Irmãos
e irmãs,
Este
Santo Domingo convida-nos à santidade, à perfeição. Sugere que o “caminho
cristão” é um caminho nunca acabado, que exige de cada homem ou mulher, em cada
dia, um compromisso sério e radical, feito de gestos concretos de amor e de
partilha, com a dinâmica do “Reino”. Somos, assim, convidados a percorrer o
nosso caminho de olhos postos nesse Deus santo que nos espera no final da
viagem.
A
primeira leitura apresenta um apelo veemente à santidade: viver na comunhão com
o Deus santo, exige o ser santo. Esta santidade passa pelo amor ao próximo. Assim,
o Povo tem de viver de acordo com determinadas regras para manter esta comunhão
de vida com Deus. Daí que o Levítico apresenta as leis que devem orientar a
vida do Povo, a fim de que ele possa manter-se na órbita do Deus santo e
testemunhar a santidade de Deus no mundo.
A
comunhão com o Deus santo exige que o Povo cultive, por sua vez, a santidade. Ora,
ser santo significa o quê? Na “lei da santidade”, temos disposições que dizem
respeito às mais variadas dimensões da vida; mas neste caso, em concreto,
liga-se a questão da santidade com o comportamento “justo” para com os irmãos,
membros da comunidade do Povo de Deus. A
expressão final “amarás o teu próximo como a ti mesmo” resume o comportamento
que a santidade exige, quanto à vida fraterna.
Na
segunda leitura, Paulo convida os cristãos de Corinto – e os cristãos de todos
os tempos e lugares – a serem o lugar onde Deus reside e Se revela. Para que
isso aconteça, devemos renunciar definitivamente à “sabedoria do mundo” e devem
optar pela “sabedoria de Deus”, que é dom da vida, amor gratuito e total.
Paulo
considera que a comunidade cristã é o verdadeiro Templo da nova aliança, isto
é, o lugar onde Deus reside, onde ele se manifesta e onde ele oferece a
salvação. A nossa comunidade paroquial
ou religiosa é uma comunidade fraterna, solidária, e que dá testemunho da
“loucura da cruz” com gestos concretos de amor, de partilha, de doação, de
serviço, ou é uma comunidade fragmentada, dividida, cheia de contradições, onde
cada membro puxa para o seu lado, ao sabor dos interesses pessoais? A
comunidade pode ser Templo de Deus onde reside o Espírito e viver no conflito,
na divisão e no confronto?
Os
cristãos são Templo de Deus, onde reside o Espírito. Isso quer dizer, em
concreto, que, animados pelo Espírito, eles têm de ser o sinal vivo de Deus e
as testemunhas da sua salvação diante de homens e mulheres do nosso tempo.
No
Evangelho, Jesus continua a propor aos discípulos, de forma muito concreta, a
sua Lei da santidade, no contexto do “sermão da montanha”. Hoje, Ele pede aos
seus que aceitem inverter a lógica da violência e do ódio, pois esse “caminho” só
gera egoísmo, sofrimento e morte; e pede-lhes, também, o amor que não marginaliza
nem discrimina ninguém, nem mesmo os inimigos. É nesse caminho de santidade que
se constrói o “Reino”.
A
leitura que nos foi proposta coloca, mais uma vez, como cenário de fundo, as
exigências do compromisso com o “Reino”. Sugere que viver na dinâmica do
“Reino” implica, não o cumprimento de ritos ou de leis, mas uma atitude nova,
revolucionária, que resulta de um compromisso interior com Deus verdadeiramente
assumido, e manifestado em atitudes concretas. Exige a superação de uma
religião feita de leis, de códigos, de ritos, de gestos externos e o viver em
comunhão com Deus, de tal forma que a vida de Deus encha o nosso coração e
transborde em gestos de amor para com os irmãos.
A
perspectiva de Mateus é que Jesus não veio abolir a Lei, mas levá-la à
plenitude. No entanto, considera Mateus, a Lei tornou-se um conjunto de
prescrições que são cumpridas mecanicamente, dentro de uma lógica casuística
que, tantas vezes, não tem nada a ver com o coração e com a vida. É preciso que
a Lei deixe de ser um conjunto de preceitos externos a cumprir para conquistar
a salvação, para se tornar expressão de um verdadeiro compromisso com Deus e
com o “Reino”.
Mateus
apresenta um conjunto de exemplos, destinados a tornar mais clara e concreta
esta perspectiva. Dos seis exemplos apresentados por Mateus, quatro apareceram
no Evangelho do domingo anterior; para hoje, ficam os dois últimos exemplos
dessa lista.
O
primeiro exemplo que o Evangelho de hoje nos propõe, o quinto da lista, refere-se
à chamada “lei de talião”. A “lei de talião”, consagrada na conhecida fórmula
“olho por olho, dente por dente”. Em si, é uma lei razoável, destinada a evitar
as vinganças excessivas, brutais, indiscriminadas…
Jesus,
no entanto, não se dá por satisfeito com uma lei que apenas limita os excessos
na vingança, e propõe uma lógica inteiramente nova. Na sua perspectiva, não
chega manter a vingança dentro de fronteiras razoáveis, mas é preciso acabar
com a espiral de violência de uma vez por todas; para isso, Jesus propõe que os
membros do “Reino” sejam capazes de interromper o curso da violência, assumindo
uma atitude pacífica, de não resistência, de não resposta às provocações.
Para
tornar mais clara a sua proposta, Jesus apresenta casos concretos. No primeiro,
pede que não se responda com a mesma moeda àquele que nos agride fisicamente,
mas que se desarme o violento oferecendo a outra face; no segundo, recomenda
que, diante de uma exigência exorbitante, entrega da túnica, isto é, da peça de
roupa mais fundamental, se responda entregando ainda mais, a entrega da capa,
vestimenta que servia para proteger dos rigores da noite e que, por isso, a
própria Lei não admitia que fosse retida, senão por um dia; no terceiro, exige
que se acompanhe por duas milhas aquele que quer forçar-nos a acompanhá-lo por
uma; no quarto, Jesus recomenda que não se ignore, nem se deixe sem atender
aquele que pede algo emprestado… Este conjunto de exemplos concretos aponta
numa única direção: os membros da comunidade de Jesus devem manifestar a todos
um amor sem medida, que vai muito além daquilo que é humanamente exigido. Dessa
forma, eles inauguram uma nova era de relações entre homens e mulheres.
O
segundo exemplo que o Evangelho de hoje nos apresenta, o sexto da lista,
refere-se ao amor aos inimigos. Jesus afirma que a Lei antiga recomendava: “ama
o teu próximo e odeia o teu inimigo”. No entanto, embora haja na Lei antiga uma
referência ao amor ao próximo, não se refere, em lado nenhum, o ódio aos
inimigos. O amor ao próximo recomendado pela Lei havia adquirido, na época de
Jesus, um sentido muito restrito: era o amor a esse próximo mais chegado que,
quando muito, chegava a incluir todos os israelitas mas que não atingia, em
nenhum caso, os não membros do Povo eleito. Quando muito, o amor ao próximo
atingia, aquele que pertencia à comunidade do Povo de Deus.
O
pedido de Jesus apresenta, portanto, uma verdadeira novidade e exige uma
autêntica revolução das mentalidades. Para Jesus, não chega amar aquele que
está próximo, aquele a quem me sinto ligado por laços étnicos, sociais,
familiares ou religiosos; mas o amor deve atingir todos, sem exceção, inclusive
os inimigos. Fica, assim, abolida qualquer discriminação; são abatidas todas as
barreiras que separam as pessoas.
Deus
não faz discriminação no seu amor. Ele é o Pai que não distingue entre amigos e
inimigos, que faz brilhar o sol e envia a chuva sobre bons e maus, que oferece
o seu amor a todos. O amor universal de Deus é a razão do amor que os membros
do “Reino” devem oferecer a todos os homens e mulheres que Deus coloca no seu
caminho. “Ser filho de Deus” significa dar testemunho do amor de Deus e
parecer-se com Deus no modo de agir.
Desta
forma, Jesus pede, aos que aceitaram embarcar na aventura do “Reino”, a
superação de uma lógica de vingança, de responder na mesma moeda, e o assumir
uma atitude pacífica de não resposta às provocações e que inaugure um novo
espírito nas relações. Jesus pede, também, aos participantes do “Reino” o amor
a todos, inclusive aos inimigos, subvertendo completamente a lógica do mundo.
A
expressão final, “sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito”, parafraseia o refrão da “lei da santidade” que
encontramos na primeira leitura, “sede santos porque Eu, o vosso Deus, sou
santo”, e resume, de forma magnífica, o ensinamento que Mateus pretende
apresentar à sua comunidade com estes seis exemplos, os quatro do passado
domingo e os dois de hoje: viver na dinâmica do “Reino” exige a superação de
uma perspectiva legalista e casuística, para viver em comunhão total com Deus,
deixando que a vida de Deus, que enche o coração do crente, se manifeste na
vida do dia-a-dia, inclusive nas relações fraternas.
A
santidade é uma exigência da comunhão com Deus, de quem se identifica com
Cristo, assume a sua filiação divina e pretende caminhar ao encontro da vida
plena, do Homem Novo e da Nova Mulher. Tenho consciência de que não posso ser
santo se o amor não se derramar dos meus gestos e das minhas palavras ...que
não posso ser santo se vivo fechado em mim mesmo, na indiferença para com os
meus irmãos, ainda que reze muito?
Para
que a santidade não seja uma ilusão, temos de ter o cuidado de viver num
contínuo processo de conversão, que elimine do nosso coração as raízes do mal,
responsáveis pelo ódio, pela injustiça, pela exploração. Ser santo não
significa viver de olhos voltados para Deus esquecendo do mundo; mas a
santidade implica um real compromisso com o mundo. Passa pela construção de uma
vida de verdadeira relação com os irmãos; e isso implica o banimento de
qualquer tipo de agressividade, de vingança, de rancor; implica uma preocupação
real com a felicidade e a realização do outro; implica amar o outro como a si mesmo,
ao aceitar o desafio de viver em comunhão
com Deus, eu sou chamado a dar testemunho da vida de Deus diante de todos os
meus irmãos e irmãs, ser um sinal vivo de Deus, do seu amor, da sua perfeição,
da sua santidade, no meio do mundo, lutando contra todo tipo de injustiça e exploração. Assim seja! Amém.
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