Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo propõem-nos o tema da “luz”. Assim, os Cristãos são aqueles que
escolhem viver e testemunhar a luz, revela-nos a experiência cristã como “viver
na luz”.
A
primeira leitura nos conta a escolha de David para rei de Israel e a sua unção,
nos faz lembrar da unção que recebemos no dia do nosso batismo e que nos
constituiu testemunhas da “luz” de Deus no mundo. David é apresentado como o
eleito de Javé. É sempre Javé que escolhe aqueles a quem quer confiar uma
missão. A eleição resulta da iniciativa e da vontade livre de Deus. Samuel
raciocina com a lógica humana e pretende ungir como rei o filho mais velho de
Jessé de Belém, impressionado pelo seu belo aspecto e pela sua estatura; mas
não é essa a escolha de Deus, impressiona a lógica de escolha de Deus… Samuel
percebe, finalmente, que a escolha de Deus recai sobre David – o filho mais
novo de Jessé – um jovem anônimo e desconhecido que andava a guardar o rebanho
do pai.
Fica,
assim, claro que quem leva a cabo a obra da salvação é Deus. Deus escolhe e
chama, com frequência, os pequenos, os mais fracos, aqueles que o mundo
marginaliza e considera insignificantes; e é através deles que age no mundo; os
homens são apenas instrumentos, através dos quais Deus realiza a sua obra no
mundo. E o nosso Deus continua a construir, dia a dia, a história da salvação;
e chama homens e mulheres para colaborarem com Ele na salvação do mundo.
Na
segunda leitura, Paulo propõe aos cristãos que recusam viver à margem de Deus,
nas “trevas” e que escolham a “luz”. Em concreto, Paulo explica que viver na
“luz” é praticar as obras de Deus, a bondade, a justiça e a verdade.
Para
Paulo, viver nas “trevas” é viver à margem de Deus, recusar as suas propostas,
viver prisioneiro das paixões e dos falsos valores, no egoísmo e na autossuficiência.
Ao contrário, viver na “luz” é acolher o dom da salvação que Deus oferece,
aceitar a vida nova que Ele propõe, escolher a liberdade, tornar-se “filho de
Deus”.
Os
cristãos são aqueles que escolheram viver na “luz”. Assim, Paulo, dirigindo-se aos
cristãos, exorta-os a viverem na órbita de Deus, como pessoas Novas, e a
praticarem as obras correspondentes à opção que fizeram pela “luz”, obras de
bondade, justiça e verdade. O cristão não é só chamado a viver na “luz”; mas
deve desmascarar as “trevas”, de forma aberta, decidida e denunciar as obras e
os comportamentos daqueles que escolhem viver nas “trevas” do egoísmo, da
mentira, da escravidão e do pecado.
No
Evangelho, Jesus apresenta-se como “a luz do mundo”; a sua missão é
libertar-nos das trevas do egoísmo, do orgulho e da autossuficiência. Aderir à
proposta de Jesus é enveredar por um caminho de liberdade e de realização que
conduz à vida plena. Da ação de Jesus nasce, assim, o Novo Homem e a Nova
Mulher.
O
nosso texto apresenta Jesus como a “luz” que veio iluminar o caminho de homens
e mulheres. O “cego” da nossa história é um símbolo de todos os homens e
mulheres que vivem na escuridão, privados da “luz”, prisioneiros dessas cadeias
que os impedem de chegar à plenitude da vida. A reflexão apresenta-se em vários
quadros.
No
primeiro quadro, Jesus apresenta-se como “a luz do mundo”. Jesus e os
discípulos estão diante de um cego de nascença. De acordo com a teologia da
época, o sofrimento era sempre resultado do pecado; por isso, os discípulos
estavam preocupados em saber se foi o cego que pecou ou se foram os seus pais.
Jesus desmonta esta perspectiva e nega qualquer relação entre pecado e
sofrimento. No entanto, a ocasião é propícia para ir mais além; e Jesus
aproveita-a para mostrar que a missão que o Pai lhe confiou é ser “a luz do
mundo” e encher de “luz” a vida dos que vivem nas trevas.
No
segundo quadro, Jesus passa das palavras aos atos e prepara-se para dar a “luz”
ao cego. Começa por cuspir no chão, fazer lodo com a saliva e ungir com esse
lodo os olhos do cego. Jesus junta ao barro a sua própria energia vital, através
da saliva, repetindo o gesto criador de Deus. A missão de Jesus é criar um Novo
Ser, animado pelo Espírito de Jesus.
No
entanto, a cura não é imediata: requer-se a cooperação do enfermo. “Vai
lavar-te na piscina de Siloé” – diz-lhe Jesus. A disponibilidade do cego em
obedecer à ordem de Jesus é um elemento essencial na cura e sublinha a sua
adesão à proposta que Jesus lhe faz. A referência ao banho na piscina do
“enviado”, é evidentemente, uma alusão à água de Jesus, o enviado do Pai, essa
água que torna-nos novos, livres das trevas/escravidão. Assim quem quiser sair
das trevas para viver na luz, como uma Nova Pessoa, tem de aceitar a água do batismo
– isto é, tem de optar por Jesus e acolher a proposta de vida que Ele oferece.
Depois,
o autor do texto coloca em cena várias personagens; essas personagens vão
assumir representar vários papéis e assumir atitudes diversas diante da cura do
cego. Os primeiros a ocupar a cena são os vizinhos e conhecidos do cego. A
imagem do cego, dependente e inválido, transformado em homem livre e
independente, leva os seus concidadãos a interrogar-se. Percebem que de Jesus
vem o dom da vida em plenitude; talvez anseiem pelo encontro com Jesus, mas não
se atrevem a dar o passo definitivo, ir ao encontro de Jesus, para ter acesso à
“luz”. Representam aqueles que percebem a novidade da proposta que Jesus traz,
que sabem que essa proposta é libertadora, mas que vivem na inércia, no
comodismo e não estão dispostos a sair do seu “cantinho”, do seu mundo
limitado, para ir ao encontro da “luz”.
Um
outro grupo que aparece em cena é o dos fariseus. Eles sabem perfeitamente que
Jesus oferece a “luz”; mas recusam-na liminarmente. Para eles, interessa continuar
com o esquema das “trevas”. Representam aqueles que têm conhecimento da
novidade de Jesus, mas não estão dispostos a acolhê-la. Sentem-se mais
confortáveis nos seus esquemas de escravidão e autossuficiência e não estão
dispostos a renunciar às “trevas”. Mais: opõem-se decididamente à “luz” que
Jesus oferece e não aceitam que alguém queira sair da escravidão para a
liberdade. Quando constatam que o homem curado por Jesus não está disposto a
voltar atrás e a regressar aos esquemas de escravidão, expulsam-no da sinagoga.
Depois,
aparecem em cena os pais do cego. Eles limitam-se a constatar o acontecimento,
o filho nasceu cego e agora vê, mas evitam comprometer-se. Na sua atitude,
transparece o medo de quem é escravo e não tem coragem de passar das “trevas” para
a “luz”. Preferem a segurança da ordem estabelecida – embora injusta e
opressora – do que os riscos da vida livre. Representam todos aqueles que, por
medo, preferem continuar na escravidão, não provocar os dirigentes ou a opinião
pública, do que correr o risco de aceitar a proposta transformadora de Jesus.
Finalmente,
reparemos no “percurso” que o homem curado por Jesus faz. Antes de se encontrar
com Jesus, é um homem prisioneiro das “trevas”, dependente e limitado. Depois,
encontra-se com Jesus e recebe a “luz”, do encontro com Jesus resulta sempre
uma proposta de vida nova. O relato descreve a progressiva transformação que o
homem vai sofrendo. Nos momentos imediatos à cura, ele não tem ainda grandes
certezas, quando lhe perguntam por Jesus, responde: “não sei”; e quando lhe
perguntam quem é Jesus, ele responde: “é um profeta”; mas a “luz” que agora
brilha na sua vida vai-o amadurecendo progressivamente. Confrontado com os
dirigentes e intimado a renegar a “luz” e a liberdade recebidas, ele torna-se,
em dado momento, o homem das certezas, das convicções; argumenta com agilidade
e inteligência, recusa-se a regressar à escravidão: mostra o homem adulto,
maduro, livre, sem medo… É isso que a “luz” que Jesus oferece produz em homens
e mulheres. Finalmente, o texto descreve o estágio final dessa caminhada
progressiva: a adesão plena a Jesus. Encontrando o ex-cego, Jesus convida-o a
aderir ao “Filho do Homem”; a resposta do ex-cego é a adesão total: “creio,
Senhor”. Diz, ainda, o texto, que o ex-cego se prostrou e adorou Jesus: adorar
significa reconhecer Jesus como o projeto de vida nova que Deus apresenta a
humanidade, aderir a Ele e segui-l’O.
Neste
percurso está simbolicamente representado o “caminho” do catecúmeno. O primeiro
passo é o encontro com Jesus; depois, o catecúmeno manifesta a sua adesão à
“luz” e vai amadurecendo a sua descoberta… Torna-se, progressivamente, livre,
sem medo, confiante; e esse “caminho” desemboca na adesão total a Jesus, no
reconhecimento de que Ele é o Senhor que conduz a história e que tem uma
proposta de vida… Depois disto, ao cristão nada mais interessa do que seguir
Jesus. Então, a missão de Jesus consiste em destruir essa
“cegueira”, libertar e fazer viver na “luz”. Trata-se de uma nova criação…Assim,
da ação de Jesus irá nascer uma Nova Identidade para homens e mulheres, libertos
do egoísmo e do pecado, vivendo na liberdade, a caminho da vida em plenitude.
Jesus
Cristo, o Filho de Deus, veio ao nosso encontro e mostrou-nos a luz
libertadora: convidou-nos a renunciar ao egoísmo e autossuficiência que geram
“trevas”, sofrimento, escravidão e a fazermos da vida um dom, por amor. O cego
que escolhe a “luz” e que adere incondicionalmente a Jesus e à sua proposta
libertadora é o modelo que nos é proposto. Assim, a Palavra de Deus
convida-nos, neste tempo de Quaresma, a um processo de renovação que nos leve a
deixar tudo o que nos escraviza, nos aliena, nos oprime – no fundo, tudo o que
impede que brilhe em nós a “luz” de Deus e que impede a nossa plena realização.
Portanto, para que a celebração da ressurreição, na manhã de Páscoa, signifique
algo, é preciso realizarmos esta caminhada quaresmal e renascermos para a
Liberdade, feitos Homens e Mulheres Novos, que vivem na “luz” e que dão
testemunho da “luz”. Receber a “luz” que
Cristo oferece é, também, acender a “luz” da esperança no mundo. Assim seja!
Amém.
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