ele a resposta para a
situação que a fazia sofrer, convida a irmã a sair da sua dor e ir, por sua
vez, ao encontro de Jesus. Maria vai rapidamente, sem dar explicações a
ninguém, ela tem consciência de que só em Jesus encontrará uma solução para o
sofrimento que lhe enche o coração. Nas palavras de Maria há também uma certa
reprovação a Jesus pelo fato de Ele não ter estado presente, impedindo a morte
física de Lázaro. Jesus não pronuncia qualquer palavra de consolo, nem exorta à
resignação, vai fazer melhor do que isso e vai mostrar que Ele é, efetivamente,
a ressurreição e a vida.
A
cena da ressurreição de Lázaro começa com Jesus a chorar. Jesus mostra, dessa
forma, o seu afeto por Lázaro, a sua saudade do amigo ausente. Ele, como nós,
sente a dor, diante da morte física de uma pessoa amada; mas a sua dor não é
desespero. Jesus chega junto do sepulcro de Lázaro. A entrada da gruta onde
Lázaro está sepultado está fechada com uma pedra, símbolo que separa o mundo
dos vivos do mundo dos mortos. Jesus manda tirar essa “pedra”, oferecendo a
vida plena, abatendo as barreiras criadas pela morte física. A morte física não
afasta da vida. Portanto, a ação de dar vida a Lázaro representa a
concretização da missão que o Pai confiou a Jesus, dar vida plena e definitiva.
É por isso que Jesus, antes de mandar Lázaro sair do sepulcro, ergue os olhos
ao céu e dá graças ao Pai, sua oração demonstra a comunhão e obediência na
concretização do plano do Pai.
A
família de Betânia representa a comunidade cristã, formada por irmãos e irmãs.
Todos eles conhecem Jesus, são amigos de Jesus, acolhem Jesus na sua casa e na
sua vida. Essa família também faz a experiência da morte física. Ser amigo de
Jesus é saber que Ele é a ressurreição e a vida e que dá aos seus a vida plena,
em todos os momentos. Ele não evita a morte física; mas a morte física é, para
os que aderiram a Jesus, apenas a passagem imediata para a vida verdadeira e
definitiva. Para os “amigos” de Jesus, para aqueles que acolhem a sua proposta
e fazem da sua vida uma entrega a Deus e um dom aos irmãos, não há morte, ele
encontrou a vida plena, na glória de Deus.
No
dia do nosso batismo, escolhemos essa vida plena e definitiva que Jesus oferece
aos seus e que lhes garante a eternidade. E ao longo da nossa existência nesta terra,
convivemos com situações em que somos tocados pela morte física daqueles a quem
amamos. É natural que fiquemos tristes
pela sua partida e por eles deixarem de estar fisicamente presentes a nosso
lado. A nossa fé convida-nos, no entanto, a ter a certeza de que os “amigos”
não são aniquilados, apenas encontraram essa vida definitiva, longe da finitude
humanas.
A
vida é esperança. Estão vivos aqueles que esperam. Somos habitados pela esperança. Neste tempo
da Quaresma, somos convidados a esperança, porque o nosso Deus é um Deus que
fala, somos chamados por Ele. A esperança faz-nos escutar os seus apelos e
responder-lhes. A Palavra de Deus garante-nos que não estamos perdidos e
abandonados à nossa miséria e finitude. Deus caminha ao nosso lado; em cada
instante Ele lá está, tirando vida da morte, dando-nos a coragem de “sair do
sepulcro” e avançar mais um passo ao encontro da vida plena, viver para sempre em Deus. Deus recria-nos,
cada dia, oferecendo-nos o Espírito renovador, transformando-nos em pessoas
novas, com um coração sensível ao amor e às necessidades dos outros. A Palavra de
Deus sugere-nos que pelo simples fato de acreditar em Deus, sejamos um arauto
da esperança. É sempre Deus, e só Deus, que oferece a vida e a esperançam que
desperta em nós a fé, no amor e no dom da vida, que libertaste Lázaro, liberta-nos
dos laços que nos paralisam diante do próximo, lutando generosamente contra tudo
aquilo que oprime e que impede a vida plena. É daí que brota a ressurreição. Assim seja! Amém.
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